Trinta anos entre céu e mar

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Andréa Ciaffone

Desde a travessia do Atlântico a remo em 1984, Amyr Klink nunca mais parou de explorar o planeta

 

Domos geodésicos são o hobby atual do navegador e empresário Amyr Klink. As enormes estruturas em alumínio podem ser montadas e desmontadas rapidamente, são muito resistentes e, simplesmente, não servem para nada. “A beleza é que com o mínimo de massa elas oferecem o máximo de resistência. Uma estrutura de duas toneladas aguenta 25. Dá para pendurar dois caminhões”, explica durante conversa com a Dia-a-Dia. Seu entusiasmo é tanto que ele montou um domo de 15 metros de altura no quintal de casa, em Moema, São Paulo. “Outro dia pendurei o IAT no domo e decidi dormir lá”, conta o navegador, referindo-se ao lendário barquinho a remo que foi seu companheiro na sua primeira grande travessia – 7.000 quilômetros – realizada em solitário entre Luderitz, na Namíbia (costa Oeste da África) e Salvador, na Bahia.

Não foi uma noite tranquila. Desci três vezes, fui na cozinha, assisti TV às 3h da manhã. No mar não me sinto mal, mas pendurado no domo é diferente. Quando o contexto externo é ruim, a gente se adapta com mais facilidade. Na verdade, esse é um barco que foi feito para se movimentar constantemente, para interagir com o mar”, diz Klink, que classifica o IAT como barco de uma viagem só. “A beleza dele está nas sacadas de design que traz, a maioria vinda de engenharia empírica, popular. Ele tem coisas que engenheiros navais não pensariam em colocar num projeto. Por exemplo: foi feito para ficar em atitude estática mais da metade do dia. Quando eu parava de remar, ele ficava em ângulos que aproveitavam as ondas”, explica. Hoje o IAT mora no Museu do Mar, em São Francisco do Sul, Santa Catarina, do qual Klink é sócio-fundador.

O aniversário de 30 anos da chegada desta expedição foi comemorado dia 18 de setembro, uma semana antes de Amyr completar 59 anos – ele é de 25 de setembro de 1955. A efeméride é importante, mas há mais festa programada. Em 2015, Amyr faz 60 anos e celebra os 30 anos do lançamento de 100 Dias Entre Céu e Mar, livro no qual narra a história desta travessia e que já está perto da marca de 2 milhões de exemplares vendidos. “O processo de escrever foi sofrido, tão desgastante quanto a travessia. Talvez até mais cansativo. Não gosto de texto frouxo, sou superexigente comigo mesmo nesse campo”, afirma.

O livro foi sucesso instantâneo e rapidamente colocou o navegador no mapa dos empreendedores de sucesso. Economista formado pela USP (Universidade de São Paulo), Amyr não tem nada de aventureiro. Na verdade, ele é planejador detalhista, craque em projetos, ás da logística e um negociador objetivo. Tudo isso somado aos seus extraordinários feitos como navegador o transformaram em um dos palestrantes mais prestigiados do Brasil. São mais de 2.500 palestras proferidas no Brasil e no Exterior ao longo destes 30 anos que versam sobre 13 temas, que vão de criatividade a gestão de projetos, de liderança a sustentabilidade, de motivação a trabalho de equipe e que podem ser ministradas em português, inglês, francês e espanhol – idiomas em que Amyr é fluente. No Top of Mind 2014, ele ficou nos ‘top 5’ da categoria palestrantes.

O reconhecimento pela travessia a remo o ajudou a construir o Paratii (com dois ‘is’ mesmo), o famoso veleiro vermelho de apenas um mastro projetado para ser manejado por uma só pessoa. Com ele, Amyr já fez “mais de 40 viagens sem perder sequer um parafuso”, dentre as quais a mais famosa foi a que deu origem ao livro Paratii, Entre Dois Pólos, em que relata sua viagem de 642 dias, feita sozinho, em que visitou os dois extremos do planeta numa rota de 27 mil milhas que começou no quintal de sua casa em Paraty, litoral do Rio de Janeiro. 

No dia 31 de dezembro, a partida para esta viagem, iniciada em 1989, completa 25 anos – outra data para comemorar. Nesta jornada, ficou 13 meses na Antártica, incluindo todo um inverno preso no gelo da baía Dorian, onde contou com a companhia de mamíferos marinhos e milhares de pinguins. Depois deste tempo todo no gelo, decidiu ir até o outro pólo e partiu para o Ártico em 2 de fevereiro de 1991 com o objetivo de chegar até a mais alta latitude que pudesse. Chegou a 80 graus Norte, onde ficou por três ‘maravilhosas’ horas e tomou o rumo de volta para Paraty.

A terceira grande viagem em solitário foi a circunavegação da Antártica pela rota polar, percurso de 14 mil milhas cheio de perigos que foi realizado em 88 dias, também a bordo do Paratii. Essa experiência foi relatada no livro Mar Sem Fim. 

O mais complicado é que eu tinha de dormir em intervalos de 15 minutos para não correr o risco de chocar o barco em algum gelo flutuante”, conta. “Acho que usei toda a minha cota de sorte nas navegações em solitário. Por isso, decidi construir um veleiro, o Paratii 2, que prevê tripulação”, conta o navegador, que é sócio no estaleiro que construiu esse veleiro, considerado o mais moderno e seguro do Brasil. 

Com ele, Amyr, auxiliado por uma tripulação de cinco homens, realizou outra circunavegação polar, desta vez mais rápida: 76 dias, num percurso mais curto, de 13,3 mil milhas, realizado em latitudes ainda mais altas. As aventuras como gestor para viabilizar essa viagem estão no livro Linha D’Água, lançado em 2006. Nele, o empresário deixa claro que pode haver mais perigos em negociações feitas em salas com ar condicionado do que na navegação em regiões polares, assunto em que se tornou especialista reco nhecido internacionalmente.



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