'Com que rosto ela virá?'

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Miriam Gimenes

A iminência de encontrar a morte faz o mais vil dos condenados pedir clemência. Marco Archer, o brasileiro fuzilado mês passado na Indonésia por tráfico de drogas, clamou por ela durante 11 anos. Fez vídeos, mandou cartas, foi personagem de campanha em redes sociais, teve ajuda política. Tudo em vão. A ele coube apenas escolher ‘com que rosto ela viria’, como versou Raul Seixas em Canto para a Minha Morte. Escolheu morrer de pé e vendado. Após o tiro fatal, foi coberto com um terno preto e colocado em um caixão para, em seguida, ser cremado em uma folha de bananeira. Aos 53 anos, ele foi o primeiro brasileiro executado por um governo estrangeiro.

 
E assim começou a discussão sobre a execução de criminosos. Marco foi preso em 2004 no aeroporto Internacional de Jacarta portando 13 quilos de cocaína escondida em tubos de asa delta. Conseguiu fugir mas, duas semanas depois, foi capturado. O problema é que em solo indonésio quem é preso portando entorpecentes o fim é implacável: fuzilamento. A pena de morte foi instaurada na lei antidrogas de 2000 e se aplica a quem é flagrado com mais de dez quilos. O carioca não é o único brasileiro condenado no país. Está marcada para fevereiro a execução do paranaense Rodrigo Muxfeldt Gularte, 42, pelo mesmo motivo.
 
Trata-se de uma corrida contra o tempo. A Anistia Internacional, que atuou no caso de Marco, tentará também ajudar Rodrigo. Segundo o assessor de Direitos Humanos da anistia, Maurício Santoro, uma campanha já foi lançada em prol dessa segunda execução. “Somos contra a pena de morte em qualquer circunstância e isso é um trabalho que fazemos há mais de quarenta anos. A nossa maneira é de fazer pressão sobre governos para que eles mudem essa forma de punição. No caso dele (Marco), como o intervalo de tempo foi muito curto nesta última fase, a gente teve pouco tempo para atuar”. E ele só não tinha sido executado até agora por conta da pressão em cima do governo de lá.” O clamor já deu certo no caso da pena de morte dada ao sul-coreano Kin Dae-Jung que foi libertado e se tornou presidente do país entre 1998 e 2003.
 
Só que Marco deu azar. Uma das promessas de governo do presidente recém-eleito Joko Widodo era de ser implacável em relação às sentenças de morte, atitude apoiada pela população. “O caso de Marco foi usado como instrumento de propaganda política. Porque é mais fácil executar meia-dúzia de pessoas, do que fazer investimento para se mude a segurança pública do país”, acrescenta Maurício. Segundo o especialista, 70% dos países já aboliram a pena de morte de seus códigos legais ou da prática. “A própria Indonésia ficou entre 2008 e 2013 sem executar ninguém”, destaca.
E diz mais: o país está pedindo clemência por uma indonésia que está condenada à morte porque roubou e assassinou a patroa na Arábia Saudita. “Isso mostra o quanto essa pena é contraditória. O caso do brasileiro, por mais que seja um crime grave, não foi tão violento.” Embora o combate ao tráfico lá seja implacável, a estimativa da Agência Nacional de Entorpecentes da Indonésia é que o uso de drogas no país deve aumentar 45% este ano (os 4 milhões de usuários devem se transformar em 5,8 milhões) até por conta da falta de recursos da população.
 
Atualmente, a campeã em execução é a China que tem 55 crimes passíveis de pena de morte, incluindo muitos que não implicam violência física. Embora eles não divulguem, Maurício diz que a estimativa é que cerca de 2.000 pessoas sejam executadas ao ano. “Em 2013 a gente confirmou 778 execuções no resto do mundo. Sozinha, a China é muito mais do que o resto dos países combinados.” Dessas 778 execuções, 80% foram no Irã, Iraque e na Arábia Saudita.
 
SEM PERDÃO
O deputado federal Alberto Fraga (DEM) é implacável em relação ao caso de Marco Archer. “Ele tinha de ser executado, como o outro (Rodrigo) deve ser. Ele sabia que se traficasse iria morrer. Se ele sabia do risco... E me admira muito o Brasil, que é incompetente de resolver os problemas aqui, ficar querendo que os outros países pratiquem omissão e frouxidão em relação às leis. Se a lei lá prevê pena de morte tem de ser aplicada.” O democrata, que foi coronel da reserva da Polícia Militar, é a favor da pena de morte para crimes hediondos, quando não restam dúvidas em relação ao autor e não dependam da investigação da polícia. À exemplo, cita o caso de Mateus da Costa Meira que, em 1999, disparou uma metralhadora na plateia de uma sala de cinema do Morumbi Shopping que resultou em três mortes.
 
Alguns cidadãos, segundo o político, fazem coro com seu discurso. “A população não suporta mais tanta violência em nosso País (aqui são 50 mil assassinatos ao ano). Eu espero e confio na nova bancada do Congresso Nacional, com mais de 30 deputados federais oriundos da segurança pública. Não é à toa que foram os mais votados, a população clama por segurança. Se nada mudar, vamos nos tornar um País de acobertamento de criminosos.” O crime acontece, segundo ele, por conta da certeza da impunidade. “Hoje só o famoso três ‘p’s ficam presos: pobre, preto e prostituta. O bandido que tem dinheiro está solto. Quando defendo a pena de morte é única e exclusivamente como medida inibidora.”
 
Questionado sobre o fato de países com esta conduta, como os Estados Unidos, não tenham tido melhora em relação à criminalidade, o deputado concorda. “É um fato que eu reconheço, mas não são todos (os países). Se me perguntar se defino como solução, é claro que não. Agora se alguém entra na sua casa, faz sua família refém, usa de crueldade, se eles tiverem certeza que vão para pena de morte tenho certeza absoluta que pensam duas vezes antes de cometer o crime.” No Brasil, a Constituição proíbe a pena de morte em tempos de paz. Em caso de guerra ela pode ser aplicada a crimes militares como deserção e colaboração com o inimigo.
 
O paranaense Rodrigo Muxfeldt Gularte, que desenvolveu problemas psicológicos após uma década de detenção, deve ser executado em fevereiro. Ele foi preso na Indonésia em 2004 por traficar cocaína em pranchas de surfe. O Itamaraty tenta a reversão de pena e que ele seja transferido para um hospital psiquiátrico.
 


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