O homem das cavernas no século 21

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Raija Camargo

A cada quatro minutos uma cidadã é vitima de violência no Brasil. 

“Agora você vai aprender a ser mulher.” Foi essa a frase que uma estudante de 25 anos ouviu ao ser violentada sexualmente em plena via pública de São Paulo. O episódio, que foi divulgado há menos de um mês por depoimento escrito pela vítima, ainda não teve solução. Os culpados sequer foram identificados, mas a dor causada pelo ato – também impulsionado por ela ser lésbica – ainda dá calafrios na jovem paulistana.

“Fui abordada por dois indivíduos que atiravam em minha direção palavras de cunho homofóbico e afirmavam coisas do tipo: ‘Se quer ser homem, vai ser tratada como homem’. Mandei-os ir para aquele lugar e que me deixassem em paz. Em seguida fui agarrada por quatro braços e forçada a ter relações sexuais com ambos que, agora, paradoxalmente, bradavam que ‘me ensinariam a ser mulher’. Claro que as expressões exatas foram eufemizadas pela minha incapacidade psicológica de repetí-las. Isso aconteceu numa via pública onde passavam automóveis, ninguém ofereceu ajuda, ou quiçá se incomodou. Desmaiei. Quando acordei estava perturbada e foi difícil aceitar o que tinha acontecido. Demorei 24 horas para poder falar com a minha mãe, mais ainda para falar com outras pessoas”, relatou a jovem, que terminou o texto com a frase: “É certo que a impunidade mais uma vez vigorará.”

Seja um ato contra homossexuais como o vivenciado pela estudante, dentro de casa ou no trabalho, os números são alarmantes: a cada quatro minutos uma cidadã é vítima de violência no Brasil e 56% dos homens reconhecem terem sido agressivos. Segundo pesquisa do Datafolha deste ano, duas em cada três paulistanas dizem que já sofreram assédio sexual, 35% só no transporte público. A violência contra a mulher acontece em diversos âmbitos sociais e culturais. Na última semana, o Irã enforcou a jovem Tasnin Reyhaneh Jabbaride, 26, condenada por matar um homem que, na sua versão, teria tentado estuprá-la, apesar de uma campanha internacional ter pedido o cancelamento da execução.

“A sociedade é violenta, até os debates presidenciais são agressivos. Isso também incita um tipo de destruição maior e aí fica um conteúdo cultural que paira na sociedade. Não temos efetivos programas preventivos contra a violência doméstica, só depois que a coisa já chegou a um nível grave. A prevenção tem de começar na escola e a parceria entre Saúde e Educação deveria existir neste sentido”, comenta a professora de Psicologia da Metodista Marília Martins Vizzotto.

Nas universidades, o cenário não muda muito. Diante de diversos casos registrados, principalmente em festas organizadas por alunos das instituições de ensino, está acontecendo um movimento de criação de coletivos feministas, que promovem o debate sobre o tema e ajudam na conscientização dos alunos. Exemplo é o coletivo feminista Geóloga Dinalva, da USP, que foi criado neste ano. Para a reportagem, as integrantes deixaram claro que não se manifestam por causas próprias e sim por ‘todas’. O nome do grupo é homenagem à geóloga e guerrilheira Dinalva Oliveira Texeira.

O Coletivo condena casos como o da estudante da USP que foi estuprada em 2011 durante festa tradicional da Faculdade de Medicina chamada Carecas no Bosque. Na ocasião, a garota, que não quis revelar o nome, foi violentada enquanto estava desacordada em uma das barracas da festa por ter bebido demais. “Aconteceu em pleno bar, com diversas testemunhas. Mesmo assim, foi desencorajada a denunciar o ocorrido para que não ‘sujasse’ o nome da Atlética (que organizava o evento) e da faculdade. O caso só veio à tona agora. Como estudantes, é comum ouvirmos falar de assédio, agressão, tentativa de estupro ou mesmo de estupro por aqui e isso, claro, não acontece só na USP”, enfatiza o grupo. De acordo com o Coletivo, o mais lamentável de tudo é que, na maioria das vezes, as vítimas são silenciadas e não recebem o tratamento adequado (médico, psicológico etc). “Está na hora de a sociedade perceber que o que mancha verdadeiramente o nome das instituições é a manutenção desta cultura, do machismo velado. O errado é esconder os casos ao invés de combatê-los”, concluem as garotas.

Lei 11.340/06 engatinha, mas traz resultados
Após oito anos em vigor, a Lei Maria da Penha não acabou com a violência contra a mulher, mas é considerada um marco para quem sofre com essa realidade. A titular da Delegacia de Polícia da Defesa da Mulher de Santo André Adrianne Mayer Bontempi acredita que a eficácia e rapidez da lei inibem as agressões devido à rapidez das medidas protetivas garantidas à cidadã. Antes, a diferença de punição era enorme. A mulher chegava na delegacia e era feito boletim de ocorrência, mas seguia no ritmo da lei convencional.

“Na pena anterior estava incluída a doação de cestas básica e isso gerava sensação de impunidade. Além de não existirem medidas protetivas (como o impedimento de comunicação do agressor com a vítima e com familiares), não tinha como afastar o agressor”, explica a delegada. Com a Lei Maria da Penha, o indivíduo é retirado do lar e não pode se aproximar da vítima. “Essa medida é de grande valia, pois se o homem ultrapassar o limite imposto, fazemos novo boletim de ocorrência e é pedida a prisão preventiva dele”.

Para a delegada, o ‘x’ da questão sempre volta ao machismo, à ideia de que o homem tem o direito de agredir a mulher. “Eles têm sentimento de posse, de propriedade. Quando ela dá sinais de que não quer mais o relacionamento, ele não a enxerga como outro ser humano. É preciso enfrentamento muito grande para romper o ciclo.” Segundo Adrianne, o Judiciário tem parcela de contribuição neste embate, mas isso não basta. “Devem existir outras formas de reeducar os agressores, rever a cultura machista. Trata-se de processo longo que ainda está no início”, complementa.

Por medo, as vítimas também acabam interrompendo o processo. Muitas retiram a queixa. “Infelizmente é comum que as mulheres venham à delegacia em momento de sofrimento, fazem o registro, têm orientação dos seus direitos e damos prosseguimento ao inquérito e processo. Às vezes, reatam o relacioname



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