Caixa de pandora

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Eliane de Souza e Raquel de Medeiros

Em 1968, seis anos após a criação da pílula anticoncepcional, feministas queimaram seus sutiãs em frente ao Senado em Washington, nos Estados Unidos. Os lábios bradavam por igualdade, oportunidade e liberdade sexual. Era dada a largada para um caminho íngreme,longo, mas de grandes conquistas. As mulheres continuam a percorrê-lo, determinadas a conquistar mais e mais. Imaginem que em pleno século 21 ainda não é tão fácil assumir que nós gostamos de sexo sim. E quem não gosta, não é mesmo?

“O sexo só tem limite quando um dos dois se sente incomodado“, afirma a maquiadora Pietra Príncipe De Luca, 27 anos. Há alguns anos tal comentário chocaria a sociedade, uma vez que o papel da mulher era fazer do ato sexual uma prática para a procriação. Mas Pietra jamais pensou assim. Ela é contemporânea, sente prazer, procura o parceiro ideal, toma iniciativa nos relacionamentos de sexo casual e jamais espera que o bonitão, com  quem ficou na balada na noite anterior, telefone no dia seguinte. Ela não tem medo de falar sobre suas experiências sexuais com as amigas, inclusive na TV, onde apresenta o  programa Papo Calcinha, do canal Multishow. “Acho o sexo casual completamente plausível. Pode ser com alguém que você conheceu hoje por um amigo em comum na boate, com alguém com quem você gosta de dividir um pouco de seu tempo e seu tesão sem compromisso.“

Quem perdeu o bonde da história poderia acreditar que o despertar da mulher para o sexo  é fato recente e aconteceu após a flexibilização dos valores religiosos, por incentivo da mídia ou pelo desejo de se compararaos homens. Até porque antigamente alguns estudos  apontavam que a mulher não tinha desejo sexual. Mentira! A vontade de ser livre  sexualmente sempre existiu. Começou bem lá atrás. No período colonial as casadas e  insatisfeitas frequentavam as missas em busca de galanteios masculinos. Tudo muito discreto, secreto, por baixo dos panos. Até que em 1949, a corajosa filósofa Simone de Beauvoir publicou O Segundo Sexo, manifesto pioneiro do feminismo no qual propunha formas de relacionamento entre homens e mulheres. E ela não falava da boca para fora: extravasava os desejos pessoais em conjunto com o marido, o filósofo Jean-Paul Sartre,  em um casamento aberto e sem muitos limites. Cada qual vivia relações paralelas sem  que isso os afastasse como casal.

É fato que nós, mulheres, progredimos muito, mas, se ainda não alcançamos plenamente a liberdade sexual, em parte a culpa é nossa, que pensamos mais e agimos menos. “As  mulheres ainda se preocupam com o que o homem vai pensar se transarem no primeiro encontro. Enquanto pensarem assim, não estarão plenas. Até porque alguém quereria um homem que pense dessa maneira? Não serve nem para abrir a lata de palmito“, ironiza Pietra.

Se a mulher articulada pode espantar um homem retrógrado entre quatro paredes, a independente, com bagagem cultural e desejo consciente, assusta mais ainda. “Mesmo que esteja de calcinha fio dental, salto15 cm e uma quantidade quase imperceptível de celulite“, brinca Pietra, que desafia as mulheres a encontrarem parceiros que sejam exceções, mesmo que para isso seja necessário experimentar vários. Por que não?

Aqui no Brasil, Leila Diniz foi um dos ícones desta luta. Representava – e ainda hoje representa – a busca pela liberdade sexual. Ao revelar publicamente seus comportamentos e ideias sobre a liberdade sexual, recusar os modelos tradicionais de casamento e contestar a lógica da dominação masculina, ela personificou as radicais transformações da condição feminina no País. “Leila fazia e dizia o que muitas queriam fazer e dizer. Com vida amorosa livre e prazerosa, com o seu corpo grávido de biquíni, trouxe à luz do dia  comportamentos e valores já existentes, mas que eram vividos como estigmas, proibidos ou ocultos“, explica a antropóloga Mirian Goldenberg, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Liberdade com limites


“Em pesquisa com as camadas médias do Rio de Janeiro, quando as questionei o que mais invejavam em um homem, responderam em primeiríssimo lugar: a liberdade. Quando perguntei aos homens, quase a totalidade disse categoricamente: nada“, afirma Mirian.

Explicação para o resultado deste estudo é que a mulher hoje ainda vive engessada pelas regras da sociedade: ela pode e deve ter prazer sexual, mas não pode ter iniciativa nem manifestar desejo. “Não precisa ser virgem, mas deve ter poucos parceiros sexuais. A dupla moralidade impõe comportamento controlado para ela e livre para ele. Elas aceitam passivamente o controle sobre o seu corpo e sua sexualidade. Estão longe de ser meio Leila Diniz“, analisa a antropóloga.

Recentemente, comercial de uma marca de chinelos foi censurado no Brasil por mostrar uma idosa incentivando a neta a fazer sexo sem compromisso. A sociedade que se diz tão liberal mostrou-se indignada e reclamou.A propaganda foi retirada da TV, mas permaneceu na internet. Será que se fosse um avô com o neto causaria tanto furor? “De fato não há liberdade sexual para a mulher. Cerca de 90% delas ainda se sentem mal em fazer sexo por sexo, apenas 10% afirmam conseguir separar transa de afeto“, diz o psicólogo especialista em relacionamento amoroso Ailton Amélio da Silva, da Universidade de São Paulo. “Na prática, ela é mais travada, porque na sociedade ainda há o preconceito de se transar com vários pode até não arranjar namorado. E também porque para ela a transa sempre teve mais consequências, como a gravidez e a obrigação de educar esse filho“, esclarece o profissional, também autor do livro Relacionamento Amoroso.

Pesquisa feita pela Universidade do Texas, nos Estados Unidos, constata isso. Enquanto eles têm excitação relacionada à necessidade evolucionária de espalhar seus genes, elas fazem escolhas pensadas, pois carregam a responsabilidade se ficarem grávidas. Talvez essa seja uma das respostas ao fato de terem vida sexual com menos aventuras, mesmo com o advento da pílula anticoncepcional. O estudo revela que há muitos fatores que diferenciam o desejo sexual feminino do masculino. Enquanto eles são mais visuais, elas levam em consideração características como personalidade, senso de humor, confiança e status.

Na opinião de Ailton Amélio, a mulher terá dificuldade para alcançar a igualdade sexual.  “Isso está implantado na genética e demora muito para ser revertido. Biologicamente, como só pode engravidar a cada nove meses, não interessa transar a qualquer hora. Interessa mais qualidade do que quantidade.“

Para a sexóloga Regina Navarro Lins, ainda há esperanç



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