Tesouro nosso

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Marcela Munhoz

Tesouro Nosso

Carlos Alberto de Nóbrega e ‘A Praça é Nossa’ já são patrimônios culturais do Brasil. E após tantos anos o apresentador é o mesmo de sempre: querido e apaixonado pelo banco herdado do pai

Foto: Celso Luiz 

Em um dia comum de trabalho no SBT, os extensos corredores estão sempre em movimento. Vozes, luzes, ônibus de excursão e gente andando para lá e para cá trazem vida aos estúdios na Anhanguera. Atrás de uma das centenas de portas fica o escritório de alguém especial, que tem história na emissora. Aliás, de um dos que fizeram a própria emissora, ao lado do patrão Silvio Santos. Em tons de marrom e bege, ornamentado por móveis de estilo antigo – bem diferentes do simples e velho banco de costume – e objetos que fazem imaginar épocas longínquas e boas recordações, é a sala de Carlos Alberto de Nóbrega. Na parede, carta dada de presente pelo pai, Manoel de Nóbrega, ilumina o ambiente e o faz lembrar da missão que recebeu há 61 anos: “Trabalha, meu filho! Trabalha com amor, dedicação, coragem, renuncia, abnegação e probidade! Se assim o fizeres, eu direi em todas as fases de minha vida, o que digo, agora, de olhos molhados: ‘Eu me orgulho de ti , meu filho! Em tua pequenina mesa de trabalho, deposito minhas esperanças e o meu beijo!’”

Há 61 anos (2 de agosto de 1954) foi tirada a foto do escritório (acima); pai e filho trabalharam na Record
 
E Carlos Alberto cumpre todos os dias, ao pé da letra, o pedido feito por seu grande amigo, morto aos 63 anos. “Brinco que ele me largou um abacaxi que não tem tamanho. Dizem que a vida começa aos 40 anos e meu pai me preparou tão bem que morreu quando eu tinha essa idade”, diz o bem-humorado apresentador, que não esconde as lágrimas ao falar do seu progenitor. “O maior agradecimento, além do exemplo de vida, foi a educação que recebi. Meu pai nunca teve interferência direta na minha vida profissional, nunca pediu aumento para mim. Ele me educou de uma maneira que eu invejo, que não consegui repetir com meus filhos. Me ensinou a pescar, não me deu o peixe frito. E isso, para mim, foi muito importante. Ele dizia: ‘Se você tem valor, vai se virar e conseguir sozinho’”.
 
Com 61 anos de carreira, 28 deles – sem parar um dia sequer – recebendo grandes ‘figuras’ no humorístico A Praça é Nossa, o senhor de 79 anos nunca faltou à nenhuma gravação, realizada sempre às terças-feiras. Nem quando precisou se submeter a um cateterismo às pressas, no fim do ano passado. Gravou e, no mesmo dia, foi internado. “No dia em que eu faltar, é porque morri”, sentencia. “Na verdade, eu posso me ausentar, todos podemos, porque temos um programa sempre gravado. O Silvio, aliás, cansa de faltar, mas tenho muito ciúmes de A Praça. Ninguém mete a mão no programa. Mas faço isso porque tenho o aval do patrão, claro.” Dirigido pelo filho Marcelo de Nóbrega, o apresentador faz questão de escrever a edição final e editar o material. O resto, “o Marcelo se vira.” Apesar de ter dificuldades para dormir e se concentrar, Carlos Alberto decora as falas do programa inteiro. “Quando começo a gravar esqueço todos os problemas, esqueço de tudo aqui fora. É impressionante. Faço com tanto amor, gosto tanto que quando acaba estou inteiro.” Educado, centrado e disciplinado, Carlos Alberto diz que nunca negou um pedido para falar sobre sua vida. Entre tantos compromissos, dedicou algumas horas à reportagem da Dia-a-Dia no seu canto tão especial no SBT. Bate-papo é com ele mesmo. Confira:
 
INFÂNCIA
“O que marcou mais a minha infância foram os meses que passei em Nova York, em 1945, quando tinha 9 anos. Meu pai ganhou bolsa de estudos para fazer rádio lá. Trabalhava na CBS e NBC. Como já tinha passado de ano, consegui ficar o tempo todo na cidade, levando uma vida de adulto. Foi uma experiência incrível. Passavam normalmente por mim artistas mundialmente famosos, como Red Skelton, por exemplo. Íamos jantar em restaurante, vi várias produções da Broadway. Para um garoto isso era sensacional, marcou muito para mim. Até hoje sonho com os momentos felizes que vivi nos Estados Unidos.”
 
 
COMO TUDO COMEÇOU
“Por volta de 1947, 1948, fiz um programa na rádio Record que chamava Conversando com Papai, papo de pai para filho, sobre educação. Com 15 anos, comecei a escrever escondido dele, que estava na Rádio Piratininga. Meu melhor amigo tinha a idade do meu pai e escrevia programas de humor. Eu o ajudava. Sempre gostei de escrever. Com 17 anos repeti na escola pela terceira vez e queria estudar de noite e trabalhar de dia, porque tinha vergonha de ser mau aluno e meu pai pagar a escola. No colégio, na verdade, gostava de esportes. Era nadador, fui campeão. Me dedicava mais a natação do que aos estudos. Mas chegou uma hora em que tive de contar para o meu pai que estava escrevendo escondido dele, ele não acreditou. Eu era muito tímido, gago. Meu pai perguntou como queria trabalhar em rádio se era gago. No fim, batalhei e consegui. Em 1954, comecei a trabalhar com o Golias. Era ele, eu e o Boni. A gente precisava escrever o programa de rádio, porque ele ia para a televisão. Em 1º de maio de 1954 assinei o primeiro contrato profissional, como redator e ator na rádio Nacional de São Paulo.” Carlos já escreveu roteiros para programas do Ronald Golias, Família Trapo, com Jô Soares, Os Trapalhões, entre tantos outros.
 
MORTE DOS PAIS
“Meu pai me ensinou a pescar, não me deu o peixe frito. Claro que, com 18 anos, não aceitava muito a ideia dele não me pedir aumento. Ele ajudou o Golias, o Canarinho. Mas, admito, levava uma grande vantagem porque os donos das rádios eram amigos, frequentavam festas na minha casa. Então, tinha muita liberdade. Não ia tremendo falar com o dono da estação. Na época de A Praça da Alegria, criação do meu pai (de 1957), eu participava mais como comediante mesmo. Quando ele ficava doente ou viajava, ocupava o lugar dele. Mas ele morreu e seis meses depois a minha mãe morreu. Sou filho único, não foi fácil. Mas tive que recomeçar a minha vida a partir daí.”
 
RECORD
“Em 1963, entrei na Record em São Paulo. Tenho muito saudade, foi uma época maravilhosa. Era uma ótima emissora. Tive a chance de participar de um movimento e mudança muito grandes na comunicação. Estava lá quando surgiu a TV a cores, o videotape, o satélite. Vivi a história da televisão. Vi surgir Elis Regina, Agnaldo Rayol, Simonal


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