Acessível, mas nem tanto

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Miriam Gimenes

Dezembro de 2014. Katya Hemelrijk da Silva, 38, havia viajado ao Paraná para ir ao casamento de uma amiga. Na volta para casa, no aeroporto Internacional de Foz do Iguaçu, viu se repetir uma situação que havia passado há seis anos, na sua lua de mel. A empresa aérea que ela voaria para São Paulo, a Gol, informou que o stair track (aparelho que auxilia a entrada de cadeirantes na aeronave) estava descarregado.

 
Sob a fina garoa da madrugada, Katya, que tem osteogenisis imperfeita (ossos de vidro), optou por subir as escadas de bunda – como fez da primeira vez que passou pelo mesmo problema. Por ter os ossos frágeis, qualquer acidente pode ser fatal. No dia seguinte ao ocorrido, postou a foto no Facebook e sua reclamação teve 348 compartilhamentos.
 
Foto: Celso Luiz
 
A situação vivenciada por Katya é só mais um exemplo do que ocorre, diariamente, com 45 milhões de brasileiros que têm algum tipo de deficiência. Embora a Lei de Acessibilidade (5296/2004) regulamente o atendimento às necessidades específicas dos deficientes em projetos arquitetônicos e urbanísticos, de comunicação e informação, além de transportes coletivos, poucos são aqueles que cumprem.
 
A atleta de São Caetano Aline Rocha, 23, tricampeã da Corrida de São Silvestre – inclusive da última prova –, tem de viajar bastante para participar de competições. E toda vez se vê na mesma situação que Katya. A moça, que ficou paraplégica após um acidente de carro aos 15 anos, reclama da falta de estrutura das companhias. “Para subir sempre tenho de ser carregada pelo meu marido. Além disso, a poltrona da frente, que deveria ficar reservada para cadeirantes, sempre está ocupada.” Ela relata também a dificuldade para ir ao banheiro, já que os corredores das aeronaves são estreitos – não cabem a cadeira de rodas – e ela precisa ser levada por alguém.
 
Foto: Reprodução
 
O problema é que as reclamações geram um ‘jogo de empurra’ entre a Infraero e as companhias aéreas. Segundo o colunista da Folha de S.Paulo e editor do blog Assim como Você, que trata de questões relacionadas às pessoas com deficiência, o que rege o tratamento dado aos deficientes nos aeroportos e pelas companhias aéreas é uma norma técnica editada pela Anac. “O grande entrave é que esse documento divide o serviço em dois, cabendo a infraestrutura de apoio (cadeiras de rodas específicas, elevadores e ambulifits, por exemplo) à Infraero e o embarque e desembarque às empresas.”
 
Segundo ele, essas duas operações tinham de andar juntas, pois, separadas, elas acabam sempre incompletas e desorganizadas. “Até que sinta-se no bolso, o lado mais fraco da questão vai padecer na pele.” Por conta da repercussão, a Anac notificou a empresa para prestar esclarecimentos sobre o caso. A companhia, por meio de nota, disse que ‘realiza investimentos significativos na questão da acessibilidade’ – cerca de R$ 1,5 milhão nos últimos quatro anos –, que possui, atualmente, 51 stair tracks e ‘lamenta o ocorrido com Katya’.
 
FAZER A DIFERENÇA
 
Um acidente de carro ocorrido em 2004 fez com que o apresentador do programa de rádio Viva as Diferenças, Alan Mazzoleni, 36, ficasse tetraplégico. Ele confessa que antes disso não tinha consciência da necessidade da acessibilidade na vida de um deficiente. “Tenho um amigo (deficiente) que hoje a gente batalha junto, mas eu já carreguei ele na balada. Quando vim para cadeira percebi que aquilo não foi uma ajuda. Eu tinha de ter brigado por uma rampa, um elevador, mas não tinha noção de tudo isso”. Quando começou a sentir na pele essa necessidade, a situação mudou.
 
Alan, no entanto, faz questão de frisar que as adaptações acessíveis não ajudam apenas quem tem deficiência física. “Também são artifícios utilizados por quem tem bebê, por idosos com dificuldades de se locomover.” É para o bem de todos. De uma escala de zero a 10, desde que começou a prestar atenção nas adaptações, ele diz que o País evoluiu 0,5. É por isso que ele valoriza aqueles que tentam se encaixar nas normas estabelecidas pela lei. “É o caso da Padaria Kennedy, em São Bernardo. Eles têm rampa na entrada, no estacionamento, vagas exclusivas, elevador para ir ao piso superior. Sempre vou com meus amigos lá e eles são totalmente acessíveis.”
 
Foto: Orlando Silva
 
A diretora da padaria, Christiane Franzese David, diz que não foi só por conta da lei – cuja ‘fiscalização só foi feita à época que foi regulamentada’ – que o estabelecimento foi adaptado. “Temos alguns clientes com deficiência e fomos, aos poucos, tornando a padaria mais acessível.” Ela ressalta, no entanto, que embora o local atenda as normas e eles fiquem confortáveis lá dentro, nota que quando saem na calçada, os clientes têm dificuldades de se locomover por conta dos buracos e desníveis.
 
Foto: Orlando Silva
 
O apresentador também destaca a ação do Shopping Metrópole, que não cobra a vaga de pessoas com deficiência. “Isso nos estimula a sair de casa, porque já temos um custo de vida muito alto”. Em conversa com os amigos cadeirantes que já viajaram, países exemplos em conforto para deficientes são o Canadá, Estados Unidos e Japão. Em Vancouver, por exemplo, todos os meio-fios são rebaixados a zero nos cuzamentos – o que evita solavancos na hora de o cadeirante descer ao asfalto – e o acabamento das calçadas é irretocável.
 
Foto: Orlando Silva
 
O gestor de informática Salvador Serra, 58, é paraplégico e diz que daria para escrever um livro com as situações de desconforto que passou por conta da falta de acessibilidade, inclusive em avião. Mas o que mais vê no dia a dia é a falta de educação em relação a vagas para deficientes e idosos


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