O mundo de Blat

Envie para um(a) amigo(a) Imprimir Comentar A- A A+

Compartilhe:

Raija Camargo

 

 

Apesar de somar inúmeras novelas em seu currículo na Rede Globo, o ator Caio Blat destoa dos colegas de profissão que priorizam a boa imagem, corpos delineados em academias e contratos publicitários. Nascido em São Caetano e criado no Ipiranga, foi uma criança adiantada em vários aspectos. Aprendeu a ler com seus avós antes mesmo de ingressar na escola e estreou na televisão em O Mundo da Lua, da TV Cultura, aos 11 anos. Apaixonado por leitura, gastava suas mesadas comprando livros e até arriscou uma obra autoral. “O nome era O Último Suspeito. Escrevi aos 13 anos. Adorava ler romances policiais, era fã da Agatha Christie, e decidi escrever, mas era muito primário. À época, ganhei uma bolsa de estudos no colégio e um festival de livros”, relembra.

De férias na Rede Globo após o sucesso na pele do monge budista Sonan Gyatso em Joia Rara, o ator planeja agora estrear como diretor de cinema trazendo o mundo da literatura para dentro das telonas. E já está com roteiro pronto. A história, que conta a vida de um garoto de 16 anos, é a adaptação de um romance do catarinense Cristóvão Tezza, mas o projeto ainda está em fase de maturação. Enquanto isso, nas horas vagas, Caio delicia-se lendo o escritor português Valter Hugo Mãe e convivendo com a família – a atriz Maria Ribeiro, sua mulher, e o filho Bento, de 4 anos. 
 
NOVELAS
Hoje aos 33 anos, Caio Blat pode se orgulhar de ter uma carreira consistente, digna de atores com mais tempo de estrada, graças à quantidade e variedade de personagens que já interpretou. Após sua estreia na telinha, emendou um trabalho após o outro, sempre requisitado por autores e diretores. Em 1999, foi contratado pela Rede Globo para fazer o papel do jovem João Batista na minissérie Chiquinha Gonzaga. Depois disso, a maratona de atuações em novelas globais nunca mais acabou. 
Mas os trabalhos televisivos não lhe impedem de se dedicar a outras artes com o mesmo afinco que caracteriza sua performance na teledramaturgia. “O maior desafio para um ator conhecido é conseguir conciliar a carreira para fazer televisão, que é muito importante, e ao mesmo tempo encaixar os projetos de cinema, teatro e participação na sociedade. Acredito que o artista tem de se aproveitar da mídia, mas também tem que ter uma comunicação direta com seu público.”
Com 1,70 m de altura e corpo franzino, Caio impressiona a crítica e os colegas pelo empenho na preparação para dar vida a seus personagens na TV, no cinema e no teatro. Para viver Macu, um jovem morador de periferia entrando no crime, do filme Bróder, passou meses morando no bairro carente do Capão Redondo, em São Paulo, a fim de experimentar situações que o fizeram perceber os desafios do dia a dia de quem vive na comunidade. “Eu não saberia representar um morador do Capão Redondo se não vivenciasse aquilo. Existe a psicologia do personagem e a sociologia dele: onde ele cresceu, quais foram suas influências, quais são suas relações, como ele é com os amigos, com a família. Isso a gente só descobre quando vai para o lugar onde o personagem vive. Enquanto os próprios moradores do Capão não percebiam que eu os representava e não me reconheciam como um deles, eu não me sentia  pronto para fazer aquele filme”, explica o ator.
Seus laboratórios costumam ser tão intensos que Caio incorporou a religião do personagem do último folhetim em que trabalhou, Joia Rara, em sua vida real. “Comecei a estudar o budismo para a novela. Já apreciava as culturas orientais e havia lido bastante sobre o taoísmo. Sempre fui ligado ao espiritualismo. Agora, medito todos os dias. A filosofia budista me ensinou a ver mais a vida como um sonho, e menos como uma coisa real.”
Além dos cuidados que tem com seu lado espiritual, Caio é extremamente engajado como cidadão. Durante entrevista exclusiva à Dia-a-Dia, comentou sobre os polêmicos rolezinhos. “É uma forma de o jovem ocupar um espaço em que muitas vezes não é bem-vindo. Deveria ser um ambiente democrático e público. No Brasil dizemos que não há racismo, mas muitas vezes um morador de periferia entra em um shopping e acaba sendo abordado por um segurança. Acho isso um absurdo, uma vergonha. Então, o rolezinho é uma forma de mostrar que a democracia é para todos e que todo espaço deve ser para todos.”
O ator fala com propriedade sobre o assunto também por já ter experimentado na pele os olhares de preconceito. “Fazendo Bróder, cheguei a um restaurante e não fui atendido por causa da minha aparência. Estava com a cabeça raspada. Então, imagino como deve ser para esses jovens crescer sentindo esse tipo de preconceito”, observa Caio, sem esconder a paixão pela sétima arte. Seus últimos longas-metragens foram Alemão e Entre Nós, onde contracenou com sua mulher, Maria Ribeiro. 
Suas reflexões e críticas não poupam sequer o futuro da televisão aberta e seu próprio trabalho. “Sou apaixonado pelo teatro. Todos os projetos que penso são no palco, mas o cinema brasileiro está vivendo um momento fantástico. Temos aproveitado isso fazendo filmes importantes. Há dez anos tenho filmado muito. Hoje sinto orgulho da minha história no cinema. Mas a televisão é nosso meio de comunicação mais importante e está em um processo de transformação muito grande. É necessário pensarmos hoje como vai ser a TV daqui para frente. Ela está mudando, acabando na forma como nós a conhecemos, e acredito que os canais vão virar grandes portais, onde você vai poder acessar milhões de conteúdos. Hoje, na televisão aberta, só cabem 24 horas de programação, porque ela funciona dentro do horário. Quando se tornar um portal, vão caber milhões de horas e as pessoas em casa vão se tornar donas da programação; vão escolher a hora que querem assistir. Então, vamos ter que fazer produtos de muita qualidade para ganhar a preferência do espectador.”


Diário do Grande ABC. Copyright © 1991- 2024. Todos os direitos reservados