Campo de guerra

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Dérek Bittencourt

Divulgação/Santos FC
Goleiro Aranha, do Santos, sofreu racismo contra o Grêmio

O ano de 2014 ainda não chegou ao fim, mas pode ser considerado um dos piores no que diz respeito a problemas envolvendo injúrias raciais no futebol do Brasil e do mundo. Não há um balanço oficial que exemplifique a situação com dados concretos, mas o fato de os próprios jogadores, a mídia e os árbitros ou responsáveis pelos jogos tomarem atitudes para expor e revelar tais acontecimentos fez com que o número de casos aumentasse a cada semana e as discussões sobre o racismo voltassem à tona em pleno século 21. Muitas delas aconteceram no nosso País que, atualmente, tem 53,1% de sua população negra (pretos e pardos) – portanto, a maioria, segundo dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2013) do IBGE divulgados no último mês. Se antes muitas das vítimas dentro das quatro linhas simplesmente ignoravam insultos e xingamentos vindos das arquibancadas, isto está mudando.

E não são poucos os exemplos frescos na memória, como os vividos pelo lateral-direito Daniel Alves (do Barcelona), na Espanha, o volante Tinga (do Cruzeiro), no Peru, ou o goleiro Aranha (do Santos), no Rio Grande do Sul. O primeiro, durante duelo de sua equipe contra o Villareal pelo Campeonato Espanhol em abril, se preparava para cobrar escanteio quando um torcedor adversário atirou uma banana no gramado. O brasileiro não teve dúvida: pegou a fruta, descascou e comeu, gerando ações por diversas partes do mundo – quem não se lembra do #somostodosmacacos? O caso do cruzeirense ocorreu em fevereiro no Peru, em duelo contra o Real Garcilaso, pela Copa Libertadores, e a cada toque na bola ouvia a torcida local imitar sons de macacos.

Já em agosto, na Arena Grêmio, em Porto Alegre, o Santos visitou o Grêmio pela Copa do Brasil e da metade em diante do segundo tempo, torcedores que estavam atrás do gol defendido pelo arqueiro santista passaram a chamá-lo de ‘macaco’. Uma torcedora em particular, Patricia Moreira, acabou flagrada por uma câmera da ESPN Brasil, com sua imagem correndo o País e causando reviravolta em sua vida – ela até pediu perdão dias depois e solicitou encontrar com o camisa 1, mas ele negou o segundo pedido. O clube foi expulso do torneio, mas 20 dias depois, no reencontro dos times no mesmo local pelo Campeonato Brasileiro, Aranha foi tratado com ironia e, novamente, foi alvo de chacota, jogando sob vaias e gritos de ‘branquelo’ e ‘Branca de Neve’.

Estes são os casos mais divulgados e que geraram mais discussão. Mas, no mesmo mês que Daniel Alves foi alvo na Espanha, o árbitro Márcio Chagas ouviu gritos de ‘macaco’, ‘o teu lugar é na selva’ e ‘volta para o circo’ de torcedores do Esportivo em jogo em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, e se deparou com bananas em seu carro na saída do estádio. Já em Mogi Mirim, o volante Arouca, do Santos, também foi chamado de ‘macaco’ por um torcedor do time local, gerando repúdio até da presidente Dilma Rousseff. “É inadmissível que o Brasil, a maior nação negra fora da África, conviva com cenas de racismo”, escreveu, na época, a chefe da Nação em sua conta no Twitter.

Falando especificamente do Brasil, o fundador da ONG ABC Sem Racismo, jornalista, advogado e poeta Dojival Vieira vê que o problema tem relação com a história do País. “O que acontece é que o Brasil, de uma vez por todas, precisa ajustar contas com a herança maldita da escravidão, que se projeta nos dias de hoje em pleno século 21 com situações de racismo explícito. O País tem de assumir que o problema existe e entender o que significa e quais suas consequências.”

Durante a Copa do Mundo, nenhuma situação com tal cunho foi registrado. Grande campanha foi realizada em conjunto pelo governo federal com apoio da Fifa (Federação Internacional de Futebol) e até da ONU (Organização das Nações Unidas). No entanto, o caso vivido por Aranha pouco mais de um mês após o fim do Mundial mostra que a calmaria foi pontual e que as injúrias, infelizmente, são recorrentes.

“O problema se repete, é insistente. É como um vírus, porque o racismo é como uma patologia social ao achar que uma raça é superior a outra. Na verdade, só existe uma: a humana. A ideia de que os brancos podem ser superiores por terem colonizado o País e por promoverem a escravidão por quase quatro séculos é construída por setores que tiram proveito desta situação de exclusão”, discorre Dojival Vieira, que criticou a campanha #somostodosmacacos encabeçada por uma agência de marketing e viralizada por artistas e esportistas. “Foi atitude oportunista, marqueteira e infeliz. As celebridades não se deram conta do mico que pagaram, reproduzindo uma campanha imbecil e agressiva. E onde estão essas pessoas agora que não se manifestaram a favor do Aranha? Essas iniciativas de antirracismo de marketing são para faturar sobre o momento, isto não é a reeducação da sociedade”, posicionou-se.

NO QUINTAL DE CASA

Marino diz que reviveu preconceito com caso Aranha


E o Grande ABC não passou impune dos problemas de ordem racial. Em 10 de abril, o São Bernardo foi a Curitiba enfrentar o Paraná pela Copa do Brasil. No fim do jogo, com o Tigre praticamente desclassificado, o volante Marino acabou expulso após falta em adversário. Enquanto saía de campo, foi ofendido por um torcedor que o chamou de ‘macaco’ e ‘gorila’, fato presenciado pela imprensa e registrado em ocorrência feita pelo atleta após o jogo. O clube paranaense foi multado em R$ 10 mil, mas a punição financeira não diminuiu a dor sentida pelo jogador.

“Passar por uma situação dessas dá raiva, tristeza, porque não estamos acostumados. Isso acontecer em pleno século 21 é brincadeira. Mas já passou, dei a volta por cima”, afirmou Marino, que



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