Cazuza vive!

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Miriam Gimenes

Um quarto de século se foi desde que Agenor de Miranda Araújo Neto, Caju para os íntimos, fechou os olhos pela última vez. Dono de uma ‘vida louca, vida’, ela acabou por imitar o verso e tornou-se breve. Cazuza morreu aos 32 anos, vítima de complicações ocasionadas pelo vírus HIV, o seu maior e implacável algoz. Ainda que o tenha vencido em vida, a doença jamais conseguiu silenciar o sua voz e desmentir as lindas poesias, que nunca estiveram tão atuais (veja abaixo trecho de entrevista do cantor à Revista Interview n. 12, de 1988). Basta ouvir com atenção a música Brasil para constatar. “Brasil, mostra tua cara, quero ver quem paga para a gente ficar assim.” O tempo – e seu legado – não pára: até o fim do ano a Sony lançará um CD com músicas inéditas de Cazuza – ele deixou 65 delas. A seleção está sendo feita pela mãe, Lucinha Araújo, e Paula Lavigne.

Valério Damásio de Araújo, 38, que atende pelo codinome Valério Cazuza, é um dos covers mais conhecidos do poeta. E não é só na fisionomia que se assemelham: basta trocar algumas palavras com ele para ter a impressão de estar conversando com Cazuza. O cantor nunca havia notado a semelhança, até amigos o alertarem. “Tinha uma pizzaria com karaokê e me falaram que eu cantava igual a ele”, lembra. Deixou de lado a carreira de enfermeiro e investiu na música há dez anos. Participou três vezes do Domingão do Faustão na pele do cantor.

O cover ressalta o perfil revolucionário do ídolo. “Cazuza sabia falar sobre as revoltas da população que existiam naquela época e são iguais agora. Você ouve Ideologia, Brasil, e tudo continua muito atual.” Ele também destaca o seu romantismo. “Era um especialista em falar de amor, ao melhor estilo ‘faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço’. Olha cada coisa linda que ele deixou escrita em música”, ressalta. De tão bonitas, elas viraram até tatuagens. A vendedora Mônica Paiva, 30, escreveu no braço direito ‘todo amor que houver nessa vida’. A amiga, Michelle Werlich, tem as mesmas inscrições e o rosto do ídolo e da mãe dele, Lucinha, nas costas. A paixão é tão grande que juntas – com mais uma amiga que mora no Rio, Mila – fundaram o fã-clube Volta Cazuza, em 2014, que já tem mais de mil adeptos. “Aos 14 anos, trabalhava em ONG que cuidava de crianças com HIV e soube mais sobre ele. A paixão foi avassaladora”, lembra Mônica.

Para a fã, que tinha 5 anos quando ele morreu, Cazuza era gênio. “As pessoas acham que sou louca, por não ter convivido com ele e amá-lo, mas acho que é coisa de outras vidas”, justifica. As reuniões feitas pelo fã-clube – como a que será realizada hoje para ‘amenizar a dor da morte dele’ – são beneficentes e arrecadam donativos para a Sociedade Viva Cazuza, gerenciada por Lucinha e que atende crianças portadoras da aids. Esta, inclusive, foi a forma que a mãe encontrou de lutar contra a doença que levou seu filho, todos os dias. Em entrevista que concedeu para mim em 2011, disse acreditar em vida após a morte. “Vou muito ao cemitério e converso com ele. Sei que não está ali, mas para mim é uma referência. Se tem outra vida, ele não voltou ainda, porque eu o chamo à beça.” E confessou que não mudaria em nada a criação que deu a Cazuza. “Sempre fui exigente com ele, mas, ao mesmo tempo, passava a mão na cabeça. Não me arrependo, faria tudo igual. Acho até que mimei pouco, deveria ter mimado mais se eu soubesse que ele duraria tão pouco.”

FRASE
"Os problemas do Brasil parecem ser os mesmos desde o descobrimento. A renda concentrada, a maioria da população sem acesso a nada. A classe média paga o ônus de morar num País miserável. Coisas que, parece, vão continuar sempre. Nós teríamos saída, pois nossa estrutura industrial até permitiria. O problema do Brasil é a classe dominante, mais nada. Os políticos são desonestos. A mentalidade do brasileiro é individualista: adora levar vantagem.” 




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