Segredos revelados?

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Raija Camargo

Está no imaginário social: as carreiras meteóricas de jogador de futebol para os meninos e de modelo para as meninas configuram arquétipos de ‘vencedores’ em sociedade permeada pelo consumo, pelo imediatismo e pelo efêmero. A beleza, o glamour e a riqueza ganham status de distinção social. Se Walcyr Carrasco, autor de Verdades Secretas, nova trama da faixa das 23h da Rede Globo, ambicionava por audiência e repercussão, acertou em cheio ao escolher o ambiente fashion para servir de cenário para sua obra ficcional. É com alturas vertiginosas e profundezas sombrias que o autor apresenta o mundo da moda. A história da new face Angel/Arlete, vivida pela atriz Camila Queiroz, flerta com a realidade quando coloca em pauta a possibilidade de existir em agências da vida real, como na ficcional Fanny Models, o chamado book rosa – jargão usado para designar um catálogo com meninas que fazem encontros sexuais.

Claro que a polêmica está deixando donos de agências de cabelos em pé. Afinal, em termos de mercado, o País é o protagonista no ranking das melhores modelos do mundo. Um dos desfiles mais disputados do circuito, o da Victoria’s Secret, tem em seu restrito elenco brasileiras como Alessandra Ambrosio, Adriana Lima, Izabel Goulart, Laís Ribeiro, Carol Trentini e Gisele Bündchen. Do interior de São Paulo, Arlete, a estrela de Verdades Secretas, chega em São Paulo com a mãe e ganha a missão de salvar a avó, que está com dificuldade financeira. É quando começa a trabalhar na agência de Fanny (Marieta Severo). Na trama, ela acaba sendo apresentada à possibilidade do book rosa para ganhar mais do que as meninas que não aceitam esta condição.

Em Verdades Secretas, o booker Visky (Rainer Cadete), profissional responsável por cuidar da carreira das modelos, é peça essencial. O publicitário Renato Fontes, 29, booker da Mega Models Brasil por sete anos e que participou de quatro edições do Garota Fantástica – concurso promovido pela agência e pela Rede Globo – defende que no quesito book rosa, pelo menos, a trama não faz jus à realidade. “Acho que a novela fará barulho, como qualquer outra obra de ficção. O que pode denegrir a imagem das agências, na verdade, são os ‘aspirantes’ na profissão ao emitirem opiniões de algo que nunca vivenciaram e que só reproduzem de tanto que scutam nos cantinhos de fofocas dos backstages da vida.” Renato Fontes relembra que cruzava a cidade todos os dias para lecionar inglês às suas modelos e diz que Verdades Secretas poderia ter ido mais para o lado do esforço dos profissionais que trabalham nos bastidores da moda. “Seria boa uma história de um booker que se dedica a ensinar gratuitamente modelos para que evoluam e conquistem suas carreiras.”
 
 
Outra ex-booker, Bruna Brianti, 26, parou de trabalhar no mundo fashion após decepções com as pessoas do meio que, segundo ela, faziam qualquer coisa para atingir suas metas. Por outro lado, a profissional garante que nunca soube de casos de book rosa. “Sempre foi um tema comentado, porém nunca conheci ninguém que fizesse”, conta a profissional, que acredita que prostituição pode existir em qualquer trabalho ou esquina. “Muitas vezes as prostitutas se intitulam modelos, o que sugestiona a imagem de que modelo faz programa. Da mesma forma, podem existir muitos atores famosos que fizeram o tal ‘teste do sofá’, por exemplo”, compara a booker.
 
Todas as agências entrevistadas pela equipe de reportagem da Dia-a-Dia negaram a existência do book rosa. Também conversamos com algumas modelos que pediram a privacidade de seus nomes. Elas afirmam a existência de facilitadores, não necessariamente de programas, organizados pelas agências. “Quando você chega em São Paulo, só vai nas melhores festas. É lá que as modelos são convidadas pelos empresários para irem para Ibiza e St. Troppez. Eles pagam tudo, mas são elas que decidem com quem se relacionar”, conta a veterana Mariana Almeida*, que vive em Nova York.
 
OUTRAS VERDADES
 
Outro assunto a ser abordado na trama nos próximos capítulos é o vício em drogas. A personagem de Grazi Massafera, Larissa, faz o book rosa e para aguentar a ‘pressão’ também vai se tornar usuária de crack. “É a chance de me reinventar Gosto de me colocar em situações de risco. Isso está mais perto do que a gente imagina”, declarou Grazi sobre a chance de viver Larissa. A exigência pelos padrões de magreza também faz parte dos bastidores obscuros do mundo da moda. Embora o tema não esteja previsto para aparecer nos próximos capítulos da novela de Walcyr Carrasco, não quer dizer que não faça parte da rotina das modelos. Pelo contrário.
Isabela Lacerda* contou para a Dia-a-Dia que parou de trabalhar quando a agência pediu que ela emagrecesse mais. Na época, ela pesava 45 kg distribuídos no seu 1,73 m. “Morei com uma modelo que passava o dia inteiro com uma garrafa de refrigerante zero e um maço de cigarro. O refrigerante era para dar a sensação desaciedade e o cigarro para matar a fome. Ela tragava um ou dois cigarros seguidos um do outro. Outra garota comia normalmente, mas se levantava da mesa e ia até o banheiro para vomitar”, conta a gaúcha Roberta Konrath, que fez questão de revelar seu nome para a reportagem. Ela acredita que sua história deve ser contada para fazer com que as pessoas que acham a moda um ambiente sedutor caiam na real.
A jovem, que tem 26 anos, relembra história traumática vivenciada em famosa agência de Milão. Com 17 anos, Roberta foi convidada para fazer catálogo para a renomada Dolce&Gabanna. Ela tinha exatos 25 euros no bolso, pois a agência havia prometido um motorista ao fim da sessão de fotos. No trajeto de ida, ela levou um susto ao saber que teria de pagar o táxi. Ali se foram seus 25 euros. Ligou para seu booker, que garantiu um motorista. Chegou o fim do dia e nada. “O problema é que não tinha sequer o dinheiro para a passagem de Metrô. De repente me dei conta que teria de pedir dinheiro para alguém na rua. Nunca havia pedido dinheiro na vida, mas vi uma senhora passando e pedi. Foi a situação mais humilhante que já passei e aconteceu no começo da minha carreira. Até hoje não sei por que continuei”, relembra a modelo. “Aquilo era uma grande contradição. Eu tinha acabado de fotografar para uma marca tão nobre e não tinha uma maldita moeda para pegar o metrô.”
 
Déjà-Vu
 
Uma aspirante a modelo com nome Angel pode soar familiar para quem assistiu, em 1993, a Sex Appeal, novela de Antônio Calmon protagonizada por Luana Piovani sobre os bastidores de uma agência de modelos.


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