Jardim do Éden

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Miriam Gimenes

Lucas em um dos jogos que disputou com a camisa da Seleção Brasileira Foto: Vippcomm/Divulgação

Poucos são os jogadores que arrancam gritos e aplausos de quase 70 mil torcedores na despedida do seu time do coração. Ainda mais quando está tirando a camisa que o lançou profissionalmente para construir uma sonhada carreira internacional. Lucas Moura, 22, conseguiu essa proeza. Protagonista de uma das mais caras transações no futebol – foi vendido por R$ 108 milhões, no fim de 2012, para o Paris Saint-Germain –, o meia ganhou homenagem que, com certeza, deixou muito craque com uma pontinha de inveja. E não foi só isso: além de receber a faixa de capitão do ídolo-mor Rogério Ceni, ganhou música que o nomeou como a Joia do Morumbi. Prova de que, ao longo de sete anos, ele soube cultivar seu Éden particular no gramado do Cícero Pompeu de Toledo.

Mas a vida de um jogador de futebol não é feita só de gramas verdes. Ao mesmo tempo em que Lucas saiu do País com ares de celebridade, seu maior sonho não foi concretizado: disputar o Mundial da Fifa no Brasil. Mesmo tendo participado do elenco vitorioso da Copa das Confederações, no ano passado, ele ficou na lista de espera de Felipão – em meio a outros 22 nomes – e viu a chance de tocar a taça adiada. No dia da convocação, em maio, Lucas estava na concentração para um jogo do clube francês e esperou as ligações. Só recebeu mensagens de conforto. “Chorei”, confessa. Mas levantou, sacudiu as chuteiras e deu a volta por cima. “Não desanimei, não baixei minha cabeça. Continuei trabalhando. Tudo tem sua hora e talvez essa não fosse a minha. Tenho de ser profissional. Sou jovem, com muito tempo pela frente, muitas Copas para disputar.”

Jorge Rodrigues, pai do jogador, que sempre acompanhou de perto a carreira do filho, admite que a família ficou frustrada. “Desde pequeno ele falava: ‘Pai, quero vestir a camisa do meu País, quero honrar a camisa’”, lembra. Mas reconhece a dificuldade de um treinador em escolher, entre 100 nomes, os 23 que terão o privilégio de lutar pelo título. E diz mais: o filho não apresentou o rendimento que deveria. “O Lucas passou por altos e baixos. A gente tem que ter autocrítica também. Para estar na Seleção, você tem de ser sempre AAA.” E com a experiência de quem já jogou futebol no Interior, Rodrigues ensinou o rebento a estar sempre preparado para o que der e vier. Parece que Lucas aprendeu a lição.

O histórico mostra que o jogador perdeu espaço na Seleção. Durante o período que jogou sob a batuta de Mano Menezes, participou de 22 partidas, entrou como titular em sete e fez três gols. Depois que Luiz Felipe Scolari assumiu o time, foi convocado nove vezes, entrou em campo uma vez e marcou um gol. Já no Paris Saint-Germain, embora tenha feito boa estreia, passou por dificuldades e chegou a receber críticas do ex-técnico francês e comentarista Guy Roux, que declarou em rede nacional que ele não sabe jogar futebol. “Inferno (para o jogador) é quando nada dá certo; entra no jogo e vai mal, sai vaiado; a imprensa critica. Dá aquela decepção”, diz Lucas, que viu sua imagem, chorando, na final da Olimpíada de 2012, transformada em símbolo da derrota para o México, quando o Brasil teve de se contentar com a medalha de prata.

Embora sua definição de paraíso seja estar na Seleção “no auge, com um jogo perfeito, gols e conquista de títulos”, ele ainda é muito jovem para viver tudo isso. E assim como pega a bola para vencer os obstáculos até o campo do adversário, tem jogo de cintura – e de dribles – para conquistar de vez não só a torcida francesa, a exemplo do que fez com os são-paulinos, mas uma possível vaga na Copa de 2018. Para quem já conheceu os jardins do Éden e nos contou, o sol continua a brilhar, apesar de não ter havido uma convocação. Não é hora de chorar.

MARCELINHO CARIOCA?
Lucas começou a jogar na escolinha do ex-jogador Marcelinho Carioca, em Diadema – o que lhe rendeu por muito tempo o apelido de Marcelinho –, e também treinou no Serc (Sociedade Recreativa, Esportiva e Cultural) Santa Maria, em São Caetano. Foi para a categoria de base do Corinthians e, aos 13 anos, iniciou carreira histórica no São Paulo. Quando o venderam para o Paris Saint-Germain – foi o segundo jogador brasileiro mais caro, atrás apenas de Ronaldinho Gaúcho –, teve de aprender a lidar não só com o idioma como também com o cotidiano parisiense e costumes jamais experimentados antes.

Levou na bagagem roupas, chuteiras, a mãe e o padrasto. Arrependimentos? “Está sendo uma experiência maravilhosa morar em Paris. A gente cresce bastante. Ninguém sabe como eu estaria aqui se continuasse no São Paulo. No ano passado, ele (clube) estava brigando para não cair (no Campeonato Brasileiro). Um só jogador não faz diferença, não salva o time”, pondera.

Toda vez que vem para São Paulo, no entanto, Lucas faz questão de visitar os amigos são-paulinos, porque é lá onde se sente bem. “É minha segunda casa. Sempre que estou no Brasil, vou visitá-los. Todo mundo sabe que o São Paulo estará sempre no meu coração. Foi o clube que me projetou para o futebol. Vou estar sempre torcendo, acompanhando. Quero voltar um dia, mas não agora. Acabei de chegar à Europa. Quero fazer minha carreira lá”, diz Lucas, estimando que, no máximo em uma década, poderá voltar aos braços da torcida tricolor.
O jogador, que depois da Copa deverá ter como companheiro de time o diademense David Luiz, ex-Chelsea, além de já jogar com o capitão Thiago Silva, diz que gosta de curtir a família em casa, assistir a um filme, comer pipoca, ir a restaurantes e – pasmem! – passear pela Disney francesa. “Sou molecão, gosto de parque de diversões”.
O camisa 29 do Paris Saint-Germain revela ainda que sempre foi bem tratado pelos franceses e nunca passou por uma situação de racismo, como a protagonizada em abril por Daniel Alves. “O mundo não tem mais espaço para o racismo. Acho que isso é ridículo, desumano, temos de combater, e o futebol nos dá essa visibilidade. Apoiei totalmente a atitude do Daniel Alves e as pessoas têm de se conscientizar em casa, nas escolas, de que todo mundo é igual.”

 



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