É o fim da AM?

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Marcela Munhoz

 Todos os dias, das 21h às 5h, João Batista, 89 anos, liga seu radinho antigo na CBN ou na Aparecida, ambas na frequência AM. “É meu companheiro de insônia há muitos anos”, conta o aposentado. Ele se declara apaixonado pelo meio de comunicação. “Televisão só no futebol e música é na vitrola. Rádio é para notícias e elas chegam lá antes da TV”, conta Batista, que fica feliz ao lembrar dos tempos em que ia aos programas de auditório nas rádios Record, Bandeirantes e Tupi. “Aplaudi muitos cantores pessoalmente, bons tempos aqueles.”

O morador de Diadema, porém, ficou espantado ao saber que a não tão longo prazo poderá sintonizar as mesmas emissoras na frequência FM. É que foi sugerida a migração da AM (Amplitude Modulada) para a FM (Frequência Modulada) no País. O decreto que autoriza o processo foi assinado pela presidente da República na época, Dilma Rousseff, em 7 de novembro de 2013.

A última notícia a respeito é que o governo federal acaba de abrir prazo para as prestadoras do serviço de radiodifusão sonora em onda média, de caráter local, regional e nacional, apresentarem requerimento ao MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações) para solicitar a adaptação de suas outorgas para execução do serviço de radiodifusão sonora em frequência modulada. Os donos das estações têm até 25 de julho para formalizá-lo. Das 1.781 rádios AM no País, 1.421 já fizeram a solicitação.

O principal objetivo desta adaptação, segundo o governo, é garantir a qualidade. “Será feita para fortalecer as emissoras que hoje são prejudicadas pelo abandono do dial AM/OM”, explica Rafael Ferreira Larcher, coordenador de renovação de outorga de serviços de radiodifusão do MCTIC. Segundo ele, o abandono acontece por vários motivos, entre eles, “interferências – quanto maior o centro, mais difícil é a captação –, altos custos para a instalação e manutenção das estações, grande consumo de energia elétrica para operação, baixa produção de receptores de AM e a sua não integração com os celulares, sons de carros e dispositivos eletrônicos”. A maioria dos celulares com rádio não disponibiliza recepção na faixa AM.

O processo de adaptação, porém, não é tão simples. Além de ser atestada regularidade na instrução dos processos, ou seja, as outorgas devem estar corretas sob os aspectos jurídico e técnico, é preciso conseguir um ‘espaço’ no espectro de frequência. Hoje as emissoras FM usam canais entre 87,7 MHz e 107,9 MHz. Para comportar todas as rádios AM deverá ser criada o que está sendo chamada de faixa estendida: de 76,1 MHz a 87,5 MHz. Isso só vai acontecer, de acordo com Larcher, quando for concluído o processo de desligamento dos canais analógicos de televisão, que utilizam a frequência. “Atualmente essa faixa do espectro radioelétrico está designada para os canais 5 e 6 de TV.”

Para os donos de rádio, a adaptação deve também pesar no bolso. Após obter a autorização, a entidade deverá ser convocada para assinar o respectivo termo junto ao MCTIC, devendo pagar o valor correspondente ao uso de radiofrequência e o custo da migração. “O cálculo relativo à adaptação da outorga será efetuado com base em metodologia definida pelo ministério, levando em consideração a potência da rádio, a população (que atinge) e a classificação do município (aqui até o PIB foi considerado).” O preço pode variar de R$ 8 mil a R$ 4 milhões e cobre o pagamento da adaptação da migração, além dos custos de modificação de estúdio, transmissor, antena e torre.

Para os ouvintes, na verdade, por enquanto, tudo ficará igual. A dica é ir guardando um dinheirinho para comprar um aparelho que receba a nova frequência, esperar para atualizar o rádio do carro e celular quando o processo estiver concluído ou se adaptar a ouvir rádio digital. A partir de 1º de janeiro de 2019, de acordo com portaria interministerial publicada em 25 de setembro de 2017, os aparelhos destinados à recepção de ondas médias do tipo FM “deverão incorporar capacidade de recepção de frequências entre 76 MHz e 108 Mhz.” Boa notícia para os cerca de 25 milhões de ouvintes no País, incluindo o Senhor João Batista.

Ondas que propagam no Grande ABC
A Rádio ABC (AM 1570), que fica em Santo André, é uma das emissoras que terão de se adequar. “Nós seremos os primeiros da região a migrar. Já compramos uma antena de 200 metros que ficará perto dos nossos transmissores na divisa entre Santo André e São Mateus. Nossa potência hoje é de 10 mil watts”, explica Kaká Siqueira, locutor há 36 anos, sendo os últimos seis meses na estação andreense. Segundo ele, a ideia é que nos próximos dois anos já esteja tudo funcionando.“Queremos pensar em parcerias com fabricantes de rádios para distribuir os aparelhos com a banda estendida. O que precisa ter é a disposição do governo para acelerar cada vez mais esse processo. Estamos ansiosos.”

Na região ainda funciona a rádio Imaculada Conceição (AM 1490), antiga Mauá, com instalações na Estrada do Morro Grande, no distrito de Riacho Grande, em São Bernardo. Além delas, outras três têm licença para operar aqui, mas estão instaladas em São Paulo: Rádio Trianon, antiga Rádio Clube de Santo André (AM 740), Rádio Independência de São Bernardo, atual Rádio Universo (AM 1300), e a Rádio Cacique, de São Caetano, agora com nome de Rádio Mundial (AM 660).

 

COMO FUNCIONA O RÁDIO?  A gente não vê, mas as ondas de rádio estão em todo lugar. Essas ondas são chamadas de hertzianas (MHz), pois foram descobertas no século 19 pelo alemão Heinrich Rudolph Hertz e são transmitidas pelo ar, a partir das antenas de rádio, para todos os cantos. As ondas são captadas pelos equipamentos de recepção de rádio, que as transformam em som. AM (Amplitude Modulada) e FM (Frequência Modulada) apresentam diferentes características de ondas, uma com mais qualidade ou regularidade dos pulsos (FM), outra com mais força ou alcance (AM). Esta última mais sujeita a interferências de outros tipos de ondas eletromagnéticas. Já na difusão digital o que muda é que o ‘sinal’ – no caso um pacote de dados – é transmitido pela internet. A substituição, além de qualidade e alcance maiores, acaba gerando economia considerável. Na Noruega, por exemplo, há um ano até a frequência FM foi desligada.




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