Caminho de Santiago

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Miriam Gimenes

 A experiência de fazer uma pausa e visitar a si mesmo não é corriqueira para o ser humano. Na ânsia de conhecer novos destinos, nos esquecemos de explorar, palmo a palmo, o que guardamos dentro de nós. Mas há lugares que, além de proporcionarem esta importante experiência, também oferecem paisagens incríveis, encontros para vida toda e muita história para contar. É o caso do Caminho de Santiago, rota que leva os peregrinos a Santiago de Compostela, na Espanha. É nesta cidade da Galícia – declarada patrimônio da humanidade pela Unesco em 1985 – onde estão os restos mortais do apóstolo Tiago e que tem atraído, há pelo menos 12 séculos, pessoas do mundo todo, seja a pé, de bicicleta ou a cavalo.

Dados da Catedral de Santiago de Compostela apontam que o Brasil ocupa atualmente a 13ª posição entre as 143 nações presentes no levantamento de peregrinos que chegam lá. Na América, o País fica atrás apenas dos Estados Unidos e Canadá. Só no ano passado, 3.271 brasileiros chegaram a Compostela, um crescimento de 35% em relação ao ano anterior. Um dos apaixonados pelo trajeto é o jornalista Daniel Agrela, 32 anos. A morte inesperada da mãe, em 2005, deixou sequelas emocionais no rapaz. “Eu não tinha um relacionamento próximo da minha mãe, ficou um sentimento de culpa. E com o tempo isso só foi aumentando.”

Dois anos depois, quando o rapaz morava em Dublin, na Irlanda, decidiu em uma quinta-feira fazer o Caminho de Santiago. Com a mochila nas costas e um conhecimento básico do percurso, na segunda-feira já estava em St. Jean Pied de Port, no Sul da França, para iniciar o trajeto mais feito do caminho, com 800 quilômetros – existem, pelo menos, outras cinco rotas. A falta de informação o levou a cometer diversos erros. “Eu não tinha aquele cajado, achava que era para fazer tipo. Na quinta cidade não conseguia andar de dor no joelho. Percebi, ao longo do caminho, que ele era muito usado tanto na subida, para impulsionar, quanto na decida, para frear. Se tivesse tido a orientação, teria evitado muitos problemas na primeira viagem.” Sim, Daniel percorreu duas vezes o trajeto, que durou 33 dias. Na segunda vez, em 2011, reuniu o material para escrever o O Guia do Viajante do Caminho de Santiago – Uma Vida em 30 dias” (Editora Évora). Trata-se do primeiro guia brasileiro sobre o destino. “A maioria dos livros é com relatos de pessoas. O meu tem 33 etapas, 33 dias na vida do peregrino e mapas de todas essas passagens.”

Dividida em três partes (introdução, preparação e como se guiar), a publicação tem dicas de alimentação, hospedagem, gastos, entre outras coisas. “O mapa descreve o que a pessoa vai encontrar ao longo do caminho (farmácia, mercearia, locais que não têm nada). Quando fiz a primeira vez fui no escuro. Comprei uma mochila, um saco de dormir e uma bota e fui. E logo no primeiro dia já foi aquele susto.” Ele lembra que, por ser outono, estava chovendo muito e ele não conseguia enxergar um palmo à frente. Quase se perdeu. Por isso é importante reunir todas as informações necessárias antes de cair na estrada.

Não cometa erros de principiante - Entre os principais problemas enfrentados por Daniel – e que deve também acometer os outros peregrinos – são as bolhas. Algumas pessoas, relata o jornalista, até desistem de caminhar tamanha a dor. “Na primeira vez, comprei uma bota com exatamente o número que calçava. O ideal é comprar um número maior, com folga. Parece um detalhe bobo, mas lá a bolha é uma coisa muito séria”, aconselha.

Outro problema enfrentado por ele foi em relação à água. Todas as vezes que sentia sede, bebia o líquido que vertia das bicas. “Dizem que é potável, mas nos últimos dias tive muito enjoo, peguei uma infecção.” A uma cidade de chegar a Compostela, em Monte Del Gozo, foi avaliado por um médico que disse que ele teria de seguir de ambulância até o seu destino. “Disse: ‘Não vou chegar lá de ambulância’. Tomei um remédio paliativo e fui caminhando de manhã. Era um trecho de quatro quilômetros que em uma hora chegaria. Demorei três horas”, lembra. As dificuldades enfrentadas e a vontade de chegar ao seu destino o levaram às lágrimas.

Daniel diz que durante todo o percurso há uma placa mostrando o tanto que falta para chegar ao ponto final. “E quando você chega lá e lê Santiago de Compostela não tem palavras para descrever. A cerimônia que eles fazem na igreja para os peregrinos, independentemente da crença, é emocionante. Lá tinham judeus, árabes, ateus, freiras cantando. É especial.” O cajado que o acompanhou desde que teve problema no joelho foi deixado lá, com todos os nomes cravados de quem o ajudou, direta ou indiretamente, neste projeto de vida.

DICAS
> Evite usar cartões de crédito na viagem. Além das altas tarifas de impostos que pagará no Brasil, há muitos estabelecimentos que não aceitam esta forma de pagamento.
> Assim que chegar em Saint Jean Pied Port, a primeira coisa que você deve fazer é adquirir a Credencial do Peregrino, que custa 2 euros. Ela pode ser obtida na Associação dos Peregrinos, que fica na Rua Citadelle, 39 (a cinco minutos da estação de trem). Ela permite pernoitar em albergues municipais e privados, que a selam e ajudam a provar que o trajeto foi feito.
> Alguns albergues municipais não cobram por hospedagem, mas recebem donativos.
> Os albergues têm algumas regras como, por exemplo, não circular de botas lá dentro. Tem de deixá-las em local apropriado. A maioria deles fecha às 22h e tem de deixar o local, no outro dia, até as 8h.
> Lá eles costumam tirar a siesta, aquela soneca das 14h às 17h. Para não ficar sem almoçar, vá aos estabelecimentos comerciais antes deste horário.
> Se passar mal, para ser atendido em hospitais públicos é preciso apresentar o passaporte e credencial do peregrino.
>Para ligar para o Brasil, utilize telefones públicos que funcionam mediante cartões telefônicos com créditos.
> E não esqueça: se não tiver mochila, botas especiais e saco de dormir nem inicie a caminhada. E não economize nestes itens.




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