Vigiar e Punir

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Raija Camargo

 A obra mais popular do pensador francês Michel Foucault nunca foi tão atual. Em Vigiar e Punir, o filósofo analisa o sistema penal adotado pelos poderes jurídicos ao longo dos séculos. “Não se pretende apagar o crime, mas sim evitar que ele recomece. Pune-se para transformar o culpado”, diz o autor. A proposta de emenda à Constituição que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos provoca a discussão: até que ponto a medida vai diminuir a criminalidade? Apesar de muitas discordâncias ideológicas entre os grupos que são contra a redução e os que são a favor, há um ponto em comum: a busca pela diminuição da violência. A PEC foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça,  por 42 votos a favor e 17 contra, em 31 de março, mas  tramitará por comissão especial e só depois de ser votada duas vezes no plenário da Câmara e de passar pelo Senado – também em dois turnos – é que poderá virar emenda. Além disso, pode ser questionada no STF (Supremo Tribunal Federal). 

 
“A lei responsabiliza a pessoa com ciência de que o ato que está cometendo é criminoso. Quem é contra a redução da maioridade penal foge do tema nos debates e aborda a questão da falta de estrutura dos presídios. A discussão central deve ser se quem possui 16 anos, ou até menos, já tem ciência dos seus atos”, analisa o especialista em segurança pública e privada Jorge Lordello, que é a favor da redução. Em contraponto, o fundador da Comissão da Criança e do Adolescente do conselho federal da OAB, Ariel de Castro Alves, acredita que enviar adolescentes ao modelo carcerário tradicional só vai piorar a violência. “A redução da maioridade aumenta a criminalidade. Tira-se os jovens de um sistema, no qual são atendidos por profissionais capacitados em lidar com a infância e juventude, para colocá-los em sistema penitenciário falido, onde serão envolvidos por facções cri­minosas.” Segundo ele, a reincidência nas cadeias chega a 70%. “A cada dez que são soltos, sete cometem novos crimes. Enquanto no sistema de internação de adolescentes o índice é de 14%, segundo divulgou a Fundação Casa. É como se estivessem condenando os adolescentes a estarem inseridos na crimina­lidade por não terem mais acesso a um atendimento especializado”, analisa.
 
Hoje, quando um adolescente comete um crime ou uma contravenção penal no Brasil, o jurídico não trata tal infração como crime, mas como ato infracional. Por isso, ele não é submetido ao mesmo procedimento investigativo e repressivo que o destinado aos adultos. Embora os mecanismos não sejam iguais, os jovens são responsabilizados pelo Estado em le­gislação especial, pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e pela Lei do Sinase (Sistema Nacional de Atendimento So­cio­edu­ca­ti­vo).  “Quan­do se fala em pro­­cesso de responsabilização de adolescentes, não está a se falar em ‘passar a mão na cabeça’, mas em responsabilizá-lo considerando a gravidade do ato praticado. Faz-se análise do sistema e ambiente que leva em consideração seu estado peculiar de pessoa em desenvolvimento, afastando-a da promiscuidade na permanência junto aos adultos, bem como estimulando-o a se reintegrar na sociedade. Trata-se não de punir menos, mas em se punir me­lhor”, diz o defensor público do Estado de São Paulo com atuação em Santo André, Giancarlo Vay.
Quando um adolescente é con­denado, o juiz pode aplicar seis me­didas socioeducativas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. Elas po­dem ser acumuladas ou não com medidas protetivas de orientação. Das seis medidas possíveis, com exceção da obrigação de reparar o dano, todas encontram similaridade com o sistema penal dos adultos, sendo que a eles a advertência é uma das penas aplicadas ao condenado por porte de entorpecente para consumo pessoal, por exemplo, e a internação seria a reclusão em regime fechado. As singularidades dos processos de adolescentes é que correm em segredo de Justiça. É proibida a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que di­gam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional e qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificá-lo. Além disso, os nomes dos atos judiciais recebem denominações dife­rentes dos relacionados aos processos dos adultos: quando se tem prisão para os adultos, tem-se apreensão para os menores; denúncia, representação; reclusão, internação; penitenciária, unidade de internação. “Trata-se de processo com similaridade ao  criminal, mas com peculiaridades que visam evitar a reincidência. Feliz­mente, al­guns órgãos têm realizado pesquisas que comprovam a eficácia do sistema, embora, como seria de se esperar por questões múltiplas, não se alcança pretensa ‘erradicação’ do cometimento de infrações”, diz o de­fensor público.
“Caso um adulto condenado por roubo tenha bons antecedentes e a conduta e as consequências do ato praticado não tiverem grande repercussão, sua pena será de quatro anos de reclusão em regime aberto. Ao adolescente, por outro lado, mesmo com tais condições favoráveis, o ECA permite, em tese, a aplicação da medida de internação (em regime fechado) por até três anos. Da mesma forma, tomando por exemplo o crime de homicídio ou o estupro, hediondo, um adulto em condições favoráveis será condenado a pena de seis anos de reclusão em regime semiaberto, ao adolescente caberá de imediato a internação. A um adulto condenado por extorsão mediante se­questro, que tenha condições favoráveis, em que a pena mínima seria de oito anos em regime fechado, sua progressão de regime para o semiaberto se daria após o cumprimento de pouco mais de três anos, período esse em que o adolescente pode ficar sujeito à internação, podendo ter, depois, sua medida substituída por outra, prosseguindo-se a execução da condenação”, complementa Vay.
 
O SISTEMA
A responsabilidade pela execução das medidas de internação e de semiliberdade fica a cargo do Esta


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