'As pessoas se fecham em uma bolha'

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Miriam Gimenes

 
 
Filhos da cultura hip hop, OSGEMEOS cresceram na rua. Ao contrário do que acontece com as crianças de hoje, que geralmente estão com tablets e smarthphones em punho, Otávio e Gustavo Pandolfo, 40, portavam lápis de cor . E desenhavam. Os brinquedos não precisavam ser comprados: eram feitos. Uma simples bola de meia era motivo suficiente para os divertir . Foi com essa ‘filosofia’ que eles lapidaram as habilidades manuais, que rendem obras belíssimas como as que podem ser vistas na exposição AÓpera da Lua, no Galpão Fortes Vilaça, em São Paulo, até o dia 16. É lá onde estão 30 pinturas, três esculturas e uma vídeoinstalação em 3D, que trazem personagens do universo paralelo da dupla, denominado Tritrez. Não fosse a infâcia que tiveram, eles jamais teriam criado o seu fantástico mundo colorido. “V ocê vê que as pessoas se fecham em uma bolha. Têm de se divertir dentro dela, principalmente as crianças”, lamenta Otávio.
 
Paulistanos do Cambuci, os irmãos começaram a circular pela cidade bem novos. Na década de 1980 foram fisgados pelo hip hop e passaram a frequentar as ‘rodinhas’, inclusive o tradicional encontro no Metrô São Bento, de onde saíram artistas conhecidos como Thaíde, DJ Hum, Rappin Hood e Racionais MC’s. Eles eram os caçulas. “Era uma época de muita descoberta, de fazer para ver o que acontece. Anossa ge-ração abriu porta para todo mundo. Desde os movimentos hip hop, punk, de skate, rock, todos sentiam essa necessidade de se expressar . Tinham um certo medo de enfrentar o sistema, mas faziam.” Daí para começar a grafitar foi um pulo. Vale lembrar que tratava-se do final da Ditadura Militar e que fazer desenhos em paredes poderia não ser visto como uma atitude de garotos de família.
 
Só que eles nunca se preocuparam com essas e outras regras. “Ninguém tem de falar como, onde e porque fazer . Todo ser humano é livre para expressar o que quiser . O papel da arte sempre foi esse. Além de servir como uma válvula de escape, um portal para outra dimensão, também tem o papel de alertar , questionar”,acredita Gustavo. Por diversas vezes, grafittis feitos por eles em viadutos ou muros da cidade foram apagados, inclusive os que continham mensagem de crítica ao governo. Uma das pinturas dava conta de que existiam problemas maiores para o ‘Sr . Prefeito’ cuidar do que apagar muros desenhados. Para os irmãos, definir essa arte como marginal é uma forma de preconceito. “Pensar o que está nas margens é o que não presta... muito pelo contrário. É aí que surgem grandes talentos, não só na arte, como na música e dança. Se não tem opção, você aprende a criar”, acrescenta Gustavo.
 
Nas paredes do Mundo
O fato é que embora façam arte há 25 anos no Brasil, o trabalho deles ganhou primeiro a projeção internacional. Fizeram mostras individuais e coletivas em países como Estados Unidos, Cuba,
Chile, Itália, Espanha, Inglaterra, Alemanha, França, Lituânia e Japão. 
 
No País, a primeira exposição foi apenas em 2006, na mesma Galeria Fortes Vilaça. Eles entendem, no entanto, que a história do grafitti nos Estados Unidos é muito mais antiga e a prática já era considerada arte no início da década de 1980. “Aqui demorou muito para essa coisa acontecer . Quando aconteceu existiu muito preconceito, porque tratava-se de algo novo. Se a gente parar para ver , a força de artistas que vieram da rua é tão grande que alguns estão criando as suas próprias galerias”, comemora Otávio.
 
Eles ressaltam que atualmente a arte da dupla atinge pessoas de todas as idades. Tanto que a exposição atual, aberta há mais de um mês, é sucesso de público. Cerca de 1.800 pessoas passam diariamente pelo galpão, aberto de terça a sexta das 10h às 19h e, aos sábados, das 10h às 18h, com entrada gratuita. Nela, um dos locais mais disputados é a obra Retrato com o Paminondas, cujo personagem está inserido em um cenário que permite ao visitante tirar fotos ao lado de uma das figuras cativantes criada pela dupla.
 
E como música e arte andam lado a lado, assim como os irmãos, o nome não poderia ser outro. “Os momentos da nossa vida são partituras. Às vezes, é um pouco mais agressivo, às vezes fica neutro”, diz Gustavo. A ópera, em especial, ocupa sempre a trilha que rege a vida deles, já que foi um gênero que aprenderam a gostar por influência do avô. Como dá para notar , o gosto dos Pandolfo é um tanto eclético. Nos anos 1980, o que tocava no walkman deles era, por exemplo, as músicas do filme The Wall, do Pink Floyd.
 

A mistura de artes os fez construir esse legado, que também será exposto na bienal de Vancouver, no Canadá. Lá deixarão a sua marca registrada, que só descobriram que tinha talento para fazer em 1993, como um ‘lance espiritual’. “A arte é uma coisa que é difícil de explicar . É mais do que um instrumento, é algo que a gente acredita e tem a responsabilidade de dividir com as pessoas. Além de ver , elas vão sentir”, define Gustavo. Todos os trabalhos dos irmãos são feitos a quatro mãos, porque eles dizem ter os mesmos sonhos, ideias e talento univitelino. Na obra de OSGEMEOS, um é pouco, dois é bom e três não existe. 




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