Puro samba

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Miriam Gimenes

Daryan Dornelles
Dudu começou a tocar cavaquinho aos cinco anos de idade. Fotos: Daryan Dornelles

Em terra de Carnaval, quem tem samba correndo nas veias é rei. Imagina, então, se além das artérias o ritmo tomar conta também da pele? Dudu o tem tatuado no braço. A nobreza, portanto, não está restrita ao nome. João Eduardo de Salles Nobre, 39, faz parte da ‘aristocracia’ dos bambas cariocas, aqueles que nasceram recepcionados pelos batuques e querem morrer entoados pela cadência genuinamente brasileira. E o cantor e compositor realiza, neste ano, um de seus sonhos de infância: puxar o samba-enredo do qual é coautor pela sua escola do coração Mocidade Independente de Padre Miguel, nomeado Pernambucópolis. “Vivo o Carnaval desde moleque. Fico feliz com o patamar que alcancei cantando meus sambas, compondo. Agora é só correr para o abraço.” O abraço que ele se refere é o título, tão almejado pela agremiação, que quase foi rebaixada no ano passado e hoje figura entre as favoritas.

Criado em meio às tradicionais rodas cariocas, já que sua mãe, Anita Nobre, foi precursora da maioria delas, Dudu desde cedo se apaixonou pelo ritmo. “Todo dia tinha um samba dela em algum lugar. Convivia com Clementina de Jesus, Nelson Sargento, Nelson Cavaquinho, todos os grandes mestres. Não tinha como enveredar para outra coisa”, lembra, nostálgico. Autodidata, começou a tocar cavaquinho aos 5 anos, aos 7 já se arriscava em um piano clássico e, aos 10, participava de projetos mirins de escolas de samba. Dedicou-se à música e estudou muito porque queria estar preparado quando as oportunidades chegassem. E o fez. Com 16 anos começou a tocar com Almir Guineto, depois com Dicró e, aos 19 anos, já integrava a banda de Zeca Pagodinho.

As composições também caíram no gosto dos ‘mestres’ e aos 20 anos Dudu começou a ser gravado. “Com 22 anos fiz o samba Posso até Me Apaixonar (interpretado por Zeca), que foi uma das músicas mais executadas do Brasil na época”. Os êxitos o levaram, então, à carreira solo. “As pessoas tinham curiosidade de saber quem fazia as músicas e isso acabou me tornando cantor.” O primeiro CD, lançado em 1999, tinha no set list os conhecidos No Mexe Mexe, no Bole Bole e Feliz da Vida.

Já são quase 15 anos de carreira e muita história para contar. O trabalho mais fresquinho, lançado mês passado, é o DVD Os Mais Lindos Sambas-Enredo de Todos os Tempos, que foi gravado na Cidade do Samba. Entre os ‘hinos’ escolhidos pelo sambista estão Heróis da Liberdade (Império Serrano, 1969), Contos de Areia (Portela, 1984), Kizomba, Festa da Raça (Vila Isabel, 1988) e outros. “É um trabalho óbvio, mas ninguém fez antes. Contamos com uma megaprodução de 300 profissionais envolvidos, artistas, bailarinos e o resultado foi muito bom”, avalia. Dudu também teve participações especiais dos amigos Zeca, Seu Jorge, Neguinho da Beija-flor, Vivane Araújo, Renato Sorriso, Monarco, entre outros.

Motivo é o que não falta para ele comemorar. Até por conta da dificuldade que a Mocidade passou nos últimos anos – trocou de diretoria recentemente –, Dudu sente o peso da responsabilidade que tem assim que abrir o desfile com o grito tradicional da agremiação. “Desde criança, quando ia para Mocidade, sempre sonhei em ganhar, em ser puxador intérprete. É emocionante fazer parte de tudo isso.” A coroação do nobre verde e branco será batizada com serpentina de ouro se houver nota 10 em todos os quesitos na Quarta-Feira de Cinzas. Que São Jorge, padroeiro dos sambistas, diga amém.

Karla Moreno (esq.) e Tuane Rocha participam do show do novo DVD do sambista

ELE É TOP, CAPA DE REVISTA
O Brasil não esconde mais de sua cultura. Antes marginalizado, inclusive no início do século passado, o samba agora é pop e os seus bambas ganham capa de revista. “As pessoas antes tinham vergonha de serem brasileiras, só valorizavam o que vinha de fora. Acho que conseguimos conquistar um espaço bacana e que vem crescendo. Isso é uma vitória de todos nós, sambistas”, analisa Dudu. Inclusive, por conta desta autoestima, o País virou uma potência mundial. “Fui para a Europa nas férias e todo dia se fala alguma coisa daqui.” Nos países de Língua Portuguesa, acrescenta, para a pessoa ostentar o sucesso diz que está no Rio de Janeiro. “Em Angola, quando o cara quer mostrar que está bem tira uma foto em Copacabana.”

Ainda assim, peca em alguns aspectos. No último Réveillon do Rio, sambistas ficaram furiosos porque os cachês do Show da Virada foram discrepantes. Enquanto Lulu Santos e Carlinhos Brown ganharam R$ 550 mil cada, Beth Carvalho ficou com apenas R$ 160 mil, valores definidos por uma empresa terceirizada pela prefeitura. “Esse tocante tem de ser fiscalizado para não ter disparate. Eu adoro o Carlinhos Brown, o Lulu é um querido, mas eles não podem valer três Beth Carvalho.” Dudu define a situação como chata, embora acrescente que a gestão de Eduardo Paes seja a que mais abraçou a categoria até agora. Um dos feitos foi nomear a atual Cidade do Samba – área destinada aos barracões das escolas do Grupo Especial – de Joãozinho Trinta, ícone do Carnaval carioca.

É neste espaço onde milhares de pessoas trabalham o ano todo para levar o show para a Marquês de Sapucaí, que completa 30 anos. “Minha irmã (Lucinha Nobre) é uma profissional do Carnaval. A festa virou uma verdadeira indústria, que além de emprego também gera cultura. Tem gente de Parintins que vem trabalhar aqui nesta época. É interessante este intercâmbio.” Para confirmar que no clã dos Nobre tem nas veias sangue com ‘s’ de samba, Lucinha desfila há mais de 30 anos e carrega cinco Estandartes de Ouro como melhor porta-bandeira da Sapucaí, atualmente na Mocidade. E Dudu, além de emprestar sua letra à agremiação de Padre Miguel, revela outra torcida, mas no Grupo de Acesso. É que lá a Viradouro carrega outro samba-enredo o qual ele também é coautor, que tem como tema Boteco. Haja coração.




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