Uma nova Vera Cruz. Vai dar certo?

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Miriam Gimenes <br> Do Diário do Grande ABC

São Bernardo pretendia retomar hoje a trajetória de seu histórico estúdio cinematográfico, a Vera Cruz, fechado há 61 anos no Jardim do Mar, em 1954. O entusiasmo era tão grande que a Prefeitura utilizou a mais recente edição do Guia da Cidade para celebrar o feito. Mas na última hora, a festa teve de ser cancelada.

Estava marcada para esta noite a assinatura do contrato de concessão dos estúdios são-bernardenses para a empresa paulistana Telem S.A. (Técnicas Eletro Mecânicas), que venceu licitação pública aberta em setembro para explorar a Vera Cruz por 30 anos.

No período de vigência do contrato, a Telem, que atua no segmento de técnica de áudio, vídeo e cinema, deverá investir R$ 158 milhões na recuperação da história e do patrimônio do Vera Cruz, com a reativação dos estúdios e a manutenção do CAV (Centro de Audiovisual). O centro cultural – com teatro de 800 lugares e cinema com 100, além de memorial, restaurante e incubadora de empresas do setor audiovisual – também deverá ser revitalizado.

A Prefeitura de São Bernardo afirmou que a solenidade de assinatura do contrato foi adiada por problemas de agenda e não forneceu novo prazo. A Telem confirmou a informação e adiantou que pode ser marcada nova data em junho.

HISTÓRIA
Cinquenta anos em cinco. O slogan do Plano de Metas de governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), marcado pelo desenvolvimentismo, cairia como luva para definir a atuação da Companhia Vera Cruz (1949-1954) na história do cinema nacional. Por problemas financeiros, a Hollywood dos Trópicos – que no curto espaço de tempo produziu 18 filmes e ganhou prêmios nacionais e internacionais – faliu e deixou saudade nos amantes da sétima arte.

Nos últimos 61 anos, a Prefeitura fez inúmeras promessas de reativação do complexo, mas nenhuma delas deixou o papel. O adiamento da tentativa mais recente mantém a desconfiança no ar.

A população segue assistindo à novela da saudosa Cinecittà, sonho grandioso e fugaz dos empresários e amigos italianos Francisco Matarazzo Sobrinho (1898-1977) e Franco Zampari (1898-1966). Desde o início da década de 1990, inúmeras foram as vezes em que o Diário noticiou o retorno de suas produções, o que nunca se concretizou.

CAPÍTULOS
Em 1996, foram feitas reuniões para acertar os detalhes do Projeto Nova Vera Cruz. Dois anos depois, o então prefeito Mauricio Soares acertou detalhes do edital. Seu secretário de Cultura e Educação, Admir Ferro, declarou à época: “Tantas vezes apareceram projetos envolvendo aquele espaço que as pessoas duvidam que vá acontecer alguma coisa. Acho que também não acreditaria se não fosse o convênio que a Prefeitura de São Bernardo assinou com a Secretaria do Estado da Cultura e com a Fundação Padre Anchieta. Essa junção de forças tornou possível a retomada da Vera Cruz.” A ideia era revitalizar os estúdios, fazer sala de cinema, museu, restaurante, loja, entre outras coisas.

O agora ex-secretário diz que o projeto não vingou porque a administração não conseguiu apoio da iniciativa privada. “A Prefeitura iria entrar com o prédio, o Estado com R$ 5 milhões e a Fundação com a parte técnica. Mas o resto do dinheiro, que era em torno de R$ 30 milhões, deveria ser arrecadado através da Lei Rouanet. Infelizmente, a gente não conseguiu.”

O convênio foi encerrado em abril de 2003. Admir disse que além da falta de recursos financeiros, havia muita gente contra o projeto. “Diziam que hoje não se usa mais estúdios daquele tamanho. A ‘política do contra’ talvez tenha atrapalhado”, justifica.

O artista plástico Pierino Massenzi (1925-2009) era um dos que não gostavam do projeto. Ele, que foi cenógrafo e diretor de arte da Vera Cruz, primava pelo caráter educacional da reativação da Companhia. “O sonho do meu avô era que ali fosse feita uma escola, que seria aproveitada para formação de cineastas, artistas. Assim se manteria o objetivo inicial. Os projetos fugiam da história, não mantinham o cerne”, diz Simone Massenzi Savordelli, neta de Pierino e uma das cuidadoras de seu acervo.

Simone reconhece que a proposta atual se aproxima do sonho de Massenzi, mas se mantém cética. “Quando meu avô faleceu, o prefeito (Luiz Marinho-PT) declarou que faria fundação para ajudar na viabilização. No início fizemos reuniões, mas há algum tempo já não temos mais notícia.”

Antonio Andrade, professor pesquisador da Cátedra Unesco/Metodista de Comunicação, tem a mesma impressão. “Toda vez que troca governo isso é de praxe e até hoje nada foi feito”, lembra. Segundo ele, a ideia de reabrir a produção cinematográfica é ‘enorme bobagem’. “A Vera Cruz teve sentido naquele momento, no fim dos anos 1940, época em que o cinema era outra coisa. E já lá aquele tipo de cinema (fechado em estúdio, alto investimento) estava no fim do caminho. Hoje existem dezenas de produtoras com equipamentos de última geração em São Paulo. A concorrência é muito grande.”


 




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