No controle

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Andrea Ciaffone

Vários queixos caíram quando o jovem piloto brasileiro Nelson Piquet, correndo pela Brabham, virou a volta de classificação para o Grande Prêmio da Inglaterra de 1979, no circuito de Silverstone, mais rápido do que seu companheiro de equipe, o então bicampeão mundial Niki Lauda. Os especialistas sabiam que, sim, ele era uma grande promessa. No ano anterior, havia batido o recorde de número de voltas em uma mesma temporada na F-3 inglesa, que há mais de uma década era do escocês Jackie Stewart – àquela altura, tricampeão mundial (1969, 1971 e 1973) e um mito das pistas. Mas, daí a deixar para trás o austríaco que havia vencido os mundiais de 1975 e 1977, era algo surpreendente para todo mundo, inclusive para o projetista da escuderia, Gordon Murray, e o chefão Jack Brabham.
O que ninguém – além dos mecânicos que atuavam no carro do brasileiro – sabia era que o bom resultado teve a ver com a iniciativa do jovem piloto de intervir no veículo para torná-lo quase 20 quilos mais leve. “Sempre fui apaixonado por mecânica. Aliás, foi essa paixão que me levou para o automobilismo. E tinha cabeça de engenheiro. Então, resolvi me livrar de tudo o que não tinha uso no carro para deixá-lo mais leve”, conta Piquet, 61 anos, que cursou três semestres de Engenharia Mecânica na UnB (Universidade Federal de Brasília) e só não concluiu por causa da vida de piloto. “Tirei tudo mesmo. Não deixei escapar nada. Em Silverstone, só se usa três marchas. Então, mandei retirarem as engrenagens das outras. Aquilo pesava uma tonelada! Claro que fiz tudo sem pedir autorização para o Jack e o Gordon”, conta Piquet, que admite ter chegado várias vezes à temeridade de esvaziar o extintor de incêndio do automóvel para reduzir umas gramas do veículo. “Eu tinha essa coisa com peso, que era uma variável que a gente tem como controlar. E não era só com o carro: eu também me cuidava para me manter magrinho e leve”, revela o ex-piloto.
Ironicamente, nos anos 1980, Piquet teve como companheiro de equipe na Williams-Honda o inglês Nigel Mansell, que era considerado muito pesado pelos especialistas e só foi campeão mundial em 1992, depois de ficar conhecido como pé-frio porque por várias vezes, com o título praticamente nas mãos, teve problemas com o carro.
Piquet não é de delegar poderes para a sorte, mas não deixa de aproveitar quando ela passa perto para otimizar suas chances. Um caso clássico desta sua habilidade ocorreu em uma situação envolvendo Mansell. Vale dizer que a rivalidade entre os pilotos era clara. Naquele ponto, o brasileiro já havia faturado os títulos de campeão mundial em 1981 e 1983, ambos pela Brabham, e seu contrato com a Williams-Honda lhe dava o direito de preferência sobre o carro reserva – algo que costuma ser privilégio do primeiro piloto da equipe. Na prática, isso significava que a filosofia dos diretores da nova equipe, Frank Williams e Patrick Head, era de não fazer distinções ou conceder privilégios. Diz a lenda que o próprio Frank Williams teria declarado que a estratégia conhecida como ‘jogo de equipe’ (em que a diretor do time dá preferência para o primeiro piloto em detrimento ao segundo) não funcionava na vida real e que, se Mansell fosse mais rápido, não ia mandar ele reduzir para deixar Piquet passar.
Era o GP da Alemanha, circuito de Hockenheim, corrida com 45 voltas realizada no mês de julho. Tratava-se da décima prova da temporada, um momento em que o campeonato mundial tende a estar embolado. Na 15ª volta, Mansell erra, sai da pista e, quando volta, percebe alguma coisa errada com seus pneus. Para não perder competitividade, avisa a equipe que fará parada nos boxes para trocar o conjunto. Os mecânicos preparam tudo, mas quem entra no pit stop para mudar os pneus é Piquet, que, mesmo sem necessidade, resolveu antecipar a troca. Com a vaga ocupada, Mansell foi obrigado a correr ‘devagar’ mais uma volta antes de substituir os pneus, o que impactou negativamente no seu desempenho. Na hora do pódio, o inglês ficou em terceiro, Piquet venceu a corrida e Ayrton Senna acabou em segundo lugar.
A mesma combinação de colocações repetiu-se naquele ano no Grande Prêmio da Hungria, que entrou para a história do automobilismo brasileiro por causa de uma ultrapassagem genial – considerada por muitos a mais bonita da história – de Piquet sobre Senna. A manobra ocorreu no fim da reta dos boxes: Senna liderava e Piquet pressionava, até que ultrapassou por fora e, na hora da curva de 180 graus no final da reta, para não perder a posição, foi escorregando com as quatro rodas na frente de Senna, que teve de tirar o pé para não entrar na lateral do carro de Piquet. A cena foi descrita por Jackie Stewart como ver um Boeing 747 fazendo um looping – aquela manobra de girar 360 graus, usual para caças e aviões da Esquadrilha da Fumaça e não a um gigante com capacidade para 460 passageiros. Naquele ano, o campeonato mundial de pilotos ficou com o francês Alain Prost e Mansell terminou como vice.
Piquet voltaria a vencer o campeonato mundial em 1987 superando o seu maior rival: ele mesmo. No começo do ano, em testes realizados no circuito de Ímola (Itália), ele sofreu um acidente na curva Tamburello (a mesma que assassinou Senna em 1º de maio de 1994) que afetou sua visão tirando-lhe a noção de profundidade em 80%. “Dali em diante, fiquei na Fórmula 1 para ganhar dinheiro. Fui atrás dos contratos que davam mais grana”, declarou o piloto no sofá do Programa do Jô recentemente.
Em 1992, o capitalismo estava no seu auge. No Brasil e nos principais países do Ocidente, quem tinha dinheiro sobrando aplicava no mercado financeiro e tirava dali seus lucros. Mas Piquet resolveu seguir na contramão em vários sentidos. Para alguém com o seu nível de apego ao controle, de fato, o mundo instável das bolsas de valores soa como um pesadelo. E para uma pessoa com o trânsito internacional de Piquet, decidir abrir uma empresa no Brasil da hiperinflação poderia ser considerado improvável. Mas, como sempre, ele não deu bola para a torcida nem parou aí. Resolveu ser pioneiro em uma atividade que ninguém conhecia na América do Sul: o monitoramento de caminhões por meio de satélite – algo que, aliás, tinha quociente de glamour inverso ao mundo das pistas.
“Contei para um amigo que eu ia abrir a empresa e que estava pensando em fazer Engenharia Elétrica para entender bem do negócio”, diz Piquet, que cursou Engenharia Mecânica na Universidade Federal de Brasília até o terceiro período e ficou famoso na F-1 por seu grande talento em acertar carros. “Falei isso todo animado, mas ele me aconselhou a contratar excelentes engenheiros e a cuidar pessoalmente das vendas, porque é na hora da venda que se percebe as maiores forças do produto e tudo o que precisa ser ajustado. Foi o melhor conselho que alguém podia me dar”, completa o pi



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