O último samurai do ocidente

Envie para um(a) amigo(a) Imprimir Comentar A- A A+

Compartilhe:

Isadora Almeida

Sensei Jorge Kishikawa fundou o Instituto Niten para passar filosofia samurai adiante. Foto: Andréa Iseki

 O conhecimento que se tem dos antigos samurais é frequentemente retratado em grandes produções cinematográficas, como o aplaudido filme de 2003 interpretado pelo galã Tom Cruise. Mas não são raros os casos em que, na ânsia de atingir picos de bilheteria, diretores de Hollywood distorcem a verdadeira filosofia oriental de guerra e disciplina nascida há mais de 900 anos. É o caso do enlatado 47 Ronins, que entrou em cartaz nas salas de cinema brasileiras no dia 31, com Keanu Reeves no papel principal e direção de Carl Erik Rinsch. A visão maniqueísta e fantasiosa do longa recebeu críticas negativas na Europa e no Japão por fugir da lenda original, introduzindo dragões e bruxas psicodélicas no contexto. Também foi considerado fracasso de bilheteria e especialistas já preveem prejuízos frente aos US$ 200 milhões desembolsados na produção. Na versão nipônica, 47 ex-samurais, que perderam seu mestre, vão atrás de vingança contra o assassino. No fim, conseguem resgatar a honra perdida, mas são condenados à morte, ganhando o direito de praticar o seppuku (suicídio) ao invés de serem assassinados.
Um samurai de verdade, além de guerreiro, deve seguir filosofia baseada em lealdade, honra, gratidão, coragem e sabedoria. Deve atingir desempenho e eficiência máxima; ter uma comunicação sem falhas; agregar virtudes, técnicas e filosofia dos antigos guerreiros.
Miyamoto Musashi (1584-1645) é o mais famoso samurai que já existiu e fundador do estilo de luta com espada conhecido como kenjutsu. Com sua técnica, venceu 60 duelos sem utilizar nenhuma armadura. Em vez de usar a espada em qualquer situação, desenvolveu técnicas para que, mesmo em um contingente menor, pudesse combater o inimigo maior (na época, a China e os mongóis). Também é autor de O Livro dos Cinco Anéis, onde explica artes marciais de modo geral.
Ao todo, há 13 gerações de samurais, mas contam-se nos dedos os remanescentes contemporâneos. É o caso de Jorge Kishikawa, 50 anos, considerado o último samurai vivo do Ocidente com a mais alta graduação em kendô no Brasil (7º Dan Kyoshi) e no estilo de Miyamoto Musashi.
Autor do livro Shin Hagakure (2010), o sensei – como é nomeado – reside em São Paulo, é graduado em diversas modalidades de bushidô e foi por duas vezes pentacampeão brasileiro consecutivo de kendô. De acordo com ele, o verdadeiro samurai deve seguir a espada, mesmo que para isso precise renunciar a outros aspectos de sua vida.
Foi o que aconteceu com ele. Graduado em Administração e Medicina, trabalhou por muitos anos na área médica esportiva, mas algo faltava em sua vida. Em paralelo, sempre buscou o conhecimento da sabedoria milenar em visitas ao Japão. Foi aí que decidiu abrir o Instituto Cultural Niten, em 1993, para trazer aos brasileiros os ensinamentos das artes da espada samurai, a filosofia do bushidô e a cultura japonesa.
Atualmente, o instituto possui ramificações espalhadas por todo o Brasil, inclusive em Santo André, onde são ministradas aulas aos sábados de manhã, na Fefisa. O Niten também se expandiu para Argentina, Chile, Uruguai, México e Portugal e é considerado a maior escola do mundo no segmento, com cerca de 40 unidades ao redor do planeta.
Em busca de ajudar o próximo, desenvolveu o método KIR (Recuperação Intensiva da Espada) para passar seu conhecimento em aulas de kenjutsu, onde, além do treino com a arma branca, professa a filosofia dos samurais. A técnica é uma ferramenta que possibilita canalizar os ensinamentos e a energia dos treinos no dia a dia.
Na luta, a energia é exteriorizada através de gritos (kiai) e da garra para avançar, mesmo quando as pessoas estão cansadas ou frente a frente com adversários habilidosos. A vitória sobre as situações adversas molda o caráter e aumenta a força de vontade dos praticantes. Através dos treinamentos com a espada, é possível ultrapassar os limites e chegar cada vez mais longe, para despertar potenciais ocultos e viver plenamente.
De tempos em tempos, os alunos começam a aplicar os ensinamentos em suas vidas, principalmente no trabalho. “Eu já desconfiava que também tivesse utilidade no mundo corporativo, mas tive a certeza quando eles reportaram suas experiências. A partir daí, passei a dar ênfase ao que realmente precisavam: o comportamento dentro das empresas”. Assim surgiu o KIR Empresarial, com aulas que visam resgatar o potencial de cada indivíduo através da bravura e determinação dos antigos guerreiros e também estimular o desenvolvimento pessoal.
Kishikawa explica que o que falta no mundo ocidental são pessoas leais, persistentes, que vestem a camisa da empresa e se dedicam exclusivamente a isso. Segundo o sensei, a principal diferença entre os dois mundos é a força do verbo. O poder da palavra, no Japão, é o que basta. Falar e não cumprir é motivo de vergonha. Já aqui, no Brasil, não existe ordem. É comum cancelar ou desistir das tarefas. “As empresas não querem mercenários. Hoje em dia, todo mundo só pensa em ganhar muito e trabalhar pouco. O nosso curso desperta o tigre adormecido em cada indivíduo; faz conscientizar que a vida é uma guerra e, para sobreviver, tem que ser guerreiro, senão você morre”, elucida o samurai, ressaltando que, para se viver em harmonia, basta resgatar entre as pessoas esses pequenos gestos e atitudes que se perderam no mundo moderno.
O primeiro grupo do KIR Empresarial é específico para presidentes e diretores corporativos que treinam de manhã na sede, em São Paulo. As aulas são ministradas no período diurno, geralmente durante uma semana, com duas horas de duração por dia. Nelas, o sensei trabalha com o conceito geral do samurai e faz uma abordagem voltada aos problemas específicos de cada empresa. Além disso, os alunos têm um dia de convívio com o mestre Kishikawa para realizar trabalhos manuais variados, como varrer o chão a fim de exercitar a humildade e a compaixão. “Com isso, consigo perceber o tipo de pessoa que é: se é organizada, disciplinada, se faz as coisas com paixão ou não”, acrescenta.
Já o segundo grupo é formado por colaboradores da empresa, que participam de um workshop na própria corporação, geralmente em um único dia, para aprender com professores do Niten a arte de criar códigos para aplic&



Diário do Grande ABC. Copyright © 1991- 2024. Todos os direitos reservados