Respeite o moço

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Miriam Gimenes

Nario Barbosa
"Permita-se reiventar a própria história o tempo inteiro."

Símbolo de status nos séculos 19 e 20, o bigode era uso obrigatório de homens importantes. O pintor espanhol Salvador Dalí (1904-1989), dono de um ‘adereço’ peculiar, o deixava crescer na mesma proporção em que ficava famoso. Dizia que queria passar despercebido. Essa talvez tenha sido a intenção do estilista Ronaldo Fraga quando adotou uma de suas marcas registradas, embora a ideia dele fosse parecer o escritor Eça de Queiroz (1845-1900), e não o surrealista. Dono de uma timidez crônica, confessa que as diversas ‘máscaras’ que adotou na vida o ajudaram a viver melhor. “As pessoas deveriam brincar mais com o cabelo que têm, com o rosto, porque nada é para sempre. Acho curiosa aquela pessoa que tem o mesmo corte de cabelo a vida inteira. Um novo penteado ou uma nova roupa pode dar uma sensação de mudança de personagem para uma nova história. Então, permita-se reinventar a própria história o tempo inteiro.” Ouviram? Respeite o moço. Além de ser um dos profissionais mais gabaritados da moda brasileira, ele é bigode grosso.

Ronaldo segue à risca esta consciência. Ninguém imaginaria que aquele menino mineiro da capital, “mestiço quase sertanejo”, que ficou órfão cedo e foi criado, junto aos irmãos, por familiares e amigos, ganharia notoriedade nacional e internacional. Ele não se restringiu aos limites de sua terra natal e começou a reinventar sua trajetória em um ponto de ônibus. Curioso, olhou as pastas que uma vizinha portava, do curso de figurinista que fazia no Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial). No dia seguinte, Ronaldo foi se matricular. Tempos depois, cursou Estilismo na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), ganhou um curso na Parsons School of Design, em Nova York, e foi para Londres em seguida. Mesmo ouvindo de professores que morreria de fome com seu estilo – aliando cultura e moda –, insistiu. “Faço uma moda que bebe ou se inspira em questões que ainda são caras e negadas para o mercado. Isso eu acho que acaba sendo minha diferença”, conclui, ressaltando que o encontro com a vizinha estava predestinado como um de seus caminhos e o livre-arbítrio o teria levado ao patamar que se encontra hoje. “Às vezes, a mudança está ao nosso lado e não conseguimos enxergar. Se eu rezo para alguma coisa, é justamente por isso, para que Deus mantenha meus olhos bem abertos. Ele tem mantido. As oportunidades vêm, e eu as tenho abraçado.”

O estilista está tão atento aos ensejos que chegou aonde não imaginava: há pouco, recebeu o título de um dos sete estilistas mais inovadores do mundo pelo Design Museum, de Londres, e uma peça sua, da coleção Carne Seca, permanecerá exposta na capital inglesa até agosto. Trata-se do mesmo museu que costumava frequentar quando morou lá, mas que jamais suporia que fosse ceder espaço a um brasileiro. “O grande mérito (desta eleição) é de que uma nova geração pode olhar (para este resultado) e dizer: ‘Eu posso’.”

Durante todo o tempo em que esteve na Europa, ele sabia que voltaria para o Brasil porque é aqui o lugar mais difícil para produzir, ganhar dinheiro e viver. “O maior desafio é aqui. É um país que está para ser construído.”

Embora árduo, o trabalho em prol de seu mercado, em conjunto com os inúmeros profissionais do setor, surtiu resultado. A indústria da moda – que hoje possui 300 mil empresas formais e representa 5,5% do PIB no segmento de transformação – cresceu 300% na última década. Mas ainda há muito o que fazer.

Croqui da coleção que exalta o otimismo

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Em seu último desfile da São Paulo Fashion Week, no início de abril, Ronaldo inspirou-se nas obras de Cândido Portinari (1903-1962). Além das peças diferenciadas e toda a história por trás da coleção, o estilista trouxe à tona o lançamento do primeiro fio biodegradável do mundo, criado pela Rhodia, do grupo Solway. O Amni Sou Eco é confeccionado em poliamida, que se desintegra 50% em pouco mais de um ano em aterros sanitários. “Quando eles me procuraram e apresentaram o produto, eu aceitei de pronto. A poliamida tradicional dura 100 anos no meio ambiente. Isso é uma revolução. Tem um gosto superespecial e poderoso não só porque eu estou contando essa história, mas principalmente porque isso acontece em um momento de apatia dentro do setor têxtil brasileiro. É uma indústria que está por um fio, literalmente; que perdeu o vigor que tinha há 20 anos, e acho emocionante quando vejo empresas investindo em novas tecnologias e no futuro.”

Fraga, no entanto, não se preocupa com a inovação apenas pela inovação. O estilista é movido também – e muito – pela emoção. “Quando falamos de algo que tem relação direta com um bem de consumo, que é a moda, se aquilo não emociona, não estimula a consumir. A moda é um instrumento de transformação. Você tem de balançar a pessoa em sete ou oito minutos. Esse é meu grande desafio, e me dá grande prazer.”

Há dois anos, no entanto, este prazer deu lugar ao ‘saco cheio’ e ele afastou-se por um tempo da semana de moda de São Paulo. “Além disso, tinha um livro, uma exposição, mil projetos, e o meu desejo mesmo é de fazer um desfile por ano. Por mim, basta, porque não tenho tempo de desenvolver todo volume de possibilidades que aquela coleção permite em um espaço de quatro meses”, justifica. Geralmente, isso dá certo com fast fashion, o que não é o caso de Fraga, que considera essencial ter um momento de respiro.

Ainda assim, é ferrenho defensor da São Paulo Fashion Week porque os desfiles ajudaram a construir uma cultura de moda no País. Hoje, passamos por um novo desafio que é a concorrência de marcas internacionais com força de marketing, produção barata e interesse de consumidores. “Esse momento pede que o evento repense toda a sua estrutura, o seu casting; as formas de pensar, criar, vender e consumir moda no Brasil.” Sim, porque não é só de



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