Moro em Santo André

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Vinícius Castelli

Moro em Santo André

Um dos maiores ícones do samba paulista, o compositor Adoniran Barbosa, que teve forte ligação com o Grande ABC, completaria 105 anos hoje

Para ele bastava uma caixinha de fósforo e uma ‘pernada’ pelas ruas da cidade para criar um samba. Nascido em Valinhos, interior de São Paulo, Adoniran Barbosa, cujo nome de batismo era João Rubinato, completaria hoje 105 anos de vida. Figura mais emblemática do samba paulista, morreu em 3 de novembro de 1982, aos 72 anos. Alguns deles bem vividos no Grande ABC.

Adoniran morou no Centro de Santo André – especificamente na Rua Doutor Cesário Mota – entre 1924 e início dos anos 1930. Depois, mudou-se para São Paulo. A vivência nas ruas andreenses rendeu composições como Trem das Onze, clássico imortalizado pelos Demônios da Garoa. E eram as coisas que via e vivia que usava para escrever. Quando canta “Moro em Jaçanã/Se eu perder esse trem/Que sai agora às onze horas/Só amanhã de manhã”, na verdade se referia a Santo André, mas ‘Jaçanã’ rimava melhor com ‘amanhã de manhã’.

"Todo mundo estranhou quando Adoniran compôs Trem das Onze e em vez de falar que morava em Santo André colocou Jaçanã”, disse o amigo do artista Atílio Guidugli, em 1982, ao Diário. O restante do que escreveu também fazia parte de seu cotidiano. “Sua mãe não dormia enquanto ele não chegava”, afirmou Guidugli. A equipe de reportagem visitou a Rua Doutor Cesário Mota, hoje tomada por comércio e por poucas residências, e ninguém se lembra ou sabe falar deste episódio. O mistério e a graça da história estão justamente aí.

Já músicas como Iracema, Samba do Arnesto e Saudosa Maloca retratavam conhecidos e caminhos de Adoniran. Canhotinho, cavaquinista do grupo Demônios da Garoa, que conviveu muitos anos com o compositor, conta ao Diário que personagens como Arnesto, Mato Grosso e o Joca eram reais. “Ele era simples e engraçado. Tudo o que falava era motivo de riso, mas ele não sorria”. O músico conta que o grupo ensaiava e Adoniran chegava e mostrava suas composições. A história dos Demônios com Adoniran teve início nas filmagens do longa O Cangaceiro, lançado em 1953, pela Companhia Cinematográfica Vera Cruz, de São Bernardo. O compositor atuou na obra e o grupo fez o arranjo de uma canção.

Outro fato comprovado é que o compositor trabalhou como tecelão e pintor nessa época. Ele mesmo falou sobre isso em 1972 no programa Ensaio, da TV Cultura. “Em Santo André fui encanador de água e esgoto. Fui mascate (mercador ambulante), vendia retalho de tecidos na rua e meia. Fazia samba no caminho, andando.”

O jornalista e historiador Ademir Medici conta que os andreenses que conviveram com Adoniran sempre citaram seu lado irriquieto, que fez mil coisas, mas gostava mesmo era de trabalhar no rádio. “Guardo duas funções que exerceu em Santo André: foi motorista do Pandiá Calógeras, industrial que montou a Conac, depois absorvida pela Pirelli e que, antes, foi o único civil a exercer o Ministério da Guerra (hoje seria do Exército), ainda na República velha; também foi lanterninha no Cine Carlos Gomes.”

Mais tarde, quase no fim da vida, em 1979, Adoniran voltou à cidade e visitou a Escola de Samba Estação Primeira de Santo André, em Utinga. “Deveria estar presente naquela noite. Não pude ir. Me arrependo até hoje”, lembra Medici. Para Canhotinho, a vivência com Adoniran ainda é fresca. Ele esteve ao lado do compositor até o fim de sua vida. “Não temos fotos com ele. Naqueles tempos a gente nem tirava foto”, brinca o cavaquinista, que diz que o legado de Adoniran e seu sucesso são permanentes.

LEGADO
Santo André tem hoje sociedade carnavalesca que presta homenagem ao artista: são os Embaixadores da Maloca do Barbosa, que conta com cerca de 500 participantes. Para o presidente dos Embaixadores, Fernando Pereira dos Santos, Adoniran é o maior ícone do samba paulista. “Em qualquer lugar que tenha samba quando se canta Adoniran o povo vai junto. Suas canções são crônicas da vida social retratando numa poesia simples, mas de interpretação sofisticada, as agruras do povo”, diz.




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