Desvairado paulistano

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Miriam Gimenes

“Quando morrer quero ficar (...), sepultado em minha cidade. Saudade.” O pedido feito no poema Quando eu Morrer, publicado por Mário de Andrade três anos antes do seu fim de fato chegar, foi concedido. Há exatos 70 anos, o poeta, escritor e professor, após sofrer um infarto, aos 52 anos, foi enterrado no cemitério da Consolação, em São Paulo. Seu legado, no entanto, inspirou as gerações futuras, rompeu as fronteiras brasileiras e o mantém vivo para quem aprecia o que tem de bom na literatura. Não à toa será o autor homenageado da 13ª Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), que acontece entre os dias 1º a 5 de junho.
 
A escritora e historiadora Marcia Camargos o coloca no dream time da cultura nacional. “Ele fez a diferença, as coisas não foram iguais após a passagem de Mário de Andrade. Como os autores infantis foram ‘beber’ no Monteiro Lobato, os escritores que vieram depois foram ‘beber’ naquela fonte e também músicos e intelectuais. A obra dele é essencial”. conclui.
 
Propagador da cultura, nacionalista e entusiasta da educação infantil, Mário, que nasceu em São Paulo – morou quase a vida toda no número 320 da Rua Aurora – foi um dos ‘cabeças’ da famosa Semana de Arte Moderna de 1922. Ao lado de Oswald de Andrade, com quem mantinha uma relação de amor e ódio, e outros modernistas, incentivou o culto ao nacionalismo, inovação e libertação da vanguarda. “Foi um grito contra toda a estética esclerosada vigente, uma palavra de ordem”, explica Marcia.
 
Mário ajudou, tempos depois, Oswald a escrever os manifestos nacionalistas (Antropofágico e Pau-Brasil), mas o afinamento de ideia dos dois não durou muito tempo. “As vaidades e egos foram se inflando, houve a ruptura. Oswald se arrependeu e chorou amargamente quando Mário morreu, ficou triste de não ter podido se reconciliar antes disso”, lembra a historiadora. A única modernista que nunca saiu do lado do poeta foi Anita Malfati que, dizia-se à época, nutria um amor platônico por Mário. Teria até morrido virgem por isso.
 
O fato é que ele era homossexual – Oswald, ironizando, o chamava de Miss São Paulo –, ainda que fosse muito discreto. Os tempos eram outros e ele, que dependia de aulas e aceitação para sobreviver, não podia se expor. “Isso seria até um ponto a favor dele hoje. Essa bandeira teria simpatia e o apoio dos consumidores das suas obras”, acredita Márcia. No entanto, até hoje há impedimentos para escrever uma biografia sobre ele porque herdeiros não querem que este ponto seja tocado.
 
Autor de Paulicéia Desvairada, Amar, verbo intransitivo, A Escrava que não é Isaura, entre outros, Mário conseguiu com Macunaíma (1928) tatuar sua assinatura na história. Incompreendido na época por estar à frente de seu tempo – o livro só vendeu 800 exemplares –, hoje é um dos clássicos da literatura nacional.
 
HOMENAGENS
Durante a Flip, a editora Nova Fronteira, detentora dos direitos do autor, lançará o romance inédito Café, fará uma adaptação em quadrinhos (graphic novel) de Macunaíma e pretende, ainda, lançar uma antologia de contos e crônicas, ainda sem título definido, a compor uma coleção da editora, que terá também outros autores da Casa, numa espécie de ‘O melhor de...’
 

E como ele era apaixonado por música – e um pianista exímio –, o Coral Paulistano apresentará em sua homenagem, na sexta-feira (27), às 20h, no Theatro Municipal (Praça Ramos de Azevedo), Réquiem de Mozart. A regência será de Martinho Luthero e os ingressos custam R$ 20. 




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