Luta por uma vida normal

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Rodrigo Mozelli

 Doença que chega de mansinho, sem ninguém perceber. ‘Finge’ ser outra coisa, nem sempre é o que aparenta ser. Geralmente, a esclerose múltipla atinge jovens adultos entre 20 e 40 anos, a maioria mulheres, porém se desenvolve mais rapidamente no homem. Segundo estimativa da OMS (Organização Mundial da Saúde), cerca de 2,5 milhões de pessoas são portadoras dessa patologia no mundo. Já a Abem (Associação Brasileira de Esclerose Múltipla) estima que cerca de 35 mil brasileiros têm a doença. O assunto agora está sendo abordado em horário nobre: é o drama vivido por Romero Romulo, personagem de Alexandre Nero em A Regra do Jogo, novela das 21h da Rede Globo. A esclerose múltipla não é contagiosa nem hereditária, sendo que o maior ‘vilão’ causador da doença é o estresse. Ela possui diversos sintomas, sendo que alguns se manifestam mais em uns e menos em outros. Entre eles, estão surtos, perda de memória, paralisia momentânea, perda de equilíbrio, falta de ar, dores, fraqueza, cãibra, problemas na fala, cegueira temporária, entre outros, e está ligada ao estado emocional do paciente. Pode ocorrer em qualquer parte do cérebro, é neurodegenerativa e autoimune, ou seja, as células de defesa do organismo atacam o próprio sistema nervoso central, destruindo a mielina, fibra que reveste os canais dos neurônios, causando danos ao cérebro e à medula espinhal (veja na ilustração no fim desta reportagem).

 
No caso do personagem de Nero, a suspeita surge durante relação sexual – já que a esclerose múltipla também afeta o desempenho do ato –, além de problemas na visão e desmaios. Na vida real, os casos variam. O mais famoso é o da atriz Cláudia Rodrigues, 44, famosa por sua interpretação em A Diarista, série extinta da Globo. Cláudia foi diagnosticada em 2000, ela não conseguia gravar as falas. A doença atacou o cérebro e o sistema nervoso central da atriz. “Comecei a sentir fadiga, dores de cabeça, dificuldades de preambular e falta de equilíbrio”, conta à Dia-a-Dia. Com o passar dos anos, conseguiu controlar a doença – que não tem cura – e a se sentir melhor, apesar de ter tido grave depressão por quatro anos e ter até pensado em se matar. Hoje, ela afirma estar sempre pronta para o trabalho, embora tenha ficado desempregada em abril. “Quando me chamam eu faço.” Cláudia também comenta como é importante ser a madrinha da Campanha de Esclerose da Associação Brasileira de Esclerose Múltipla, mas critica a forma como o governo cuida do tema. “Acho o sistema de Saúde do Brasil falido, não só em relação à EM, mas de um modo geral. É essencial esclarecer a doença para que todos saibam como é e como devem tratar os portadores.”
 
 
UM DIA DE CADA VEZ
O administrador de empresas José Martins Matheus Júnior, 38, de São Bernardo, sente os sintomas da esclerose múltipla desde 2010. “Trabalhava numa grande empresa e administrava mais de 2.000 pessoas. Era uma pessoa muito ativa, gostava de esportes e jogava futebol. Foi quando comecei a cair sozinho jogando bola. Meus colegas até caçoavam, perguntando o motivo de não conseguir mais parar em pé”, conta. Depois do susto, Júnior se sentiu bem até 2012, quando veio tudo de uma vez. Primeiro, ele não sentia mais a perna. “Outro dia, estava descendo para Santos, indo em uma das empresas de minha corporação. Quando fui olhar o retrovisor direito, vi mancha branca e achei esquisito. De repente, só conseguia visualizar minha frente, tinha perdido minha visão periférica. Quase causei acidente”, conta.
 
Após passar por ortopedistas por conta de sua perna, ele precisou passar com urgência com oftalmologista, pois começou a ver esbranquiçado, impedindo-o de fazer quase tudo. No primeiro que visitou, recebeu a ordem de pingar dois colírios, que de nada estavam adiantando. “Fomos então à outra oftalmo, que me mandou usar pomada e pediu alguns exames. Neste meio-tempo, 15 dias havia se passado. Quando os exames ficaram prontos, ficou atestado que não tinha nada nos olhos.”
 
m sua terceira consulta, o administrador, enfim, recebeu algo concreto. O médico que o atendeu pediu dezenas de exames, incluindo de sangue, neurológicos e que envolvem a medula espinhal. A princípio constataram possível problema entre o cérebro e a medula. José fez ressonâncias magnéticas e tomografias. “Quando meu médico deu o diagnóstico todos entraram em choque. Minha família começou a chorar. Nessa hora, a gente só pensa duas coisas: ou que vamos morrer ou que vamos ficar em uma cama dependendo de alguém,” desabafa.
 
 
O maior medo de José e da mulher, Karina Thomaz Matheus, assistente contábil, 36, era não conseguir ter filhos. “Mas, meses após meu diagnóstico, soubemos que a Karina estava grávida”, diz o rapaz. O primeiro ano convivendo com a doença foi difícil para toda a família. José começou com remédio a ser aplicado todas as sextas-feiras no músculo da perna, o que o derrubava durante todo o fim de semana e começou a deixá-lo depressivo. “Além disso, me tiraram todo o trabalho que tinha para algo muito simples, mas por me acharem um coitado. Comecei a me sentir um inútil, um lixo”, desabafa. Sem emprego, o administrador ficou também sem convênio e sem tratamento, precisando correr atrás de empréstimos para comprar medicamentos, que custam entre R$ 10 mil e R$ 30 mil.” Pelo INSS, ele tenta há um ano conseguir a aposentadoria por invalidez. Também passou a visitar a Associação Brasileira de Esclerose Múltipla,. “O lugar é ótimo, pois encontro pessoas que falam minha língua, com quem posso conversar sobre a doença.”
 
PRECONCEITO
José Martins diz que se sente vítima de preconceito. “Por exemplo, a pessoa pode ter a doença, mas ainda poder caminhar. Ela tem um carro, tem a credencial e o adesivo indicando ser portador de deficiência e para no local indicado. As pessoas que veem isso já criticam, sem saber que aquela pessoa tem sim algo e que, ainda por cima, é degenerativo. Acho que falta mais informação ao povo sobre esta patologia e mais treinamento para o serviço público de Saúde, que não sabe como tratar e diagnosticar a doença”, acusa. Ele também alega ter sido recusado por três empresas e por três convênios, justamente por conta da esclerose. “O quarto convênio me aceitou, mas precisei abrir CNPJ e


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