'Minha cabeça é caótica'

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Miriam Gimenes

Ela jamais seria discípula de Domenico De Masi. Criador da teoria do ócio criativo, o sociólogo italiano prega que ‘quanto mais o homem trabalha, mais tempo ele perde’. Em suas publicações, diz que tem de haver um equilíbrio entre o ofício, estudos e tempo livre para alcançar bons resultados. Marília Gabriela, 67, não se vale do descanso para alcançar a excelência em suas inúmeras funções – seja como apresentadora, jornalista, escritora, atriz, mãe e mulher. “É meio assustador, mas eu preciso me ocupar sempre e preciso de tudo muito bem organizado, porque minha cabeça é caótica.” E – pasmem – confessa já ter achado sua vida um tédio. “Preciso ter várias ocupações porque isso me mantém inteira.” Gabi tem, definitivamente, sede de vida.

Tanto que teve a coragem de, aos 50 anos, assumir uma paixão que havia sido deixada no passado: atuar. Amante do teatro, Marília lembra que o primeiro convite que recebeu para pisar em um palco veio de Bibi Ferreira. A Primeira Dama do Teatro lembra que Gabi era perfeita para fazer a Carolina de A Moreninha, de Joaquim Manoel de Macedo. “Ela tinha todas as qualidades. Uma mulher belíssima, com uma postura enorme, simpaticíssima, agradável no trato, uma pessoa fácil de lidar. E isso a torna uma pessoa excepcional. Além de tudo isso, Marília Gabriela tem o dom da palavra que Deus lhe deu aliado a um belo tom de voz. É grave, bonita. Um encanto de pessoa.” Só a que Rede Globo não permitia que jornalistas também fossem atores, o que a fez declinar do convite. “Quando eu já tinha idade suficiente para mandar no meu nariz, era senhora de mim, fui convidada para fazer teatro pelo Gerald Thomas, me interessei vivamente e falei: por que não? Por que não agora?” Encenou, então, seu primeiro papel em Esperando Beckett.

Participou também de novelas – entre elas Senhora do Destino (2004) e Duas Caras (2007), minisséries e filmes. Há pouco mais de um mês, vive a estrela de Hollywood Masha, no espetáculo Vanya e Sonia e Masha e Spike, no Teatro Faap, em São Paulo, com direção de Jorge Takla. Foi por este papel que deixou de apresentar o De Frente com Gabi, do SBT. “A Masha é encantadora, ela é louca, egocêntrica, uma grande personagem para ser interpretada. Foi um bom gancho para parar de fazer algumas coisas e passar a me dedicar a fazer outras que me deixam muito feliz.” Depois de cinco peças no currículo ela acredita que, enfim, ‘chegou lá’. “Desta vez eu sinto que talvez esteja mais relaxada, tranquila, segura. Talvez o fato de ter tido a coragem de tirar uma coisa para me completar com esta tenha me dado uma segurança que estou passando para o público e está sendo bom”, comemora. Bibi Ferreira diz que se entregar à arte não foi um ato de coragem de Gabi, mas sim de inteligência. “Ela vai dar para gente o que tem de melhor.” Quem quiser ver in loco sua plenitude artística, a peça estará em cartaz até julho.

Mas, não esqueçam, trata-se de Marília Gabriela. Além de fazer quatro apresentações – com cerca de duas horas cada – por semana, ela também prepara dois livros, um deles continuação do Eu Que Amo Tanto, que rendeu uma série para o Fantástico, apresenta o Marília Gabriela Entrevista, no GNT, e está estudando Filosofia. Também se dedica, é claro, aos filhos Christiano Cochrane, 43, e Theodoro Cochrane, 36, e à neta, Valentina, 3. E tem medo de envelhecer? “Medo não, eu tenho raiva. Porque ainda não consegui tantas respostas que você não tem ideia. Então não sei quanto tempo mais eu tenho para chegar a essas respostas, para fazer todas as viagens, ver tudo o que quero, todos os espetáculos, filmes, povos, todas as línguas, ir a todos os lugares...” Confira a seguir suas ideias sobre jornalismo, carreira, feminismo e sinta-se como se estivesse, literalmente, de frente com Gabi.

DDR – Você disse na coletiva de imprensa da peça que abdicou do projeto no SBT para se dedicar de corpo e alma à Masha. O que te encantou na personagem que a fizesse como opção em sua vida?
MARÍLIA GABRIELA – Já conhecia a Masha e a peça desde 2012, quando Jorge Takla me convidou. Fui ver em Nova York e achei uma maravilha. E a Masha é encantadora, ela é louca, egocêntrica, uma grande personagem para ser interpretada. Foi uma coincidência e um bom gancho para parar de fazer algumas coisas e passar a me dedicar a fazer outras que me deixam muito feliz como, por exemplo, teatro. Chega uma hora que você tem de decidir se vai continuar trabalhando, ganhando dinheiro ou se vai se preocupar com o tempo que lhe resta para fazer coisas das quais você tem necessidade e não tem tempo para elas.

DDR – Quando descobriu o talento artístico, já que havia se consolidado como apresentadora e jornalista?
GABI – Começou lá trás, quando minha irmã (Marisa) fazia teatro e eu a acompanhava. Me lembro dela fazendo A Visita da Velha Senhora, de Friedrich Dürrenmatt. Ela era a atriz principal. Se ficasse doente eu poderia subir e fazer no lugar dela. Quando entrei na faculdade, comecei a frequentar o teatro universitário e a participar, inclusive, de ensaios. Em uma dessas resoluções que costumo tomar na minha vida, vim embora para São Paulo e aqui me interessei muitíssimo por jornalismo. Comecei em uma época em que não poderia fazer jornalismo e atuar. A TV Globo, onde eu trabalhava, nunca permitiu isso. Eu entendo perfeitamente as regras do jogo. Recusei vários convites. Quem me convidou pela primeira vez (para o teatro) e me mandou um texto dizendo ‘seja bem-vinda’ foi Bibi Ferreira. Até que um dia, quando já tinha idade suficiente para mandar no meu nariz, já era senhora de mim, quando estava com 50 anos de idade, fui convidada para fazer teatro pelo Gerald Thomas, me interessei vivamente e falei: ‘por que não? Por que não agora?’ Fui fazer com apoio de filhos e foi assim que começou isso, foi no ano 2000.

DDR – Você se preocupa com a crítica em relação ao seu trabalho como atriz. Acha que há um preconceito por conta de você vir de outros ‘ofícios’?
GABI – Quem disse que não se preocupa está mentindo. Consigo conviver com as críticas e de uma maneira muito racional. Não acho que haja um preconceito, mas o Brasil não é um País que tenha como tradição pessoas com múltiplas atividades. Compreendo que eles resistam um pouco quando me veem porque cresci dentro da televisão, literalmente. Entrei com 20 anos, então eles têm essa memória da Marília Gabriela praticando jornalismo com aquela voz, aquela cara, na televisão. Mas, pela primeira vez, estou sentindo que com essa personagem cheguei lá. As pessoas estão me vendo como atriz, fazendo a



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