Bibliotecas mais antigas da região guardam história e frequentadores

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Caroline Garcia<br>Do Diário OnLine

Duas sessentonas que ainda sustentam ares imponentes e que carregam a importância de serem as bibliotecas mais antigas do Grande ABC. Inauguradas em 1954, a Biblioteca Municipal Nair Lacerda, de Santo André, e a Biblioteca Municipal Paul Harris, de São Caetano, guardam histórias e cultivam frequentadores há 61 anos.

O legado da Nair Lacerda (que se chamava Biblioteca Municipal de Santo André) deu o pontapé inicial ainda em outubro de 1952, com a assinatura da lei de criação pelo prefeito Fioravante Zampol (01/01/1952 a 12/03/1955 e 21/05/1964 a 31/01/1969). O acervo inicial foi de cerca de 4 mil exemplares – hoje são 190 mil livros –, doados pela biblioteca particular da jornalista e escritora Nair Lacerda (que depois foi homenageada) e do acervo da atual Biblioteca Mário de Andrade, de São Paulo.

As modificações e mudanças de prédios, até chegar ao Paço Municipal, foram inúmeras desde então. Entre os principais acontecimentos estão a informatização do espaço em 1980 e a reinauguração de um novo conceito e de uma nova referência às informações. “A partir dessa fase, a consulta passa a ser feita direto pelo público. Antes disso, as pessoas não tinham acesso livre ao acervo, tinham que ir ao balcão e pedir sugestões de livros sobre o assunto que queriam para o pessoal do atendimento”, explica Carmela Giura, gerente da biblioteca Nair Lacerda.

Uma realidade bem diferente da observada hoje, na qual é possível consultar todos os exemplares de casa, por meio da Biblioteca Digital, programa criado em 2013 que localiza mais de 200 mil itens que estão disponíveis no espaço físico da biblioteca. “Temos também 1.700 e-books e artigos digitalizados para download bem fáceis de serem encontrados pelo sistema de busca virtual”, conta Carmela.

Em São Caetano, a tecnologia também chegou na Paul Harris, apesar de o visitante se deparar com uma máquina de escrever logo na entrada. E o equipamento tem utilidade: anotar os empréstimos e devoluções de livros nos canhotos. No entanto, as obras ainda estão em processo de digitalização.

Assim como Santo André, o espaço passou por alguns endereços desde sua criação (pela lei de novembro de 1953), assinada pelo então prefeito Anacleto Campanella (04/04/1953 a 03/04/1957) até ser instalada, em 2002, no Complexo Educacional de Ensino Fundamental. O nome é uma homenagem ao fundador do Rotary Club Internacional, já que a ideia inicial da criação partiu dos membros do Rotary da cidade, que inclusive, doaram o primeiro acervo, composto por aproximadamente 500 livros.

“Hoje temos 37 mil exemplares. Procuramos manter um pouco de cada assunto, pesquisamos lançamentos, best-sellers, acatamos sugestões dos frequentadores, além das compras tradicionais da Prefeitura e doações”, diz Ana Maria Guimarães Rocha, coordenadora das bibliotecas de São Caetano.

O papel das bibliotecas, segundo Ana Maria, é dar suporte para a informação. “Como diz (o escritor e filósofo) Umberto Eco, o livro não vai acabar. Então, quem gosta de ler, vem para buscar o suporte. Tem pessoas que gostam de ler no tablet, mas tem aquelas que ainda preferem o papel, para ler na cama ou na rede, e tem também aquela coisa do cheiro do livro. É preciso ter esse acesso disponível e este incentivo à leitura e à informação.”

Obras raras – Apesar de não estar acessível ao público, Santo André guarda obras raras, como um dicionário de 1876, um exemplar de Augusto Comte, de 1892, e a coleção completa da Brasiliana, de 1934.

A ideia é criar uma sala especial para os exemplares com o projeto que será feito no local com verba de um edital do Governo do Estado de São Paulo. “Recebemos R$ 300 mil para o que estamos chamando de ''Biblioteca Moderna''. Vamos ter um novo layout, mais atrativo e descontraído, sem muitas mesas, com mais poltronas e sofás”, afirma Carmela.

