Fome de justiça

Envie para um(a) amigo(a) Imprimir Comentar A- A A+

Compartilhe:

Miriam Gimenes

 De gota em gota, o beija-flor tentava apagar o incêndio que estava aterrorizando os animais da floresta. Intrigado, o leão – que tentava fugir como os demais – o questionou: “Acha que vai conseguir apagar o fogo sozinho?”. E o pássaro, entre uma árvore e outra, disse: “Sozinho não, mas estou fazendo minha parte.” É com esta fábula que Herbert de Souza (1935-1997) – que faria 80 anos no próximo dia 3 – começa a contar sua história no documentário Betinho – A esperança Equilibrista, que será apresentado hoje na 39ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Na quinta-feira, a obra estreia nos cinemas.

Assim como o pássaro, de grão em grão Betinho trabalhou para erradicar a fome do País. Fez, com louvor, a sua parte. Uma das suas maiores bandeiras foi a campanha Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, lançada em 1993. que se alastrou por todo País e rendeu atividades conjuntas, entre elas a Campanha Natal Sem Fome, que até 2005 arrecadou 30 mil toneladas de alimentos, doados para 15 milhões de pessoas.

O documentário não se restringe apenas a seus feitos, mas também às suas dores, que não foram poucas. Betinho, assim como os irmãos Chico Mário e Henfil, herdaram hemofilia da mãe. Ainda criança teve tuberculose e quase perdeu a vida. Passou a infância em lugares inóspitos, como penitenciária e funerária, locais de trabalho do seu pai.

A ideia, segundo o diretor Victor Lopes, era mostrar o seu lado humano. Por isso a iniciativa de usar a sua voz, extraída de série chamada Caminhos da Democracia, para narrar o documentário. “A sensação é que ele que conduz a própria história, está conversando com o espectador e que está vivo, o que não deixa de ser uma verdade.”

Além de usar gravações, Victor conversou com pessoas próximas a ele: como a viúva Maria Nakano, os filhos, e amigos próximos, um deles o senador José Serra (PSDB). E o que mais o surpreendeu entre uma entrevista e outra foi que, apesar de uma vida com a morte iminente, nunca se deixou abater. “Ele tinha um senso de humor fino, mordaz, às vezes. Acho que o amor dele pela vida é muito intenso.” O sociólogo morreu assim como seus irmãos, vítima da Aids contraída durante transfusão de sangue por conta da hemofilia.

DITADURA
Betinho não virou letra de música à toa. Além de sua campanha contra a fome, foi um dos principais nomes na luta contra a ditadura militar (1964-1985). Tanto que o hino da anistia O Bêbado e o Equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc, que trata ‘da volta do irmão do Henfil’, foi entoado – uma das cenas mais emocionantes do documentário – durante seu velório em uníssono.

Com o golpe, ele passou a ser perseguido e foi ao Uruguai e a Cuba. Voltou para o País clandestino, usando pseudônimos, e teve passagens pelo Grande ABC. Um dos seus esconderijos foi em Mauá,onde trabalhou na Porcelana Real, e também na Igreja Nossa Senhora das Dores, na Vila Palmares, em Santo André. “Ele era muito simples, ideias bem claras, um linguajar bem fácil, se posicionava contra a estrutura política do Brasil. Com ele aperfeiçoei em mim o sentimento de solidariedade aos mais pobres”, disse ao Diário o padre Rubens Chasseraux, que lhe prestou abrigo à época.

Em 1971, exilou-se no Chile e só retornou ao País em 1979, com a anistia. A partir de então, fundou o Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas) e participou ativamente nas manifestações políticas, como a criação do PT e o impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992. “(Se fosse vivo hoje) Ele estaria como eu: decepcionado com o PT e envergonhado de ter divulgado o partido”, acredita padre Rubens.

Victor diz que o documentário é obrigatório neste momento do País. “(O filme) Vai emocionar mais que uma comédia romântica. Ele mostra que os valores do Betinho são urgentes para o Brasil hoje. Precisamos de referências como ele, um farol para este e outros momentos da vida brasileira”, finaliza o diretor. Assino embaixo.

Mostra de Cinema – Hoje, às 22h, Cinearte – Conjunto Nacional; amanhã, às 17h10, Espaço Itaú Frei Caneca 5 – Rua Frei Caneca, 569; quarta-feira, às 16h, Reserva Cultural 2 – Avenida Paulista, 900. O ingresso da premiére está a venda a R$ 19,63 e pode ser comprado no www.ingresso.com.




Diário do Grande ABC. Copyright © 1991- 2024. Todos os direitos reservados