O emprego dos sonhos

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Andrea Ciaffone

 

Bruce Dickinson fala sobre a criação da cerveja Trooper, um sucesso de vendas. Claudinei Plaza/DGABC

Na segunda metade do século passado, poucas notícias provocavam tanto pavor nos pais do que a de ouvir do filho que ele pretendia ser vocalista de uma banda de rock. Afinal, a música era coisa de cabeludos, depravados, drogados e só poderia levar a vida do garoto ao caos e à ruína. O que muitos não poderiam prever é que um dia, essa maluquice poderia ser considerada não apenas uma ocupação séria, como também um negócio promissor e inspirador, adequado a bons pais de família. 

E isso não é conversa de quem quer uma desculpa para viver de camiseta preta. De acordo com um relatório da Bolsa de Valores de Londres, a Iron Maiden LLC, empresa que cuida de todos os bens da banda, não só está entre os negócios que mais crescem no setor da música como também figura entre as empresas britânicas mais inspiradoras. Seus ativos são estimados em quase R$ 25 milhões e o seu patrimônio líquido ultrapassa os R$ 40 milhões.
Mas como todo negócio que dá certo, há razões para isso. A primeira vem do berço. A banda é administrada com mão de ferro pelo seu fundador, o baixista Steve Harris, desde os seus primórdios. Fundada no Natal de 1976, teve três vocalistas sucessivamente demitidos até que, em 1982, contratou Bruce Dickinson, que estreou no álbum The Number of the Beast, do mesmo ano.
 
Além da voz intensa e da presença de palco arrasadora, Dickinson é um homem de muitas habilidades e personalidade forte. Sua biografia, escrita por Joe Shooman e publicada pela editora Gutenberg no Brasil, mostra isso em detalhes. Formado em História, fez parte da seleção britânica de esgrima, apresentou por oito anos um programa de rádio na BBC 6 Music, escreveu um best-seller de ficção, narrou programas da Discovery Channel, foi piloto de jatos comerciais e ‘comanda’ o jato do Iron Maiden em suas turnês. Além disso, tem suas próprias empresas, entre elas uma de manutenção de aeronaves, a Cardiff Aviation, e até já atacou de mestre cervejeiro no processo de lançamento da Trooper, a bebida lançada pela banda em parceria com a cervejaria inglesa Robinson ano passado, que se tornou um sucesso de vendas instantâneo. Em menos de seis meses, mais de 1 milhão de litros vendidos foram exportados. “Quando pensamos em fazer a cerveja, decidimos fazer direito. Para nós, não bastava colocar a marca Iron Maiden numa garrafa. Era preciso que a fórmula fosse original”, diz Dickinson, que se mostra muito confortável no papel de businessman.  
 
“O ser humano não evolui, não muda. Gosta de conforto, facilidade e segue quem lhe oferece isso. Por isso é importante estar atento às tendências, observar e usar a criatividade”, disse o autor de Wasting Love durante sua palestra na Campus Party, em São Paulo. A lenda do heavy metal foi convidada para falar com os jovens gênios do mundo da tecnologia da informação que lotaram o evento. Todos, claro, sonhando em ser os próximos Bill Gates e Steve Jobs, ouviram atentamente o que esse roqueiro com alma de empresário tinha a dizer. “As empresas têm de estar atentas ao comportamento das pessoas. Veja a situação das gravadoras. Muitas desapareceram num instante. Por quê? Porque quiseram transformar os fãs que compartilhavam música pela internet em bandidos. Grande erro. Não souberam usar a plataforma digital. Se elas tivessem abraçado a mudança que a tecnologia trouxe e tomado a iniciativa de tornar os downloads melhores e mais fáceis, talvez tivessem sobrevivido”, argumentou Dickinson com a autoridade de quem faz parte de um grupo que soube usar a mudança na indústria fonográfica como instrumento para ficar ainda mais forte. 
 
Um dos fatores que tornaram o Iron Maiden uma empresa tão inspiradora na visão dos analistas da Bolsa londrina é o contingente de fãs que eles amealharam no mundo virtual – ativo cada vez mais valorizado pelos investidores. Por exemplo, de junho de 2012 a outubro de 2013, durante a Maiden England World Tour, a banda adicionou 5 milhões de novos seguidores nas redes sociais. De acordo com um dos maiores especialistas em música na web, Greg Mead, CEO e cofundador da Musicmetric, o grupo é um exemplo. “O Iron Maiden tem sido muito bem-sucedido em transformar fãs que compartilham arquivos gratuitamente em fãs que compram ingressos. Essa é uma prova clara de que fazer turnês mundiais pode valer a pena. E mostra que ter os dados sobre onde está sua base de fãs será cada vez mais vital”, diz Mead. “Há muito pouco dinheiro na indústria fonográfica hoje em dia. A rentabilidade está nos shows, mas para continuar fazendo turnês, é preciso fazer músicas novas”, explica o vocalista.  
 
FILOSOFIA, HISTÓRIA, BIOLOGIA
 
Dickinson compara o mundo dos negócios ao oceano. “Os peixes têm guelras que lhes permitem parar no fundo, economizar energia e engordar. Já os tubarões não têm e precisam nadar o tempo todo. Com isso se mantêm fortes e ágeis para comer os peixes que ficam lá paradões. Não é bom ser comido. Por isso, é preciso estar sempre atento, nunca se acomodar”, reforça. Esse medo da estagnação é uma fobia que está sempre presente na história deles. 
 
O baixista Steve Harris fundou o Iron simplesmente porque não se conformava com o fato de suas composições serem rejeitadas pelas bandas nas quais participava por serem consideradas muito complicadas, muito intensas. De fato, Harris tirava sua inspiração de eventos nada banais. Enquanto os outros grupos falavam de campos de morangos, ele centrava sua verve em fatos históricos, batalhas sangrentas e filmes de terror. Parecia suicídio, mas a banda com nome de instrumento de tortura prosperou.
Dickinson começou sua palestra em São Paulo mostrando uma foto dele na sua versão rockstar diante de uma multidão num show. “Esses caras são fãs, mas se alguma coisa der errado, eles se tornam clientes”, diz o vocalista. “E eu detesto clientes porque eles têm uma escolha e podem procurar outro produto se não se sentirem satisfeitos”, completa.  Por isso, ensina ele, é fundamental estar se movimentando sempre, percebendo as tendências e oferecendo às pessoas valor agregado para que elas sejam fãs, que são fié


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