Muito além dos 50 tons

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Marcela Munhoz

Não há como negar: mesmo com as críticas – que apontam para textos mal escritos e para protagonistas ‘surreais’ demais – mais de 100 milhões de pessoas no mundo compraram algum dos livros da trilogia Cinquenta Tons de Cinza, criada pela inglesa E.L.James (a marca tem a mesma proporção de Harry Potter e Crepúsculo). E outros milhões de espectadores estão ansiosos – muitos já garantiram seus ingressos, inclusive – para ver o casal Christian Grey e Anastasia Steele materializado nas telonas. A pré-estreia está prevista para o dia 11. 

E assim como as cenas picantes do romance erótico, com direito a uso de brinquedinhos sexuais no Quarto Vermelho da Dor, mexeram com leitores, especialmente com leitoras, a história também movimentou o mundo BDSM (confira o que significa mais abaixo), embora E.L. James afirme que não se trata de uma obra sadomasoquista e que Steele não é submissa. Ela pontua apenas que Grey faz sexo de uma maneira particular, sempre relacionado ao poder e ao controle. Para o ator Jamie Dornan, que dá vida ao bilionário, Cinquenta Tons é uma história de amor. “Sadomasoquismo existe e não tem nada de errado. Pessoalmente, não é a minha praia, mas eu entendo porque as pessoas praticam. Talvez o filme abra os olhos para isso”, declarou ao site espanhol S Moda.
 
 
Dito e feito. As práticas citadas nos livros realmente aguçaram a curiosidade dos ‘baunilhas’ – termo usado para definir relação sem conteúdo BDSM –, mas há muito mais neste mundo do que chicotadas e amarrações. Vai além dos chamados fetiches. “O fetichismo se caracteriza quando o foco sexual está em objetos (algemas, velas) associados ao contexto erótico. É importante lembrar que todos os indivíduos podem ter algum nível de fetiche ou preferência por determinada vestimenta, características físicas. No fetiche também pode ser contemplado situações e cenários sexuais, tais como o BDSM”, explica a psicóloga Giovanna Lucchesi, especialista em sexualidade e terapia de casais.
 
A sigla BDSM significa: Bondage e Disciplina (BD), praticantes que usam a imobilização; Dominação e Submissão (DS), adeptos que gostam de dominar ou serem dominados; e Sadismo e Masoquismo (SM), pessoas que têm prazer em ver o outro sofrer ou de sentir dor física ou psicológica. O que difere essas relações de uma violência gratuita, explica-se em outra sigla, a SSC (São, Seguro e Consensual), uma das tríades da prática. Os parceiros do BDSM devem estar em perfeito estado de consciência, lucidez e responsabilidade, as técnicas precisam ser conhecidas profundamente para minimizar qualquer risco e, principalmente, os envolvidos devem acordar as condições antes de iniciar cada ‘cena’. “Neste contexto quando falamos de vida sexual de qualidade não devemos taxar de forma pragmática em ‘normal’ e ‘anormal’. Lembremos que, antigamente, qualquer comportamento sexual que não visasse a reprodução era classificado como ‘doentio’, incluindo a masturbação. Ou seja, a interpretação dos comportamentos sexuais depende muito das convenções sociais”, enfatiza a terapeuta sexual.
 
VIDA REAL
Nas relações BDSM, muitos combinam uma safeword para garantir que ninguém passe dos limites. Caso seja pronunciada, a prática deverá ser paralisada imediatamente. Em Cinquenta Tons, a palavra escolhida foi vermelho. V.W, 49 anos, de São Bernardo, usa a mesma safeword em sua relação D/s (Dominação e Submissão). Ela disse ‘vermelho’ uma única vez. “Chorei muito por isso. Assim que disse, ele parou, me desamarrou, me abraçou, me deitou na cama e me cobriu. Fez o chamado aftercare. Mas, para mim, foi humilhante, me senti uma inútil. Significa que não fui suficiente para o meu dono”, conta. V.W era ‘baunilha’ até os 45 anos. Conheceu o BDSM com um antigo namorado e hoje tem um Dono ou Top. “O termo ‘submissa’ não cabia na minha cabeça. Tinha cargo de chefia no trabalho e sempre fui muito autoritária. Mas, ao poucos, percebi que faltava alguém que me dominasse mesmo, que tivesse pulso firme. Queria sentir que pertencia a alguém. Cheguei ao equilíbrio. Ser durona o tempo todo estava me estressando demais. Depois que assumi minha submissão (virou bottom), consegui relaxar.”
 
Para V.W – assim como para a maioria dos BDSMers ouvidos pela reportagem; confira algumas opiniões ao lado – Cinquenta Tons de Cinza tem seus pontos positivos e negativos. “Deu abertura para as pessoas se interessarem por BDSM por causa do livro e hoje são felizes com o que vivem, mas muita gente caiu de paraquedas sem dar conta do perigo que estão correndo, especialmente, nas redes sociais. As meninas novinhas acham que vão encontrar um Grey e não é nada disso. Trata-se de um jogo em que é preciso saber jogar e isso só se aprende com o tempo, com a experiência”, diz a bottom, que se sente totalmente realizada em sua relação. “Gostaria que as pessoas não nos vissem como perturbados ou que nos associassem a algum tipo de trauma ou abuso na infância. Que entendam que todos somos diferentes e que aceitem nosso estilo de vida. Eu gosto de ser assim e não vejo necessidade algum em entender o porquê.”
 
 
Opiniões dos praticantes de BDSM
”Deveriam aproveitar a explosão que o livro teve para ‘descriminalizar’ o BDSM. Tirar a imagem preconceituosa das pessoas.”
 
”Independentemente do foco no BDSM, acho que a trilogia trouxe à tona a discussão em torno do permitir-se.”
 
”É como pimenta biquinho: vendida como pimenta, mas não arde nada. Em alguns petiscos, o ideal é mesmo essa. Não cabe a outra.”
 
“O problema é a ingenuidade das pessoas que vieram buscar o BDSM por causa do livro e podem cair nas mãos de um mal-intencionado.”
 
”A questão não é o Grey ser ou não dominador. Acho que o que vale mesmo é o fato da garota ser guiada pelo prazer.”
 
”Influenciou mulheres desgostosas com suas vidas sexuais e


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