Das cinzas

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Raija Camargo

Seria um erro dizer que Rafael Ilha ficou afastado da mídia nas últimas décadas. Não ficou. Mas migrou das páginas de entretenimento, das quais era figurinha carimbada no auge da banda Polegar, no fim dos anos 1980, para as páginas policiais, em que foi protagonista de casos como a famosa ingestão de pilhas, tentativas de suicídio e problemas com a polícia. “Cometi furtos e trabalhei no tráfico de drogas para sustentar meu vício. Ou o dependente de crack morre ou fica com sérias sequelas cerebrais. Eu tenho uma hepatite C devido à utilização de droga injetável. Para quem já morou na rua, saí bem de tudo”, diz Rafael com exclusividade à Dia-a-Dia antes de estrear o Demorou, que apresenta ao lado da mulher, Aline Kezh. Trata-se de programa de variedades que vai ao ar na internet, no Vai TV! (www.vaitv.com.br).

Além do programa, a história de Rafael será documentada em biografia escrita pela jornalista Sônia Abrão, a quem ele conhece há quase 30 anos e considera como uma ‘mãe’. As Pedras do Meu Caminho (editora Grupo Editorial Escrituras) faz alusão às pedras de crack que quase acabaram com a vida do ex-Polegar, como o episódio em que ele foi indiciado com a mulher por tráfico internacional de armas em 2014 (o caso ainda não foi julgado, mas Rafael e a mulher chegaram a ser presos em 2014 em Foz do Iguaçu por oito dias e foram soltos após fiança de R$ 55 mil; a acusação foi de tentar entrar no Brasil com arma calibre 12,5 e munições). “Reabrir velhas feridas de quem teve uma vida tão dramática é delicado. Tinha noite em que ele saía esgotado das nossas conversas e eu arrasada, porque havíamos revivido situações de muito sofrimento que, sinceramente, até agora não sei como o Rafa sobreviveu a elas”, conta Sônia Abrão. A jornalista será madrinha de Laura, segunda filha de Rafael, que chega em maio, mesmo mês do lançamento do livro. “Acho que o público vai se surpreender. Todo mundo acha que conhece a vida do Rafael, mas tudo o que foi noticiado nesses anos todos é só a ponta do iceberg”, adianta. Confira entrevista com Rafael Ilha, que dos 42 anos de vida esteve por mais de três décadas sob os holofotes da mídia.

DDR – Sua infância foi roubada de alguma maneira?
RAFAEL ILHA – Minha infância não, mas minha adolescência sim, devido ao trabalho. Estava conversando esses dias com um amigo que disse: ‘Nossa, acho que deve ser ótimo ser famoso’. Mas não! A gente curte muito pouco. Tinha uns namorinhos e tal, mas passava três meses longe de casa e eu sou muito caseiro, família, então não gostava disso. Comecei a trabalhar na televisão aos 9 anos e, aos 12, fui chamado para o Polegar. Foi um desejo meu. Um dia assisti a um comercial e achei que faria melhor do que o menino escolhido. Foi quando procurei por uma agência em São Caetano. Minha mãe tirou foto minha e eu fui levar sozinho. O Rodrigo Faro era da mesma agência. Jogava futebol no São Paulo também. Queria ser jogador ou artista. Me formei com 11 anos no curso de teatro Célia Helena. Comecei a ganhar dinheiro. Pagava minha própria escola e ajudava nas despesas de casa. O Polegar era uma febre. Vendemos milhões de discos e, apesar de tudo, foi bacana. Agora vamos gravar um DVD comemorativo. Definitivamente, este é um ano importante para minha colheita.

DDR – Quando as drogas apareceram?
ILHA – Tem gente que acha que o meio artístico leva às drogas, mas não foi o que aconteceu comigo. Usei pela primeira vez aos 12 anos. Quando estava no Polegar experimentei cocaína. Foi por causa de ex-namorada mais velha, que me apresentou. Comecei a usar e deram o xeque-mate. Falaram: ‘Ou fica com as drogas ou com o Polegar’. Escolhi as drogas (Rafael saiu do Polegar em 1991, três anos depois do início da banda).

DDR – Qual foi sua maior perda?
ILHA – A maior perda foi a de tempo. Se o usuário não tiver sequelas sérias, é possível se restabelecer. Mas o tempo perdido, esse não volta. Sou um sobrevivente: tive nove overdoses, parada cardíaca, uma crise de depressão no fim de 2009. Fiquei um ano e três meses assim. Cheguei no limite, não aguentava mais. Ou me matava ou parava. E já não era mais a doença que tinha se tornado um sofrimento. Morria de vergonha, pensava na minha família. A verdade é que já não tinha mais para onde descer naquele buraco. Meu último tratamento foi em 2000, quando entrei em clínica evangélica, desde então não uso drogas. Quando alguém pergunta se estou me drogando, respondo que não tem como não saber, é impossível usar o crack socialmente.

DDR – Como você chegou ao crack?
ILHA – Comecei fumando maconha e depois conheci a cocaína. O problema é que um, dois, três, quarto gramas de cocaína já não me davam mais o mesmo prazer. A cocaína aspirada não supria. Aí fui para a cocaína injetável e conheci o crack. Na época, preparava a droga na colher com bicarbonato, o que poucas pessoas sabiam fazer. Quando comecei a entrar nisso, o corpo pediu por algo ainda mais forte.

DDR – Você acha que a maconha é porta de entrada para as drogas?
ILHA – Não. Conheço muitas pessoas que fumam um baseado de boa, continuam há 20, 30 anos e usam socialmente. Não considero porta de entrada. Tem gente que vai direto para a cocaína ou crack.

DDR – Quando você tentou suicídio?
ILHA – Eu sou muito ‘linkado’ com meu filho (Cauã, 12 anos. Rafael já declarou que o filho nunca vai usar drogas) e tive um problema com a mãe dele (a primeira mulher de Rafael). Ela fazia chantagem, estava pressionando. Quando me separei dela, em 2008, proibiu de ver meu filho para me chantagear devido a um imóvel que tínhamos em comum. Surtei mesmo, de depressão. Lembro-me de flashes daquele dia, de cortar meu pescoço, dos bombeiros negociando comigo. Tomei quase 60 pontos no pescoço e a imprensa não entendia por que não saia da ambulância. Era porque eles estavam tentando me ressuscitar. A Record chegou a noticiar que eu tinha morrido. Mas Deus tem a hora certa para tudo. Durante o tempo em que fui dependente químico procurei todas as religiões: budismo, candomblé, evangélica... Mas o que funcionou mesmo foi a minha vontade própria de mudar a minha vida. Agarrei na mão do Deus e apertei o breque.

DDR – E o famoso episódio das pilhas?
ILHA – Uma vez, fui parar em um presídio para loucos, um manicômio. Era um lugar horrível, sem estrutura. Tinha um muro de oito metros de altura. Se uma pessoa urinava l&aacu



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