Vida alheia

Envie para um(a) amigo(a) Imprimir Comentar A- A A+

Compartilhe:

Isadora Almeida

Dicesar é dono de uma loja de maquiagem em São Paulo. Foto: André Henriques

 Milhares de pessoas se posicionam todos os dias em frente à televisão para assistir a seus programas favoritos. E o reality show, amado por uns e odiado por outros, está na lista dos mais vistos pelos brasileiros. Está aí a 14a. edição do Big Brother Brasil, no ar na Rede Globo, que não nos deixa mentir. Embora seja sempre alvo de críticas, ainda mantém uma legião de apaixonados, tanto que sua média de audiência está superior à edição passada. Ostenta também, todo ano, milhares de interessados em ser um dos selecionados ao rol de ‘heróis’. Trata-se do famoso interesse na vida alheia inerente ao ser humano e de uma necessidade, nem que seja por alguns minutos, de flutuar fora de sua própria história. Como disse a escritora belga Marguerite Yourcenar, ‘a vida alheia nos parece sempre mais fácil porque não é vivida por nós.’
Quem deu início a esse gênero foi a série norte-americana An American Family, em 1973, que acompanhou a família Lourd, da Califórnia – o empresário Bill, sua mulher, Patrícia, e seus cinco filhos. Foram oito meses observando problemas conjugais que culminaram no divórcio em rede nacional. Vendido como documentário, o sucesso foi tanto que uma emissora inglesa produziu programa semelhante. Criou-se aí o DNA dos realities, alastrado em seus vários formatos pelo mundo. Um deles foi o Big Brother, idealizado nos anos 1990 pelo produtor holandês John de Mol.
A primeira edição do BBB no Brasil foi em 2002. O sucesso deslanchou e, junto com ele, os questionamentos: Por que as pessoas gostam de assistir a um grupo de anônimos em atividades corriqueiras, como cozinhar, conversar e namorar? Para Cosette Castro, professora e pesquisadora da Universidade Católica de Brasília, a curiosidade pela vida alheia é o dá audiência a esse tipo de programa. “As pessoas querem ver se vão se apaixonar, brigar, se dar bem, falar mal do outro, fofocar, transar... E isso gera assunto nas famílias, entre amigos, no ambiente de trabalho e na escola”, afirma. Vira, na verdade, uma novela da vida real.
O sucesso é sustentado, principalmente, por expor os sentimentos humanos. Mesmo existindo a força da edição, trilha sonora, charges e estímulos da produção, o reality não é totalmente ficcional e o imprevisível pode acontecer. “As pessoas assistem para garantir que são normais, que fazem as mesmas coisas, para ter certeza de que pertencem ao ‘mesmo grupo humano’”, acredita.
Há também a visão daqueles que ficam do lado de dentro da porta. Embora os participantes digam que é muito difícil estar na casa, a verdade é que o local torna-se uma vitrine, para o bem e para o mal. E eles tornam-se ‘celebridades’ e ganham os almejados cinco minutos de fama. Um dos ex-BBBs mais conhecidos é o maquiador Dicesar Ferreira, 48 anos, que participou da 10º edição do reality e foi o 13º eliminado. Perdeu para o vencedor Marcelo Dourado.
Após sua saída no BBB, revela que ficou uma semana escondido em um sítio porque não sabia lidar com a fama. Não obstante, ‘ganhou’ quatro tumores benignos – espalhados pelo braço, ombro e barriga – os quais ele atribui à ansiedade causada pelo programa. Cosette explica que a reclusão a qual ele se submeteu é aceitável, uma vez que ninguém é preparado para lidar com a vida real a partir da eliminação. “Os participantes não têm dimensão de que todo país os acompanha todos os dias. A audiência se sente íntima do participante e isso é invasivo fora da casa.”
Após a crise de pânico, Dicesar conta que trabalhou muito e que os frutos vieram. “Eram 24 horas o povo me ligando. Trabalhava uma hora na frente de uma loja para ganhar R$ 11 mil. Fiquei assim uns seis meses e foi dessa forma que consegui comprar o meu apartamento, o da minha mãe e viajar para fora”, enumera. Apesar de todos os males, o maquiador confessa que se tivesse a oportunidade participaria novamente e já especula sobre a versão de 2015 “Estão falando que o BBB15 será com ex-brothers e eu tô me jogando, entendeu?”.
O fato é que programas desse tipo servem como vitrine para alavancar a carreira. Foi assim que Dicesar se tornou autossuficiente. Ele já era conhecido nas noites com seu trabalho de drag queen, a Dimmy Kieer. Ao sair do BBB fez mais sucesso ainda. O programa também ajudou na sua carreira de maquiador e ele, atualmente, é dono da loja de maquiagem Adóoogo Make Up, em São Paulo, onde também ministra cursos.

O ex-BBB também é conhecido como a drag queen Dimmy Kieer. Foto: Divulgação

Dimmy Kieer

A personagem Dimmy Kieer surgiu no auge da MTV, nos anos 1990, quando os videoclipes de Madonna, Cindy Lauper e Deee-Lite faziam sucesso. “Busquei inspiração no estilo psicodélico. Comprei uma calça colorida de brechó, uma franja para o cabelo e fui para a noite com mais dois amigos que estavam de calça boca de sino. A boate adorou, porque nem existia drag queen naquele tempo, eram os transformistas”, recorda o maquiador, que percebeu que podia ganhar dinheiro com isso. Em apenas uma noite, o profissional recebeu o valor correspondente a um mês de salário como visual merchandising na extinta Mesbla (loja de departamentos), seu trabalho à época.
Assim, Dicesar se assumiu drag e começou a frequentar boates GLS cobrando cachê por apresentação. Diz que naquele tempo haviam apenas cinco drags de sucesso na noite: Silvetty Montilla, Léo Áquilla, Nany People, Paulette Pink e ele, Dimmy Kieer. São mais de 20 anos representando em clubes, mas o ex-BBB confessa que está aposentando aos poucos a Dimmy Kieer. Atualmente, trabalha apenas nos fins de semana.
Dicesar revela que já sofreu preconceito tanto por ser gay quanto por ser drag queen. Segundo ele, foi desligado da Mesbla por esse motivo. Como era pop nas noites paulistas as pessoas já sabiam desse outro lado antes mesmo de contratá-lo, e confundiam o que ele fazia com travesti



Diário do Grande ABC. Copyright © 1991- 2024. Todos os direitos reservados