Ordem e progresso?

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Miriam Gimenes

Fernandes
Crítica aos gastos desnecessários, elefantes brancos e manifestações arranharam a imagem do País. Ilustração: Fernandes

Junho de 2013. Milhares de pessoas, convocadas por redes sociais, fazem manifestação contra o aumento de R$ 0,20 no transporte público. O povo, unido, consegue não só derrubar o acréscimo na tarifa como abre precedente para a insatisfação ganhar as ruas. Foi assim na época da Copa das Confederações, com a votação da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 37, que sugeria restringir o poder do Ministério Público de investigar crimes de corrupção e acabou derrubada diante da pressão popular, entre inúmeros outros episódios. Mas nenhum fato causou tanta apreensão e repercussão quanto a realização da Copa do Mundo no País, iniciada no mês passado. As críticas ao superfaturamento dos estádios e a exaltação das reais necessidades da população – Educação, Saúde, Habitação etc – deram margem para que a hashtag #NaoVaiTerCopa ganhasse força na internet. E causou uma onda de medo e incertezas que extrapolou as fronteiras do território nacional e repercutiu mundo afora.

Contra os fatos não há argumento: está tendo Copa. A AirStrip, ferramenta de análise de mídias sociais, apontou que nos primeiros dez dias de junho a hashtag #VaiTerCopaSim superou a do movimento contrário e apareceu em 39.937 postagens no Facebook, Twitter e Instagram – a outra teve só 19.875 no mesmo período. E as tais manifestações, que chegaram a assustar estrangeiros (às vésperas do evento, a revista alemã Der Spiegel publicou capa com uma Brazuca pegando fogo), não arranharam o andamento dos jogos – que, verdade seja dita, estão sendo realizados muito bem, obrigado. E com resultados surpreendentes: nas 16 partidas da primeira rodada houve seis viradas de placar.

Não são só os resultados que têm agradado ao público. Tanto que muitos estrangeiros já estão falando que esta é a Copa das Copas. Um deles é o irlandês Daniel Sheahan, 55 anos, que já acompanhou oito mundiais e contou sua experiência para a Agência Brasil. “A atual Copa do Mundo está sendo a melhor de todas.” No entanto, isso não quer dizer que tudo esteja perfeito: “Em todas as Copas que fui houve algum tipo de problema, como preços altos, dificuldades com transporte ou furtos (ele já teve a mochila roubada em duas edições do Mundial). Mas isso faz parte de um evento deste porte”, disse Sheahan.

Os suíços Andre Urech e Ramona Rüegg estão no País pela primeira vez e assistem à segunda Copa – a primeira foi na África do Sul. “Está tudo tão bom que já decidimos: voltaremos o quanto antes ao Brasil.” Eles elogiaram a organização do evento, apesar da dificuldade com o transporte público: “Demorou cerca de 30 minutos para pegarmos um ônibus, e o táxi está muito caro”, reclamou Urech.

Vale dizer que o futebol, paixão nacional, nunca foi a maior preocupação. O que afligiu e gerou a onda cética em relação ao evento foram a falta de segurança, a estrutura, a implicação da Copa na vida da população e o famigerado ‘padrão Fifa’. O cientista político da PUC Pedro Fassoni Arruda, que pesquisa movimentos sociais e manifestações de rua, explica que o fato de dizerem que não haveria Copa reflete uma crítica a tudo o que o megaevento esportivo representa antes, durante e depois para os brasileiros.
Segundo ele, inúmeras pessoas foram removidas de suas casas para a construção dos estádios, algumas com violência policial, sem falar na morte de operários; no valor alto dos ingressos, que impediu a população menos abastada de participar da ‘festa’; e nas denúncias de superfaturamento das obras – o gasto com a construção dos estádios, inicialmente estimado em R$ 5 bilhões no total, chegou a R$ 8 bilhões. “O legado (da Copa) vai ser muito pouco. A maior parte desses estádios não será utilizada. No último campeonato estadual em Manaus, por exemplo, o público presente era de 5.000 pessoas. Ele (estádio) poderia ter sido construído no Pará, onde tem o Remo e o Paysandu”, analisa Arruda.

A fim de fazer valer o investimento de bilhões e matar o estigma de elefante branco, o Ministério do Esporte e a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) prometeram levar grandes clubes para jogar em Brasília, Cuiabá e Manaus. A conferir.

Durante a inauguração da Transcarioca (via de ônibus que liga o Aeroporto Internacional Antonio Carlos Jobim, no Rio, à Barra da Tijuca), no início de junho, a presidente da República Dilma Rousseff (PT) fez questão de falar sobre a herança da competição. “Eu, pessoalmente, acho que nenhum legado é da Copa do Mundo; todos são do povo brasileiro. Por exemplo, nós não estamos fazendo aeroportos para a Copa, mas para todos os brasileiros.” Só na primeira semana do Mundial, segundo a SAC (Secretaria de Aviação Civil), 3,7 milhões de passageiros se deslocaram de avião nos 20 principais aeroportos do País, o que representa 90% do fluxo.

A revista inglesa The Economist, por sua vez, elogiou os terminais aeroviários mostrando que apenas 6,5% dos voos atrasaram no primeiro fim de semana da competição, ainda que 15% deles tenham sido considerados aceitáveis pelos padrões internacionais. Na mesma reportagem, um brasileiro declarou que os investimentos em Saúde e Educação clamados por manifestantes não ocorreriam de qualquer maneira. E disse mais: “Com a Copa, pelo menos há a festa”.

Na opinião de Arruda, as vaias recebidas pela presidente em plena abertura do Mundial não deverão refletir nas eleições de outubro: “(O quadro político) não deve mudar muito, nem o favoritismo da Dilma, que continua liderando as pesquisas, apesar de ter perdido apoio nos últimos meses”.

Até o que era visto como potencial desastre transformou-se em euforia coletiva, chamada pelo jornal francês Le Monde de ‘milagre brasileiro’. E os gritos, que antes ecoavam quase que exclusivamente em forma de protesto, passam a agregar a sonoridade de um brado retumbante.

JEITINHO BRASILEIRO

A baixa autoestima dos brasileiros fez muitos crerem que não seríamos capazes de realizar um evento esportivo de tamanho porte; que tudo ficaria inacabado –



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