O sucesso paralelo das fanfics

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Camila Galvez

Ao virar a última página de um bom livro, muitos têm a sensação de estarem órfãos. No mundo dos fãs da leitura, este envolvimento tem nome: ressaca emocional. No caso de sagas longas como Harry Potter – finalizada há sete anos pela autora J.K. Rowling com a publicação do sétimo livro Relíquias da Morte –, o sentimento de perda foi maior. Para satisfazer os que acham que o fim poderia ter sido um pouco diferente ou para os que, simplesmente, gostariam de saber mais sobre seus personagens favoritos, as fanfics explodiram na internet. Até hoje fazem sucesso recontando histórias dos livros, do cinema e de seriados de TV.
 
As fanfics são construídas baseadas em histórias que existem, mas com personagens e cenários próprios. O universo de Harry Potter popularizou o gênero no Brasil, porém, há tramas para Jogos Vorazes (já imaginou a Katniss com o Gale?), The Walking Dead (para quem não aguenta esperar Daryl e Carol se juntarem na série) e até para o clássico de ficção científica Star Wars, além de tantas outras.
 
Para o coordenador do curso de Letras da Universidade Metodista de São Paulo, Silvio Pereira da Silva, o gênero literário – que não tem a pretensão do lucro – pode auxiliar no desenvolvimento da escrita e da interpretação de textos, especialmente para jovens, que são maioria entre os ‘fanfiqueiros’. “Eles assumem postura de recriação ou continuidade da obra, utilizam a criatividade e adquirem habilidades que melhoram a produção textual como um todo.” Silvio lembra que muitos dos grandes nomes da literatura passaram pelo mesmo processo de ‘copiar’ o estilo de um autor consolidado. “Um exemplo é o poeta português Luís Vaz de Camões, que se inspirou em obras da antiguidade, como Homero e Virgílio, para escrever seu clássico Os Lusíadas.”
 
O mundo paralelo das fanfics conquistou a assistente administrativa Elizabete Antunes de Souza, 33 anos. Ela começou a escrever com Harry Potter e até hoje publica histórias do seriado de TV norte-americano Once Upon a Time. Ao relembrar o que escreveu, sempre se emociona. “Minha preferida é O Encantamento das Almas. Acho que se eu reler, vou ter as mesmas reações da primeira vez.”
 
Funcionária pública Amanda Carvalho Izidoro, 32, também começou a escrever em 2006 enquanto esperava o último livro do Harry Potter ser publicado. Agora, seu desafio é concluir obra autoral. “Já tenho 60% de um livro de ficção fantástica escrito, além de mais duas histórias com roteiros praticamente prontos.”
 
VIROU PROFISSÃO
Ana Beatriz Maistro Macedo, 19, de Santo André, é exemplo concreto de quem migrou das fanfics para os livros. A autora, moradora da região, publicou Lágrima de Fogo, em 2012 (Novo Século Editora, 312 págs.) e o mais recente, em 2014, A-LII (Editora Literata, 464 págs.). “Minha primeira fanfic apareceu logo que comecei a escrever. Assistia muito ao filme Em Busca Do Vale Encantado e queria que o personagem Littlefoot encontrasse seu pai, então, criei uma história assim. Depois, só voltei a escrever por causa de O Prisioneiro de Askaban e de Avatar: A Lenda de Aang.”
 
Em Harry Potter, Ana Beatriz era fã de Dramione (Draco Malfoy e Hermione Granger), um dos shippers (casais) mais famosos do fandom (universo dos fãs), mas também criou tramas sobre a época dos Marotos. A jovem navegou por outros mares, escrevendo histórias sobre Orgulho e Preconceito, Os Karas e A Viagem de Chihiro. “Até hoje não me conformo de não existir nem um curta-metragem que mostre o reencontro da Chihiro e do Haku”, lamenta.
 

Ana Beatriz escrevia em segredo e, por causa de uma amiga, seus primeiros capítulos de Lágrima de Fogo foram postados na internet. Com o sucessos dos textos e elogios dos internautas, tomou coragem para começar também a postar as fanfics. “Mesmo assim, nem nos meus sonhos mais bizarros imaginava tornar-me escritora. Quando era criança queria ser escritora, mas também bailarina, atriz, cantora, baterista, violinista, veterinária, professora e prefeita. Então, acho que não conta muito. Ser escritora foi algo que aconteceu.”   




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