Segundo ela, o processo está em vias de licitação e precisará de uma contrapartida municipal para custos com a parte elétrica e iluminação, que deverá ser disponibilizada em 2016.

Tranquilidade atrai visitantes assíduos

Com a internet e a facilidade para encontrar informações online, não existe mais o estudante que vai à biblioteca só para consultar livros de pesquisa para trabalho escolar. O público das bibliotecas mais antigas do Grande ABC é variado, mas continua assíduo, embora as atividades de seis décadas atrás sejam diferentes das exercidas atualmente.

Aos 50 anos, o educador físico de Santo André Paulo Rodolfo da Silva Camillo continua com a rotina de visitar diariamente a Biblioteca Nair Lacerda. “Desde garoto passo cerca de duas horas por dia por aqui. Sempre gostei de ler, então, antigamente vinha para ler jornal ou fazer pesquisa da escola. Hoje uso mais a internet.”

Pelo ambiente tranquilo, os estudante de Santo André Mayara Alvares, 22, e Gabriel Conte do Nascimento, 19, preferem estudar na biblioteca da cidade do que em casa. “Venho aqui desde o começo do ano porque acaba ficando mais fácil se concentrar aqui do que em casa. As distrações são menores”, contou a aluna de Biomedicina.

Para o senegalês Daffa Fily Kanouté, 56, a Biblioteca Paul Harris é um porto-seguro. “Comecei a trabalhar em São Caetano há 10 anos. Desde então, desço do trem e venho para cá buscar inspiração para minha aulas, ler revistas e jornais e usar também a internet. Além da amizade com os funcionários, também converso e leio poesia. É uma sopro de ar fresco”, afirma o professor de línguas que chegou ao Brasil em 1986 e mora hoje em São Paulo.

Inspiração também é o que faz o romancista José Augusto Fernandes Bonugli de Lima, 21, visitar o local diariamente desde o ano passado, quando mudou-se para São Caetano. “Venho ler clássicos de difícil acesso na internet. Já escrevi um romance e busco ideias nesses autores para começar o segundo.”

Quem também está animado em escrever um livro é Douglas de Brito Cardoso, 43, que quer usar sua trajetória de vida para ajudar aqueles que passaram pelo mesmo problema que ele. “Fui mendigo e tive problema com alcoolismo, mas hoje sou empresário. O intuito é ajudar os outros com a minha históra porque, afinal, alguém me ajudou.”

Praticamente uma vida dentro das bibliotecas

Ana Maria e Carmela escolheram cursar Biblioteconomia na faculdade e, desde então, entraram de cabeça nesse mundo dos livro para nunca mais sair por vontade própria. Além de saberem cada detalhe de sua respectiva biblioteca, somam histórias e amizades cultivadas durante três décadas de trabalho.

“É uma segunda casa. Sou funcionária de carreira e estou sempre lutando pela minha área. Acompanho todas as mudanças de comportamento, vejo crianças que cresceram e que hoje são pais e trazem seus filhos. Uma das histórias que me marcou bastante foi a de um senhor, que gostava muito de Agatha Christie e toda semana levava um livro. Um dia, a mulher e o filho apareceram com um exemplar que ele tinha tomado emprestado. Ele acabou morrendo e vieram devolver o livro para ele. Fiquei triste e impressionada com o cuidado deles em lembrar em devolver a obra”, disse a coordenadora de São Caetano.

Já Carmela lembra de um caso que movimentou toda a rede de bibliotecas de Santo André. “Um rapaz de Americana soube que tinha uma foto dele em um dos livros que estaria em Santo André. Localizamos o exemplar na unidade da Senador Fláquer e, como lá tinham dois exemplares, a bibliotecária doou para nós e ele veio até aqui só para pegar esse livro, que acabamos doando para ele também.”

Para a gerente de Santo André, o trabalho de todos os funcionários das bibliotecas é de longo prazo. "Principalmente aos sábados, vejo bastante pais jovens com os filhos que fazem questão de ficarem sócios e levar exemplares para casa. É uma gota no oceano", completa.



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