Gil Plural

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Andrea Ciaffone

 Gilberto Gil é único por ser intensamente plural. E vice-versa. Sua individualidade é tão completa e original que ele permanece o mesmo nas múltiplas atividades que exerce, sempre com serenidade. Além de cantor, compositor e multi-instrumentista (toca violão, guitarra e acordeom) premiadíssimo, é também escritor, empresário (dono da Gegê Produções), ambientalista e político (atuou no Legislativo como vereador em Salvador e no Executivo, como Ministro da Cultura de 2003 a 2008). Mas a sua pluralidade vai além.

Ele é filho da Bahia (nasceu na capital e passou a infância em Itaguaçu, no interior), já morou em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília – portanto, é ‘coisa nossa’, mas também viveu em Londres (a ‘convite’ da ditadura militar) e desde então é cidadão do mundo, com fama em escala planetária. É o pai da Tropicália, mas já abraçou o reggae, o xote, o samba, a bossa nova e o rock. Já compôs jingles, trilhas de filmes e, em suas 525 canções registradas, passeia por quase todos os ritmos brasileiros, além de vários outros, de origem negra ou não.

Neste mês, assim que chegar de turnê pela Europa (algo que faz anualmente há décadas), Gil vai lançar seu 60º álbum: Gilbertos Samba. Sim, está no plural, sem erro algum. Na verdade, fez com o acerto de homenagear o grande João Gilberto, o pai baiano da bossa nova e inspiração decisiva para tudo o que foi feito na MPB depois dele. No novo trabalho, Gil dá uma nova interpretação para canções do mestre como Desafinado, incluindo a inédita Gilbertos, em que o homenageia explicitamente dizendo que ‘a cada ano surge um mestre e a cada 25 um aprendiz’. Neste trabalho, Gil também celebra o samba, ritmo que deu origem a tudo o que se faz na MPB.

Depois de marcar a história com composições vanguardistas, tanto em música como em temática, e de realizar fusões bem-sucedidas de ritmos, Gil continua a olhar para as realidades real e digital como um visionário, mas adverte que o mundo anda ávido demais, que é hora de a humanidade desacelerar e revelou, em entrevista para a Dia-a-Dia concedida depois de um show realizado no palco aberto do Auditório Ibirapuera, em São Paulo, que aos 72 anos, está reduzindo seu ritmo de produção.

 

GIl, aos 73 anos, lança seu 60º disco

“Comecei a achar que, de um tempo para cá, a melhoria (do mundo, do mercado) virá de desaceleração e não de aceleração. Sei que a população cresceu, as pessoas necessitam de mais emprego, renda e ocupação. As técnicas precisam ser desenvolvidas, o produto da ciência deve ser transformado em tecnologias para que possa fazer sentido e todos sejam beneficiados com novos fármacos e possibilidades da medicina. Mas, ao mesmo tempo, a gente vê São Paulo entupida, Rio de Janeiro congestionado, Tóquio andando a 5 km/h, Cidade do México idem. Então, é melhor desacelerar. Estamos numa fase crítica (da civilização). É hora de a sociedade perceber se deve conti-nuar acelerando ou se deve começar a desacelerar. Essa é a questão das próximas três décadas, com boa vontade, cinco décadas”, analisa Gil.

Em relação ao seu próprio mundo, o artista mantém a coerência. “Tenho a impressão de que a natureza tem seus ciclos. Na vida humana, a questão da desaceleração se resolve pela própria condição da vida: as pessoas nascem tenras e doces; crescem e pegam viço, chegam na idade adulta com toda a plenitude e energia e, depois, começam a decair. A resposta que a velhice exige de nós, humanos, é a desaceleração. É natural. É preciso que a gente perceba a naturalidade e que a transfira para o social, para o planeta”, diz com o olhar de ambientalista histórico, fundador da OndAzul, ONG (Organização Não Governamental) criada em outubro de 1990 com um grupo de notáveis defensores da ecologia, que inclui Fernando Gabeira, Fábio Feldmann, Carlos Minc e Alfredo Sirkis e que continua ativa com vários projetos em andamento e colecionando vitórias, como a recuperação de extensas áreas de mangue e de matas em encostas.

“Antigamente a (minha) volúpia era extraordinária. Em geral, a cada ano, produzia cinco, seis, dez músicas por mês. São mais de 500 registradas. Hoje já quero produzir menos, fazer menos, por causa de um senso natural de caminho andado, de percurso feito, de trabalho realizado. Já dei minha contribuição, o meu quinhão. Até meu próprio ego, que é o grande motor de tudo isso, já está bem satisfeito. E também por causa do mundo e do processo de desaceleração, de se aquietar, criar uma condição mais suave da relação com a vida, com a natureza que, cada vez mais, é um imperativo categórico”, diz o vencedor de oito prêmios Grammy, considerado o Oscar da música.

“Não gosto mais de ficar fazendo planos, dessa de dizer que ano que vem vou fazer isso ou aquilo. Deixo as coisas acontecerem. Sei que existe (uma espécie de) compromisso residual por causa de tudo o que já fiz. O que já realizei anda sozinho, mas me leva junto. Tem o repertório, o acervo, centenas de vídeos, milhares de fotos. A sociedade, ao acessar essas coisas, e também a imprensa dispondo de tudo isso, me leva junto porque tem sempre de fazer uma entrevista ou show. E tem também a cobrança: ‘Você precisa fazer um disco e músicas novas’. Como se mais de quinhentas não bastasse!”, disse rindo, às vésperas de partir para série de 20 shows de voz e violão em 40 dias por diversos países europeus. Na volta, prevista para o dia 10, faz o lançamento do disco Gilbertos Sambas e, em seguida, participa de um festival no Recife em dezembro. Logo no começo do ano, inicia-se a movimentação provocada pelo Carnaval baiano, quando o seu camarote, o Expresso 2222, chega à 16ª edição como um dos mais badalados do circuito Barra-Ondina.

Além disso, em 2015, Gil deve celebrar 50 anos de carreira. Sem dúvida, o jeito Gil de desacelerar é bem sui generis.
Mesmo que aparentemente ele não esteja exatamente seguindo seu próprio conselho, sua visões sobre o futuro tendem a se confirmar. O impacto da internet no mundo artístico foi algo que Gil antecipou. “Falei disso há dez anos, no Banda Larga Cordel, com canções como Pela Internet e outras. Também incor



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