Um lugar ao sol

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Miriam Gimenes

 A foto do pequeno refugiado sírio Alan Kurdi, morto em uma praia na Turquia, chocou. Durante dias foi replicada nas redes sociais, virou tema de reportagens de jornais, revista e televisão e chamou a atenção do mundo para a guerra civil instaurada no seu país de origem. Assim como ele e seus familiares, mi­lhares de pessoas tentam fugir pelo mar diariamente e a história, a exemplo da sua, nem sempre tem um final feliz. Talal al-Tinawi, 42, nascido em Damasco, não quis se arriscar dentro de um bote e, após uma viagem de avião de 27 horas, chegou ao Brasil.

 
É que desde o início da guerra, motivada após sucessão de grandes protestos da população em janeiro de 2011 contra o presidente Bashar al-Assad, a situação do país só piorou. Tudo ficou caro, perigoso e, como se não bastasse, Al-Tinawi ficou preso por quase quatro meses por ter o mesmo nome de um opositor do ditador. “Não sabia se ia sair vivo ou morto de lá”, lembra. De dentro das grades, recebeu um conselho que mudou seu destino: teria de fugir porque, mesmo que fosse solto, o que de fato aconteceu, seria perseguido até ser capturado novamente.
 
Uma vez na rua, em duas semanas procurou um lugar que o aceitasse, junto com a mulher, Ghazal Baranbo, 32, e os dois filhos, Riad, 13, e Yara, 10. Com a ajuda de sírios que nem o co­nheciam, chegou em dezembro de 2013, alugou um apartamento, ajudou quase 3.000 refugiados, aumentou a família ­– Sara, 9 meses, é brasileira ­– e, por meio de uma ‘vaquinha virtual’, arrecadou R$ 60 mil para abrir, em breve, seu restaurante. Encontrou, no Brasil, o seu lugar ao Sol.
 
 
“Sou sírio, engenheiro mecânico. Viver na Síria é muito ruim, perigoso. Fiquei preso durante três meses e meio porque meu nome é igual a um homem opositor ao governo. Com a guerra, muitas coisas erradas acontecem e eu fui vítima. Uma pessoa na prisão me disse: ‘O melhor para você é deixar o país, porque vão fazer a mesma coisa daqui um tempo.’O pro­blema da prisão de lá é que não sabe se vai sair vivo ou morto. Duas semanas depois de solto fui para Beirute, onde fiquei dez meses. Procurei a embaixada para tentar ir para Europa, América, Estados Unidos, qualquer país, mas todos falaram ‘não‘, porque sírio não pode ter visto. Daí o Brasil abriu para os sírios virem só com o passaporte e eu cheguei aqui com a minha família (mulher e dois filhos, depois nasceu a caçula) em dezembro de 2013. Escolhi o Brasil por ser mais seguro, porque ir para a Europa pelo mar era muito perigoso. Quando cheguei aqui fiquei na casa de um sírio por três meses. Ele me ensinou português e me ajudou a alugar um boxe para vender roupa para criança na Feira da Madrugada. Coloquei meus filhos na escola, aluguei apartamento e trabalhei em uma empresa de engenharia. Veio a crise, acabaram os projetos e eu saí. Também centralizei a ajuda a refugiados. Depois que aquele menino morreu no mar, uma jornalista colocou meu contato na internet para arrecadação de mantimentos, que distribui para cerca de 3.000 pessoas. Comecei a trabalhar com receitas árabes em eventos do Adus (Instituto de Reintegração do Refugiado) e fiz uma página dos meus pratos no Facebook. Um conhecido me deu a ideia de abrir um restaurante, mas eu não tinha di­nheiro. Ele disse que poderia apelar para o site de financiamento coletivo, o Crowdfunding Campaign e, em dois meses, consegui arrecadar R$ 60 mil. Ainda estou esperando receber o di­nheiro para definir o local. Acho que vou ter um bom futuro para mim e meus filhos. Agora só volto para a Síria quando a guerra acabar para visitar (o pai e o irmão moram lá). O que mais me encantou no País é que brasileiro gosta de ajudar e, agora, meu futuro é aqui.”
 
 
Quem tem uma história interessante e deseja vê-la nas páginas da Dia-a-Dia é só mandar um e-mail para minhahistoria@ dgabc.com.br.
 



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