Diários de bicicleta

Envie para um(a) amigo(a) Imprimir Comentar A- A A+

Compartilhe:

Miriam Gimenes

Nunca a bicicleta esteve tão em pauta. Com o advento das ciclovias – já em voga no mundo, mas recente no Brasil – cada vez mais o número de adeptos tem crescido no País. Há aqueles que, no entanto, são apaixonados e já haviam percebido as vantagens do meio de transporte há anos. É o caso do jornalista Alexandre Costa Nascimento, 32 anos, autor do blog Ir e Vir de Bike (www.irevirdebike.com.br), que se aventurou em cruzar a África a bordo de sua ‘magrela’.

Da viagem nasceu o livro Mais que um Leão por Dia (Editora Nossa Cultura, 448 páginas, R$ 46,50, em média), que relata sua experiência ao lado de outros 50 ciclistas, no Tour d’Afrique, maior expedição anual do mundo e que atrai adeptos de todos os continentes. Ao todo, são 12 mil quilômetros pedalados e 11 países visitados (do Egito à África do Sul). “Durante pesquisa no Google, cai por acidente na empresa que organiza essa expedição. Isso mexeu comigo e coloquei como meu grande sonho”, lembra o jornalista, o primeiro brasileiro a participar da empreitada.

Para realizá-lo, se programou com seis meses de antecedência, deixou o emprego, buscou patrocinadores e caiu na estrada, no dia 11 de janeiro de 2013. “É o ‘Everest’ da bicicleta, o desafio máximo. Nele, 30% chegam ao cume e, no tour, 15% o concluem e ganham uma condecoração. Eu consegui. É competitivo, tem corrida, mas como já fui com a ideia de escrever o livro, não participei das provas.” Seu objetivo era aproveitar a expedição como experiência de vida e buscar histórias. Foi o que fez.

Alexandre enfrentou temperaturas de 0ºC a 43ºC – no mesmo dia –, tempestades de areia, desertos e dificuldades psicológicas, com bravura. “Chega a ser perturbador imaginar que tem uma obrigação de pedalar um continente inteiro. A minha receita foi encarar os desafios dividindo por pequenas tarefas.” Como o tour é guiado, todos os dias os participantes recebiam a planilha do que deveriam fazer e a cumpriam como quisessem. A única regra irrevogável era não pedalarem após o pôr do sol. Aqueles que ficavam para trás, chegavam aos acampamentos levados pelo caminhão, ‘que passa varrendo’.

O esforço foi grande, mas as vantagens do trajeto são infindáveis. “A viagem é intensa pessoalmente, mas marcante. A natureza da África é algo que me impressiona. Pedalar na estrada e esperar uma manada de elefantes atravessar, girafas, zebras, rinocerontes. Além de, é claro, o contato humano com a população. Paramos em uma vila no meio da Etiópia, tomamos café, ouvimos histórias. Uma baita experiência, troca cultural”, enumera o jornalista.

AVENTUREIROS

Não é qualquer um que pode se aventurar na empreitada. Ele, por exemplo, já tinha intimidade com a bicicleta e não é sedentário. Treinou 16 quilômetros por dia, indo e voltando do trabalho. Mas, embora seja um trajeto difícil, não falta aparato para ajudar os ciclistas. A equipe é grande: tem dois paramédicos, dois mecânicos, cozinheiros e motoristas dos carros de apoio, que levam a bagagem pesada, para possibilitar que possam pedalar com tranquilidade.

Segundo Alexandre, o tour, que durou 121 dias, custou R$ 55 mil (passagem, inscrição e equipamentos). “É uma viagem cara? É. Mas se você pegar um carro financiado vai ficar cinco anos pagando e quando terminar não vale R$ 25 mil. É uma questão de escolha. O que é prioridade? Poder viver”. Afinal, como disse Albert Einstein, “a vida é igual andar de bicicleta: para manter o equilíbrio é preciso se manter em movimento.” Se ficou tentado em se aventurar pela África, o site oficial é tourdafrique.com. 

Ciclista de Ribeirão pedala para buscar a cura de câncer

Richard da Silva, 43, está em contagem regressiva. No próximo dia 1º embarca naquela que tende a ser a maior aventura de sua vida. Ele, que mora em Ribeirão Pires, entregará a casa em que mora, alugada, para se aventurar, munido de algumas vestes e sua bicicleta, para uma viagem pelo Norte e Nordeste. “A ideia é começar no Sul da Bahia e subir via litoral sentido Belém.”

O rapaz, nascido em Santo André, foi diagnosticado com câncer no estômago em 2013, com metástase no fígado. Como a quimioterapia que faz é via oral, não vê problemas em seguir com sua programação. “Depois que comecei o tratamento em 2013, embalei a bike e fui de avião para o Sul. Cruzei Santa Catarina e voltei eufórico, com a sensação de estar vivo.” Desempregado, ele sobrevive com o auxílio que recebe do INSS e tem tido dificuldades financeiras. Vai deixar os móveis guardados e cair no mundo, literalmente.

Terá de voltar de tempos em tempos para fazer os exames periódicos e acompanhamento médico, mas diz que o tratamento tem surtido resultado. E, estar com o psicológico voltado para outro foco, também ajuda. Sente-se seguro para a empreitada e feliz em contemplar in loco a natureza. “A viagem de bicicleta permite que você interaja com o ambiente. Percebe detalhes que de carro não conseguiria”, diz.

Richard relata suas experiências no blog viajenacura.com e pretende aproveitar, ao máximo, a próxima aventura. “Se não tiver muito tempo de vida, vou colocar mais vida nos anos que me restam.”




Diário do Grande ABC. Copyright © 1991- 2024. Todos os direitos reservados