A beleza adquiriu, ao longo dos séculos, status de valor e, nos dias de hoje, chega a influenciar a condição social e econômica de um indivíduo. Por isso, a busca pelo ‘corpo perfeito’ beira o exagero. Tanto que, em 2014, o Brasil ultrapassou os Estados Unidos e agora lidera o ranking de realização de cirurgias plásticas em todo o mundo, com a marca de 1,49 milhão/ano, segundo a International Isaps (Society of Aesthetic Plastic Surgery). A banalização de procedimentos estéticos é uma das explicações para o que viveu no fim do ano a modelo Andressa Urach, 27 (foto acima).

A gaúcha, que ficou famosa por posar nua após ser vice-campeã do concurso Miss Bumbum e por participar do reality show A Fazenda, teve infecção generalizada por decorrência de um procedimento preenchedor com hidrogel, para engrossar as coxas. O produto teve sua licença expirada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em abril do ano passado e a recomendação de uso foi restrita a, no máximo, de 25 ml a 30 ml para preenchimento corporal. “A quantidade colocada na modelo foi muito grande (em torno de 400 ml). Não recomendo esse tipo de produto, uma vez que não há estudos a longo prazo que comprovam a segurança de seu uso. Qualquer implante colocado no organismo pode sofrer processo de infecção, a diferença é que o implante, diante de qualquer complicação, pode ser retirado, já as substâncias preenchedoras não têm como”, explica o cirurgião plástico Nélio Aguilera, integrante titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.

 

 

A substância, composta por poliamida e soro fisiológico, tem a forma de um gel aquoso e é indicada apenas para amenizar pequenas rugas no rosto e cicatrizes. Por conta do excesso, Urach ficou internada durante 25 dias – em estado grave –, e agora se recupera em casa. Pelas redes sociais, comentou sobre a ditadura da beleza, segundo ela, imposta pela mídia, e refletiu sobre os extremos em que chegou para estar dentro dos padrões. 'Perdemos a saúde para ter dinheiro e, logo em seguida, perdemos o dinheiro para termos saúde', postou em uma rede social logo após ter alta hospitalar.

 

A busca desenfreada pela perfeição está nos diversos setores da sociedade, embora os padrões sejam divergentes nas diferentes classes sociais. A ‘popozuda’, por exemplo, não é unânime nas rodas ‘abastadas’. Já o ícone mundial de beleza brasileira é Gisele Bündchen, que ostenta corpo longilíneo e com poucas curvas, padrão exaltado na moda, mas pouco apreciado pela maioria dos brasileiros. “Vivemos um momento na nossa cultura cuja imagem está se sobrepondo ao ser. Vejo, clinicamente, que as pessoas estão se sentindo inseguras em relação ao que são, estão se apegando à hipervalorização da imagem, como se isso fosse garantir o interesse do outro”, analisa a psicanalista Márcia Bozon. Para ela, o corpo passou a ser moeda de troca. “Se tenho corpo perfeito aos moldes externos, vou garantir que as pessoas me admirem, me respeitem, gostem de mim. Existe um grande medo de sentir inferiorizado ou rejeitado. O corpo está sendo usado como se fosse moldável e, na verdade, ele não é. Obedece as leis biológicas e tem limitações no processo de moldagem”, conclui.

 

 

A busca pela perfeição não existe apenas no mundo do show business, da moda ou é exclusiva ao universo feminino. Em uma academia famosa de Santo André, jovens garotos confessam à equipe de reportagem o uso de anabolizantes, além de dietas extremamente restritas, que incluem filés de peixe grelhado e batata-doce no desjejum, tudo isso pesado diariamente em uma balança de pequeno porte, item indispensável na cozinha destes meninos, que levam à risca os gramas a mais ou a menos para obter massa muscular. Na linguagem do grupo, trata-se de ficar ‘boladão’ ou ‘grandão’. Expressões como ‘no pain, no gain’ (sem dor, sem recompensa) são ilustradas nas camisetas destes rapazes.

 

Alguns levam a ideia de ficar ‘sarado’ ao extremo, mas o fato é que vivemos em uma sociedade de show e imagem. Redes sociais incentivam a cultura do ter e mostrar, fazer e publicar. Perfis nas redes sociais, como o da publicitária Gabriela Pugliesi – que se tornou-se famosa por postar incentivos pela boa forma física – têm quase 1 milhão de seguidores. Como participantes de uma seita, seus seguidores conversam entre si e comentam as publicações, que dão dicas de alimentos pouco calóricos e exercícios físicos. Mensagens como ‘força’ e ‘você pode aguentar sem doces por hoje’ ilustram o dia a dia das postagens.

 

A imagem tornou-se obsessão, em diferentes proporções. “A pessoa que busca a perfeição não quer que falte nada. A natureza do ser humano é a natureza da falta, o nascimento é o desamparo. De cara, a gente se depara com a falta de tudo. A fragilidade é imensa, a busca da perfeição tem como objetivo criar um campo de ilusão como se fosse possível controlar isso tudo. Quem é ‘perfeito’ não adoece, não envelhece e não engorda”, finaliza a psicanalista Márcia Bozon.

 

 

Inspirado no boneco Ken, companheiro da icônica loira e perfeita Barbie, o mineiro Celso Santebanes, 21, alterou suas feições. A lista de intervenções para chegar a ser conhecido pela mídia como o ‘Ken Humano’, é muito vasta. Inclui uma rinoplastia no nariz, prótese no queixo, maxilar lixado e modelado (procedimento considerado extremamente arriscado), silicone no peitoral e na região abdominal para criar os famosos ‘gominhos’ e, por fim, aplicação de uma substância chamada aqualift nas coxas, o mesmo procedimento realizado por Andressa Urach.