Trombonista Bocato acha gravações perdidas e transforma em disco

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Vinícius Castelli<br>Do Diário do Grande ABC

Falar de música experimental é divagar sobre Itacyr Bocato Júnior, o Bocato. Filho de violeiro caipira, seu caso de amor com o trombone começou em 1967, ainda criança. E não parou mais. Costuma dizer que nasceu músico. Começou na banda mirim local Baeta Neves, sob os cuidados do maestro Irineu Negri Garcia.

Fato que o artista de São Bernardo sempre foi ferrenho fomentador de música instrumental, experimental e brasileira. Conseguiu respeito nacional. Tanto que tocou com Elis Regina (1945-1982) e Ney Matogrosso, para citar alguns exemplos.

Alçou voo internacional também. Foi para a Europa divulgar o cancioneiro de Pixinguinha e conseguiu estar onde muito músico deseja: no festival de música de Montreux, na Suíça.

Agora, aos 59 anos, sendo 52 de vida musical, o artista deixa ainda mais farta sua discografia, que conta com álbuns como Sonho De Um Anarquista, Concerto Para Trombone Quebrado, Abruxa-te, por exemplo. Ele apresenta, nas plataformas digitais, o disco Tapes Perdidos 1983-1985 (Baratos Afins). São gravações feitas pelo artista e que estavam desde os anos 1980 no acervo de Luiz Calanca, da gravadora loja de discos de São Paulo Baratos Afins. Foram encontradas há cerca de um ano. “Quando vi cai de costas de emoção”, revela Bocato.

O músico diz que se lembrava desses registros, mas achava que já haviam se deteriorado para sempre. “O Calanca fez um trabalho de restauro, pois as músicas (gravadas) estavam em tapes muito antigos. E com o tempo elas acabam se deteriorando e viram uma pasta”, diz. Ele explica que os rolos passaram por restauração química, com banhos, e, aos poucos, foram voltando a funcionar.

“O que eu posso te dizer é que esse trabalho foi um grito de liberdade”, afirma. Bocato conta que, na época, havia se desligado da Banda Metalurgia. Saiu também do grupo que acompanhava Ney Matogrosso. Toda a turma seguiu Gal Costa, em extensa turnê mundial. Bocato ficou.

Foi experimentar no estúdio. E para isso se rodeou de artistas como Edu Fiore, Selene Azul, Dora Fiore, Don Dimas, Gigante Brazil. Quando fez esses registros, o trombonista estava inflamado de influências de jazz e rock. E essas influências ficam claras na obra. O repertório conta com faixas como Lixo Atômico, Ronda Ostensiva, Oh Darling e Walk Man, por exemplo. Algumas instrumentais e outras com voz. No total são 14 músicas. E todas podem ser apreciadas da forma como foram registradas há mais de 30 anos, pois não sofreram alterações em estúdio agora.

“Na época da gravação dessas faixas rolava muito improviso. Tinha pitaco de todos (os envolvidos) nos arranjos. Estamos falando da nata da música brasileira. Isso não significa que eram músicos famosos,  mas eram caras que faziam a música nos porões, nas gravações. A música é vibração e irradia. É a grande conquista da civilização. Ser famoso é uma outra coisa”, diz.

Acostumado com fitas K7 e LPs, o veterano diz estar se dando bem com a ferramenta das plataformas digitais. Tapes Perdidas 1983-1985 é seu segundo título lançado exclusivamente de forma digital. “Hoje me sinto respeitado, pois nas plataformas digitais tenho liberdade de tocar o que quiser. Se vender, os autores receberão”, diz. Ele explica que há todo um trabalho de fiscalização. Vendeu, pagou. Então o mundo esta evoluindo”, opina.

Mesmo tendo acabado de lançar Tapes Perdidos 1983-1985, Bocato já está com outro trabalho, Bocato no Mundo Real, em andamento. E também ganhará vida, a partir de janeiro, por meio do streaming. “Adorava as fitas de rolo e os K7. Hoje sinto que é a mesma coisa, só que é tudo mais acessível”, afirma.

Ele explica que o título do próximo trabalho é uma alusão ao chamado Real Book. Trata-se de uma série de livros, conhecido popularmente como a ‘Bíblia’ do jazz da escola norte-americana Berkeley Schooll. “Reúne os temas mais populares do jazz, chamados de standard”, diz. Bocato está há três anos, toda terça-feira, a partir das 23h, no Nossa Casa Confraria das Ideias (Rua Mourato Coelho, 1.032), em São Paulo. “Está sempre lotado. Eu, com quase 60 anos, tocando para uma rapaziada jovem”, encerra.




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