Um tempero diferente e voilá! Uma receita de 200 anos renasce. E isso só é possível porque alguém de outra cultura trouxe sua contribuição.

A culinária está na raiz da cultura de uma pessoa. A formação do paladar está intrinsecamente ligada à história pessoal de cada um. Por isso, quando uma pessoa passa a viver em outra cultura, é mais fácil se adaptar a outros aspectos da vida como roupas, música e esportes do que se ajustar aos sabores de um outro lugar. O que para uns é apetitoso e equilibrado, para outros é insosso. Já pratos saborosos para uns podem causar ataques de tosse ou parecer intragáveis para outros. Por isso, num mundo em que a maior parte das pessoas segue o figurino do politicamente correto e se diz aberto a outras culturas, a verdade sobre os preconceitos geralmente emerge na hora da comida.

A 100 Passos de Um Sonho é um filme sobre competição e paixão, disputa e reconciliação, preconceito e tolerância, sobre Oriente e Ocidente. E sobre uma guerra de vontades feita de diversas batalhas que chegam a ter um tom cômico por conta da mesquinhez dos competidores que chegam a romper a calma que caracteriza a bela e tranquila Saint Antonin Noble Val, na Provença.

De um lado, a cada vez mais deslumbrante Helen Mirren, que conquistou o Oscar de Melhor Atriz em 2007 por A Rainha (2006) no papel da rígida e perfeccionista Madame Mallory, a proprietária do elegante restaurante Le Saule Pleurer, que por 30 décadas ostenta uma estrela no Guide Michelin. A honraria é um prazer e um suplício porque indica que a culinária clássica que oferece é excelente, mas não extraordinária.

Do outro lado da rua, a exatos 100 passos, Papa Kadam, vivido pelo ator Om Puri, abre o Maison Mumbai, restaurante indiano típico, com direito a estética oriental, toalhas e plástico e música alta. Só que seu restaurante tem uma arma secreta, o talento do seu filho Hassam (Manish Dayal) que tem um dom fabuloso para a culinária e que rapidamente se apaixona por tudo o que Provença lhe apresenta, mas que sempre valoriza suas raízes – especialmente as aromáticas.

O filme mostra o percurso que as pessoas precisam percorrer para chegarem aos seus sonhos e à felicidade – especialmente se ela for no formato de estrelas no Guide Michelin.

Falando assim, parece que o filme é de uma doçura insuportável. Nada disso. As situações são bem temperadas – algumas com coentro, outras com pimenta e cardamomo – e mostram o lado mais mesquinho das pessoas normais. As disputas vão se sucedendo ao longo da trama e, para o expectador, elas deixam claro o quanto as batalhas fazem mal para os comabatentes. Papa Kadam é um patriarca que luta por seus sonhos de um jeito bem realista e que não teme mostrar sua cultura até para quem não quer conhecê-la. Outra presença que ilumina a tela é Charlotte Le Bon, que dá vida à jovem sous-chef, Marguerite, que simboliza a paixão dos franceses pelos ingredientes, pelo terroir, pela sutileza da culinária, mas que se mostra obstinada.

Ao de percorrer essas questões da alma humana, o filme mostra as paisagens deliciosamente bucólicas do Sul da França, com seus vegetais cheios de alma. Dirigido pelo sempre sutil Lasse Hallström, que deu ao mundo sucessos como Chocolate (2000) e Sempre ao Seu Lado (2009), o filme mostra uma rara visão de Paris. Comparada à idílica Saint-Antonin-Noble-Val, a Cidade Luz parece fria e quase ameaçadora. Com sua condução suave, Hallström mostra o lado engraçado da mesquinhez humana e com isso, arranca sorrisos e até algumas boas risadas da plateia.

O filme traz o selo Dreamworks, de Steven Spilberg e é uma coprodução com a empresa de Oprah Winfrey, que interpretou a personagem Sofia no filme A Cor Púrpura, dirigido por Steven Spilberg em 1985 e foi filmado nas locações. Na sequencias do mercado, por exemplo, não foram utilizados figurantes. O que se vê são os verdadeiros habitantes da cidade e os comerciantes.

Com estreia prometida para essa quinta-feira, A 100 Passos de Um Sonho tem tudo para conquistar quem gosta de filmes cheios de sabor, humor e sensibilidade.