Self-made man

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Miriam Gimenes

 Sydney Chaplin era um apaixonado pelo mundo artístico. Desde criança, carregava consigo o irmão mais novo, Charles Spencer Chaplin, para fazer apresentações pelas ruas. Embora não tenha conseguido o estrelato como ator, o fez com o caçula, com quem dividiu os bons e maus momentos da vida. “Vivíamos num quarto miserável. Na maioria das vezes não tínhamos nada o que comer. Charles e eu não tínhamos sapatos. Ainda me lembro de como nossa mãe descalçava os seus para dar a um de nós. Ia então buscar uma sopa dos pobres e trazia assim a nossa última refeição do dia”, disse o primogênito, que morreu em 1965, na França, aos 80 anos. Coincidência ou não, foi neste mesmo ano que nasceu aquele que irá interpretá-lo, a partir do dia 14, nos palcos do Theatro Net, em São Paulo: o ator Marcello Antony. Ele dividirá o protagonismo com Jarbas Homem de Mello, que fará o Carlitos em Chaplin, o Musical. 

Bastou um telefonema de Claudia Raia, produtora do musical ­– a versão brasileira é de Miguel Falabella ­–, para que Antony aceitasse o convite. Ela e Jarbas acharam que ele tinha o physic du rôle ideal para o papel e o ator está gratíssimo com a escolha, até porque acha ótimo mostrar a importância de Sydney para o sucesso de Chaplin. “A maioria das pessoas não sabe da existência dele. Mas o cara que foi pé no chão, foi o alicerce para o Charles poder alçar o voo artístico, tanto é que se transformou no agente dele. Ele era muito ligado no irmão, tinha adoração, uma coisa de pai. Se não existisse o Sidney não existiria o Chaplin.” Marcello relembra que à época  em que Charles se envolveu em escândalos com mulheres menores de idade e se aproximou do comunismo – razão de sua extradição dos Estados Unidos – o irmão foi essencial. 

E houve algum ‘Sydney’ em sua vida? “Não. Eu fui meu próprio Sydney.” Como gostam de dizer os norte-americanos, Marcello é um exemplar legítimo do self-made man. Fez seu caminho. Se encontrou na profissão depois de desfilar por outras – cursou Comunicação, pensou em ser astrólogo, arriscou-se como garçom – e, depois de muito esforço, o resultado apareceu. “Engraçado, mas quando fui para trabalhar de garçom as coisas começaram a acontecer. Se a gente ficar parado elas não acontecem. Lembro que era uma época difícil, tentei várias coisas, não me achava. Até o momento em que fiz um curso de teatro. Não larguei mais.” 
O ator, então, entrou para um grupo de teatro. Depois de cinco anos, foi deixar seu currículo na Rede Globo. “Desse currículo me chamaram, tempos depois, para fazer um teste. Neste meio-tempo fui ser garçom em um bar do Miguel Falabella. Ele era dono do Teatro dos Quatro, abriu um restaurante com a intenção de os garçons servirem e atuarem. Só que quando abriu não teve muito essa onda de atuar porque tinha de ralar, servir. Fiquei lá por dois meses”, lembra. Recebeu então o convite para fazer teste para uma minissérie da Globo e não passou. Mas rendeu: começou a fazer parte da oficina de atores da emissora. 
Participou de teste, desta vez, para a novela Irmãos Coragem. “Eram só cangaceiros. Na época estava um garotinho, cara de criança, não dava para fazer. Mas valeu porque Luiz Fernando Carvalho (diretor da emissora) quis me conhecer.” Dois anos de pausa. Marcello recebeu a informação de que o diretor faria uma novela de Benedito Ruy Barbosa que teria na história imigrantes italianos. Era a sua chance. Descobriu o dia que Luiz estaria lá e fez plantão. “Fiquei em uma salinha umas cinco horas e meia, nervoso. Sabia que ia passar. Só que ele deu dois passos e já estava lá na frente, quando o chamei.” O diretor disse para que Antony falasse com sua secretária e, dias depois, fez um teste. Saiu de lá sem muita esperança de conquistar o papel. 
Em seguida foi fazer um comercial no deserto da Tunísia – ‘aqueles que você ganha R$ 100 um mês depois’ –, sua primeira viagem internacional e eis que recebe a notícia por fax: a Globo o estava procurando para dois possíveis papéis. “ Alí começou minha história, caiu minha ficha. A bola estava no meu pé, se ele (Luiz) queria para dois eu ia fazer ou um ou outro.” Marcello Antony estreou na telinha como Bruno Berdinazzi, de O Rei do Gado (1996), que está sendo reprisada agora no Vale a Pena ver De Novo e é sucesso de audiência. 
 
PONTO DE VISTA
E lá se foram quase duas décadas. O que mudou daquele Marcello para o de hoje? “Dentro nada. Mas fora muda muito, porque sinto que as coisas mudam mais das pessoas para mim do que eu para as pessoas”, analisa. Ao se tornar público, o ator diz que o olham de outra maneira, tratam diferente, até mesmo os parentes. “Mas tenho uma seleção natural. Vejo, hoje em dia, facilmente, quem chega perto de mim com o coração aberto ou com o coração fake. Quase clarividente.” 
Marcello, que nasceu no Méier, na Zona Norte do Rio de Janeiro, não se vê fazendo outra coisa. Os pais, segundo ele, ‘nem apoiaram nem não apoiaram’ sua opção. “Deixaram rolar. Estavam na torcida como todo pai e mãe para que os filhos se acertem na vida.” E isso, para ele, está cada vez mais difícil hoje em dia, até porque, no Brasil, há quem consiga um cargo por indicação e não por competência. “Não é pelo seu trabalho, qualidade. Tem de ter amizade para passar. Esses valores estão muito quebrados. Eu, como artista, apesar das dificuldades, acho prazeroso passar por esse processo criativo, de conhecimento. É o que faz a gente estar aí, na luta.” 
Mesmo com as intempéries que apareceram ao longo da trajetória procurou dar a volta por cima. “Sempre quando algo me levava para baixo, tinha sempre a certeza de que se estava lá embaixo é porque depois iria estar lá em cima.” E, para se blindar em todos os sentidos – inclusive da exposição que a profissão tem –, adotou postura reservada. “Sou muito caseiro, não saio, não tenho Facebook, não tenho Instagram, não tenho Twitter, nada disso. Não entro mais onde não me interessa. Ver comentário não me interessa. Mesmo sabendo que a internet é o portal dos covardes, que atacam todo mundo a todo instante, nunca ninguém chegou para falar qualquer coisa (de mim), são só coisas boas.” Para ele, o universo on-line é muito cruel e não condiz com sua realidade. 
Hoje, segundo Antony, a felicidade das pessoas depende muito da aprovação do outro. “É o que acontece nessa febre que tem das selfies. A necessidade


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