Se eu quiser falar com Deus

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Miriam Gimenes

O Todo-poderoso está em crise existencial. Insatisfeito com o trabalho que fez durante os sete dias de criação – principalmente no sexto, quando ‘nasceu’ o homem –, recorreu a uma análise para amenizar a angústia que sentiu nos últimos 2.000 anos. ‘Sou Deus’, brada com uma voz grave à psicóloga Ana. A senhora, ateia, o ajuda a lidar com seus medos, angústias e, juntos, levantam questões que muito ser humano evita pensar. É com esse enredo, a união perfeita entre ‘diversão com inteligência’, que Ele se apresenta em São Paulo. Sim, Deus existe e, pelo menos até o fim do mês, atende pelo nome de Dan Stulbach.

Ao lado de Irene Ravache (Ana), Dan, 45, está em cartaz com a peça Meu Deus! no Teatro Tuca até dia 29. Há um ano em cartaz, com texto de Anat Gov e direção de Elias Andreato, a dupla, durante mais de uma hora, mostra que o Soberano não está contente com os rumos que o mundo tomou e pensa, nem que seja por um minuto, em acabar com tudo. “A peça consegue, por conta da autora, tratar do tema, da religiosidade com muita elegância, inteligência. Ninguém fica ofendido”, diz Dan. Judeu descendente de poloneses, o ator, apresentador e radialista revela que estudou a fundo o Livro Sagrado para a composição do personagem, um dos mais complexos que já fez por ‘não ter referência’. “A única ideia que a gente tem é de um velhinho sentado na montanha, nas nuvens, e da relação que cada um tem com Deus. Não foi um personagem que peguei de cara”, confessa.
 
Mas o ator não é pautado pelas dificuldades. Esta não é a primeira nem vai ser a última vez que ele toma um desafio para si. O rapaz, que deixou para trás a ideia de ser médico, administrador ou engenheiro – passou nos três cursos e, no último, ficou por um ano –, se formou em Comunicação Social, foi morar nos Estados Unidos, relutou em ser ator e hoje é considerado um dos melhores de sua geração. Por determinação, por empenho, por coragem. Não fosse por esta última qualidade, refutaria a ideia de liderar a bancada de um dos programas de maior repercussão da televisão brasileira: o CQC (Custe o Que Custar), da Rede Bandeirantes. A partir do próximo dia 9, ele sentará na cadeira até então ocupada por Marcelo Tas, e irá liderar ‘santa ceia’ semanal, cercado de seus ‘apóstolos. “É muito bom fazer parte desse barco, com esses caras. É uma turma muito boa, inteligente. O CQC quer fazer pensar, gerar discussão, então ele é para o bem.” Confira, a seguir, de que forma são feitas as suas vontades, assim na Terra como no céu.
 
 
MEU DEUS!
“É diversão com inteligência. Às vezes, você tem peça que é um drama e faz pensar, emociona; outras vezes, você tem uma comédia que as pessoas riem de monte e saem gargalhando, felizes porque botaram tudo para fora. Este espetáculo tem as duas coisas. É bacana, porque acho que cada pessoa da plateia se identifica com esse Deus em algum momento da montagem. E aceita os outros momentos como possíveis. Era fundamental que a gente fizesse uma peça que um ator entrasse no palco e dissesse: ‘Sou Deus’. E a plateia falasse: ‘OK, eu topo’.”
 
SE FOSSE DEUS, O QUE FARIA?
“Acho que tem coisas que são inerentes ao homem e por mais que Deus quisesse não conseguiria mudar. A nossa competição, a arrogância, a maneira como a gente se relaciona com a natureza, com os outros animais, um com o outro, são fruto da nossa selvageria. Mas se Ele aparecesse as pessoas se acalmariam muito. E se Ele dissesse que é amigo do amor e não da guerra também acalmaria.” Acredita Nele? “Acredito em todo o mistério de dar explicação à vida, que é a criação da Terra, do universo, e dar nome a esse mistério é bastante possível. Eu tenho uma relação com a religiosidade que é mais cultural do que propriamente religiosa, de rezas e tudo mais.”
 
TEATRO
“Sou apaixonado por teatro. Muita gente acha teatro chato e muita gente acha teatro caro. Às vezes, eles têm razão. Mas é uma arte única, na medida que é uma arte presencial. Tudo está acontecendo na sua frente e esses preconceitos, de algum jeito, se confirmaram infelizmente por falta de cultura, pela presença cada vez mais maciça da televisão na vida das pessoas, pela chegada da internet, a violência nas cidades, as pessoas querendo sair menos. Mesmo na televisão você vê uma programação pior do que quando eu era garoto. De algum jeito o Brasil se superficializou. Qual era a nossa maior arte? Nos anos 1950, éramos primorosos na música e no cinema. Não somos mais. A música que a gente quer ouvir não é exatamente a música que se ouve, a que vende mais. A lei do mercado chegou muito forte e o teatro perdeu seu espaço.”
 
SUPERFICIALIDADE
“A gente se encontrava para conversar, para jantar. Passamos a conversar pela internet ou se achar a qualquer momento no celular. Perdeu-se o momento do encontro. E quando se encontra muitas vezes é uma surpresa, porque aquela pessoa que está na internet é uma versão melhorada de si, são versões melhoradas que se encontram e os encontros são decepcionantes. Eu evito tudo isso, encontro muito os meus amigos e sou chato em relação a isso com eles. É natural da praticidade que a tecnologia traz e da loucura que está nossa vida. Todo mundo está correndo, alucinado, sem tempo. Não que todo mundo seja ambicioso, é questão de sobrevivência.”
 
O START DE QUE SERIA ATOR NASCEU QUANDO?
“Não sei se deu ainda (start). Era um bom aluno, acabei colégio, prestei várias faculdades. Mas ser ator é uma surpresa mesmo para mim. Fui fazer a primeira peça quando tinha 16 anos no colégio, foi uma sensação maravilhosa. Tive sorte, porque fui parar em um grupo de teatro muito bacana. Alguns deles são meus amigos até hoje. Foi um baque, nem eu estava preparado para isso nem os meus pais. Fiquei conflituoso com essa ideia durante um período. Prestei a Escola de Arte Dramática (USP), que era para mim um sinal de que se passasse poderia ter talento fora do meu colégio. Eu passei. Fiquei mais assustado ainda e feliz. Encontrei no teatro uma possibilidade de expressão, uma possibilidade de arte, de encantamento, de faz de conta, que foge de todas as coisas que estava falando antes, da vida. Porque aqui você pode ser qualquer um. Sempre fui apaixonado por isso e, assim como se fosse com uma mulher, a paixão sempre assusta.”



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