Sintonia com a bola

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Heloisa Cestari

Nelson Motta passeou por diversos gramados e bateu um bolão nas mais variadas posições do cenário cultural. Foto: Daniela Dacorso

O juiz apita. A bola ziguezagueia batida pelo gramado, num indo e vindo infinito. Os jogadores xingam, e a torcida levanta os braços sincronizada no movimento da ôla, como uma onda no mar do mais emblemático hit do zen-surfismo. Gooool! O grito reverbera como música aos ouvidos de todo torcedor. Coisas do Brasil... Mas nenhum par de orelhas é tão melódico quanto o de Nelson Motta. Com tímpano musical, faro jornalístico e língua poética, ele já passeou por diversos gramados e bateu um bolão nas mais variadas posições do cenário cultural.


No verdejante campo da música, produziu o Festival Hollywood Rock e discos para artistas do quilate de Elis Regina (com quem teve um relacionamento amoroso), Gal Costa e Marisa Monte. Também compôs mais de 300 canções em parceria com grandes nomes da MPB, a exemplo de Dancing Days, com Ruban Sabino, e do hit Como Uma Onda, com Lulu Santos. No ofício de jornalista, já assinou colunas para O Globo, Folha de S.Paulo, Estadão e atualmente responde por um quadro semanal, sobre cultura e comportamento no Jornal da Globo. E como escritor, deu à luz os best-sellers Noites Tropicais e Vale Tudo (biografia de Tim Maia que também estourou no teatro), além de obras de ficção como O Canto da Sereia, que originou uma das minisséries líderes no ranking de audiência global.


Mas seu destino é querer sempre mais. Agora, Motta revela sua paixão pela bola no recém-lançado livro Resenha Esportiva – Dramas, Comédias e Tragédias de Sete Copas do Mundo (Editora Benvirá, 216 páginas, R$ 32,50), em que narra ‘causos’ curiosos de suas coberturas jornalísticas em sete mundiais da Fifa, duas Olimpíadas e um Pan-Americano. Desde 1966, quando ainda era um jovem estudante de design embasbacado na Liverpool dos Beatles, até 2012, quando teve a oportunidade de conferir os jogos de Londres ao lado do neto de 16 anos. Confira a seguir os melhores e piores momentos de suas incursões pelo paralelo universo da bola.

 

DIA-A-DIA – Como no Tapete Mágico de Caetano Veloso, o senhor conta no livro que viu os Rolling Stones tocando, Muhammad Ali lutando, Maradona jogando e ouviu Sinatra e João Gilberto cantando ao vivo. De todos esses momentos, houve algum que lhe tocou mais?
NELSON MOTTA – Talvez o João Gilberto, porque foi o primeiro voo nesse tapete mágico dos privilégios, quando eu tinha 16 anos. Ser amigo do Caetano Veloso, ver Pelé e Garrincha jogando e assistir aos desfiles da Beija-Flor com Joãosinho Trinta também.

 

DIA-A-DIA – Qual a melhor Copa de sua vida?
MOTTA – A de 1966, em Londres e Liverpool, porque foi a primeira, e tanto quanto o primeiro sutiã, uma Copa, com 22 anos, não se esquece. O Brasil não jogou nada e foi eliminado nas oitavas, mas a emoção de estar em uma Copa é inesquecível. Já as que me deram mais alegrias foram a de 1970, no México, e a de 1982, na Espanha, que também me deu a maior tristeza de todas: ser eliminado pela Itália no Sarriá.

 

DIA-A-DIA – E qual o gol ou lance de jogo que mais marcou?
MOTTA – A final da Copa de 1970 no México, dando um chocolate de 4 a 1 na Itália, que era um grande time. Foi maravilhoso estar lá, aos 26 anos, como correspondente da Última Hora, do legendário Samuel Wainer. Trabalhar com ele foi outro voo de tapete mágico.


Torcida italiana é uma das mais apaixonadas por futebol, na opinião do jornalista

DIA-A-DIA – O que espera do Mundial no Brasil? Confia que todos os problemas de infraestrutura darão certo na reta final? Como comenta no livro, o mais provável é que a gente diga ‘não temos nada, mas fizemos tudo’, como indicava placa no Chile, ou ‘tínhamos tudo e não fizemos nada’?
MOTTA – Roubalheira e desperdício nos estádios, sedes desnecessárias incluídas por politicagem, obras de mobilidade urbana imobilizadas, enganação... Levaram sete anos para licitar a concessão dos aeroportos mesmo sabendo que não poderiam bancar as indispensáveis reformas e construções, e a Dilma ainda vem dizer que vai ser a Copa das Copas – só se for para os empreiteiros e políticos. E quem acredita, como asseguraram Lula e Dilma, que o Copa seria feita com recursos privados? Para a Seleção vai ser muito duro. Não jogamos as eliminatórias, que é onde o time se prepara para a guerra. Ganhar em casa é quase obrigação; perder pode ter consequências imprevisíveis.

 

DIA-A-DIA – Qual a sua aposta para a grande final?
MOTTA – Acho Alemanha, Espanha e Argentina os melhores times. O Brasil.… bem… se Neymar e Fred estiverem em forma, pode chegar lá. Mas a mais excitante e aterrorizante final seria contra a Argentina, no Maracanã.


DIA-A-DIA – No trecho do livro em que fala da cobertura em Sevilha, lembra que os espanhóis, apesar da “incipiente simpatia”, se assustavam um pouco com os batuques e bermudas da torcida canarinho, que fala alto pelas ruas e até se fantasia. Na sua opinião, qual a imagem da torcida verde-amarela no Exterior? Essa recepção aos brasileiros muda conforme o país?
MOTTA – Geralmente a recepção é boa, todo mundo gosta de samba e de bunda. Depende do que o time fizer em campo: se brilhar, a torcida também vira um sucesso.


DIA-A-DIA – Fora a brasileira, qual a torcida mais apaixonada que já encontrou?
MOTTA – A italiana, que canta óperas; os holandeses, com sua alegria civilizada; e a Argentina, que é brabeira, paixão total, dá até medo. Acho que a paixão praticamente nivela todas as torcidas.

 

DIA-A-DIA – O senhor já compôs músicas; produziu discos; escreveu crônicas, livros e roteiros; revelou talentos... Há ainda alguma coisa diferente que gostaria de fazer profissionalmente?
MOTTA – Não, obrigado, j&a



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