O homem vitruviano

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Miriam Gimenes

O ícone renascentista Leonardo da Vinci foi cientista, matemático, engenheiro, inventor , anatomista, pintor , escultor , arquiteto, botânico, poeta e músico. Pelo menos dez de suas criações, entre elas o paraquedas, bicicleta e robô, mudaram o rumo da humanidade. Dono de curiosidade insaciável, o gênio elevava sua capacidade de inventar ao último. E se reinventava. Baseado nesta peculiaridade,
o humorista e repórter do programa CQC, da Band, Maurício Meirelles, 30, criou o termo leonardodavincização, que usa também para definir sua própria história. “Estou o tempo todo
me reinventando. Eu era músico, virei publicitário, agora sou comediante e repórter . Daqui a pouco posso ser astronauta. As pessoas pararam de ser uma coisa só”, explica. Assim como uma das obras mais importantes de Da Vinci – o Homem Vitruviano –, ainda que mude de posição, a simetria de
sua vida continua intacta.
 
E essas mudanças começaram ainda na adolescência. Em razão de uma proposta profissional recebida pela mãe e padrasto, o carioca, nascido no Grajaú, teve de vir de mala, cuia e sotaque para São Paulo. Detestou. Foi morar com a avó em Ipanema. “Estava na praia, sem mãe e sem pai. Era para hoje eu ser um perdido. Não que não seja...”, lembra, em tom de brincadeira. Por fim, cedeu à Terra da Garoa e mudou-se de vez. Foi difícil a adaptação? “A resposta melhor seria: muito difícil. Mas para um carioca com a cabeça mais paulista, que é o meu caso, foi fácil. Sou menos praia e
atividades físicas, e mais cultura, arte e cinema.” Por um revés do destino, a família voltou para o Rio de Janeiro e ele, do contra, decidiu ficar .
 
Maurício começou a namorar a moça que hoje é a sua mulher , morou na Praça da República ‘com traveco e traficante’ e, como fruto de seu trabalho de músico e professor , começou a ganhar dinheiro. Estudou Publicidade, profissão que atuou por seis anos, até descobrir a tal da veia cômica. Estava mesmo no sangue. “Meu avô, meu ídolo, foi o cara mais engraçado que conheci. Segui seus passos.” Quando subiu ao palco pela primeira vez e fez uma piada, que arrancou o riso de mais de trinta pessoas, descobriu seu maior talento e investiu no stand-up comedy.
 
Foi quando conheceu DaniloGentili que, ao ganhar programa solo,cedeu lugar para que fizesse teste para entrar no CQC, onde trabalha há três anos. “Está sendo a melhor época da minha vida. Vi o Obama subindo em um palco quando se reelegeu, a Copa do Mundo, o Haddad assumir a primeira eleição dele, Lula discursar quando terminou o tratamento do câncer . São coisas que não vou vivenciar em outro lugar . Isso é o mais legal para mim, dane-se a grana.”
 
Maurício também passou a ser bem quisto pelas celebridades – tornou-se amigo pessoal de Claudia Leitte –, o que dá um plus nas reportagens que faz. “O mundo das celebridades é uma bosta. Acho horrível, efêmero e imbecil. Mas toda celebridade tem um lado que não quer ser celebridade. É aí que eu ganho. Sou zero glamour , totalmente ‘é nóis’ na vida. E todos eles têm um lado disso. O cara mais coxinha é aquele que dá risada de piada politicamente incorreta, que vai no boteco beber cerveja”, acredita. Ele os tira do pedestal e os chama para a realidade.
 
Para o humorista, o CQC e o Pânico revolucionaram a televisão. “T udo que veio depois é agregado. O Pânico tem humor mais bonachão e o CQC, mais sofisticado.” Embora a audiência não seja a das melhores – segundo Maurício, nunca deu mais do que 6 pontos –, o CQC é assistido pelos maiores formadores de opinião do País. “O Serginho Groisman, de quem sou superfã, disse que gosta do meu trabalho. Esse é o grande lance para mim.” Até porque, lembra, é possível deixar sua marca em cada trabalho, embora tenha uma equipe por trás. “É muito fácil ser gênio na internet, porque só tem eu. Se as coisas derem certo é resultado de competência minha, é meu projeto. ATV tem minha ideia, do produtor , corte do editor , do diretor , patrocinador . Você consegue ser autoral na sua limitação e, quanto mais limitado você é, mais criativo pode ficar o resultado.”
 
Politicamente correto
Vivemos a era do politicamente correto. O que antigamente poderia parecer engraçado em piadas feitas por Chico Anysio ou Jô Soares, hoje soa racista ou preconceituoso. E os comediantes, principalmente da geração de Maurício, têm de ter jogo de cintura para lidar com essas ‘regras’. “A coisa que mais me irrita é as pessoas me olharem e falarem: ‘você não pode falar isso.’ Posso falar o que eu quiser , você pode não concordar . Aeficiência do comediante vai da forma como ele aborda um tema difícil. É fácil falar de trânsito, agora quando toca em temas como aborto, ou você é imbecil ou gênio. Depende de cada um.”
 
Maurício acha que o grande problema atual é a chamada ‘caixa de comentários’, inclusive nas redes sociais. “Hoje você é obrigado a opinar sobre tudo, mesmo que não tenha opinião sobre nada.” Basta postar algo que, de uma hora para outra, o humorista pode ser execrado no universo online. Mas o rapaz parece não ter medo disso. Tanto que a sua definição na página do Instagram, em que possui 54 mil seguidores, é ‘um idiota, mas não ao ponto de usar boné John John’.
 
É por isso e por ter a função de fazer rir que ele não quer ser levado a sério. Usou essa máxima no nome de seu show stand-up Não Me Leve a Sério, itinerante no Estado. E no final da apresentação produz um dos seus quadros de maior sucesso, postado no seu canal do YouT ube: o Facebullying.
Maurício escolhe uma pessoa da plateia, pede sua senha da rede social, comenta fotos, conversa no chat e faz postagens como se fosse o dono (a) da página. “O Facebook é mágico. É onde as pessoas mais se levam a sério. Todo mundo é especialista, todo mundo mora em Paris, todo mundo quer ajudar os animais, todo mundo tem um puta abdômen, todo mundo é f...(risos). Faço uma espécie de trote 2014.” Outro projeto que Maurício disponibiliza em seu canal é o Tosco Show, entrevistas feitas com anônimos em pontos de ônibus. É lá, na espontaneidade popular , em que o repórter consegue as declarações mais engraçadas e entrevistas peculiares.
 

E, o mesmo homem que chora toda vez que assiste a um filme da Disney – inclusive o Monstros S.A. e Peixe Grande



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