Mago das Bolsas

Envie para um(a) amigo(a) Imprimir Comentar A- A A+

Compartilhe:

Eliane de Souza

Roberto Vascon foi de mendigo em Nova Iorque à milionário. Foto: Divulgação

Para a ciência, sonho é uma experiência de imaginação do inconsciente durante o sono. Freud, o pai da psicanálise, disse que devaneamos em busca de realizar desejos reprimidos. Há quem ache, também, que ele é capaz de abrir a consciência e transformar uma vida. O designer de bolsas Roberto Vascon, 52 anos, está neste seleto grupo. O mineiro dormia há quatro meses em um banco do Central Park, em Nova York, quando sonhou com pássaros se transformando em bolsas com asas. Interpretou a experiência como a resposta que precisava para mudar de vida. Fabricou 12 bolsas. Coincidentemente ou não, sua primeira cliente foi a editora de moda do The New York Times. Foi o que precisava para que seu ‘inconsciente’ se tornasse realidade.
Roberto Vascon teve a infância pobre na cidade de Raposos, no interior mineiro. Vivia com os pais e quatro irmãos. Como costuma lembrar, não tinha muita comida, mas não passava fome. “Era tudo muito regrado e pouco”. Teve uma boa infância, até perceber que teria de trabalhar e, por isso, ir para escola não seria possível. Aos 5 anos de idade, resolveu que iria ajudar a mãe, pois o pai era alcoólatra. Passou a trabalhar como vendedor e aprendeu a ler observando outdoors.
Até que um dia estava vendendo bolinho de feijão no trem e conheceu uma professora, que disse que se ele fosse mesmo alfabetizado, poderia aplicar alguns testes e dar-lhe o diploma do primário. Frequentou a escola por seis meses e conseguiu o improvável certificado.
O pai morreu quando ele tinha 12 anos. Foi então que saiu do interior para morar em Belo Horizonte. Não conseguia emprego até conhecer o assessor do corpo de baile do Palácio das Artes. “Ele me deu um salário-mínimo para aprender a dançar balé”. Dos 13 aos 17 anos e meio, foi bailarino. Aos 18, alistou-se e serviu ao Exército por um ano e três meses. Já nesta época pensava que seria ator. Foi para o Rio de Janeiro, onde dormia na praia e era guardador de carros. Mas sem curso de teatro e sem conhecer ninguém, não obteve sucesso.
O Rio de Janeiro foi sua morada até os 25 anos de idade. Quando juntou dinheiro, decidiu comprar passagem só de ida para Nova York. Desempregado, não dominava o idioma e também não ostentava amigos na Big Apple. O maior desafio da sua vida estava, de fato, apenas começando.

A VIDA É UMA FESTA

Durante quatro meses, Roberto Vascon teve endereço fixo em Manhattan: um banco no Central Park. No menu, apenas grama – sim, isso mesmo – temperada com catchup e mostarda, brindes que pegava no McDonald´s. Aprendeu o idioma sozinho, lendo e praticando. “Não fiquei triste. Eu falava com Deus. Agradecia por estar em Nova York”, conta o designer, com uma fé contagiante. A fase de vacas magras durou quatro meses. O pouco dinheiro que tinha ganhava com a venda de latinhas que juntava na rua.
Às vésperas do inverno, já previa o frio e fez uma oração fervorosa: “Deus, te convidei pra ser meu amigo. Meu corpo é seu templo, mas você saiu e deixou a porta aberta. Você me convidou para esta festa chamada mundo e eu aceitei. Agora, ou melhora a minha vida ou me deixa ir embora”, desafiou.
Acredita que a resposta da oração veio quando sonhou com os pássaros que se transformavam em bolsas com asas. Depois desta noite, não tirava essa ideia da cabeça e previu ter encontrado a chave para o sucesso. Com o pouco dinheiro que tinha comprou um pedaço de couro, tesoura, linha e agulha. Confeccionou 12 bolsinhas e colocou na calçada para vender.
Sua primeira cliente foi Nancy Harris, editora de moda do jornal The New York Times. “Ela comprou as 12. Falei que poderia fazer por um preço melhor se ela quisesse revender. Ela me disse que eu era um gênio, que fazia mágica com as mãos e me deixaria famoso”. Virei personagem de matéria da edição de domingo. No dia seguinte já tinha se tornado conhecido, mesmo sem saber. “Concedi entrevista coletiva para 28 canais de televisão. Todos os jornais davam notas minhas. Nem sabia o que era o The New York Times”. Ganhou muito dinheiro, uma fortuna avaliada em US$ 8 milhões, saiu da rua, comprou apartamento, ajudou a mãe e abriu sete lojas em Nova York.
Entre a lista estrelada de clientes de Vascon estão a popstar Madonna, a apresentadora Oprah Winfrey, Beyoncé, Aretha Franklin e tantas outras celebridades. Foi do lixo ao luxo, literalmente. Se Roberto Vascon fosse mais um empresário bem-sucedido, esta história terminaria aqui.

MAIS BAGAGEM

Mas, não demorou muito e o pássaro alçou novo voo. Decidiu trocar tudo o que tinha conseguido por mais cultura. Faltava bagagem para encher suas ‘bolsas’. Em 1993, fechou as sete lojas, vendeu tudo o que tinha e disse a Deus que viajaria o mundo para devolver tudo o que recebeu. Para ele, a verdadeira riqueza não é o dinheiro no banco, mas o que ele propicia em termos de realizações e conhecimento. Em cinco anos percorreu 128 países, sempre envolvido em ações de benemerência.
Por onde passou dedicou-se a abrigar pessoas, doou casas e próteses mecânicas, pagou cursos, colégios e universidades. Encheu geladeiras, despensas e guarda-roupas. Gastou tudo o que tinha. Mas comemora o feito e diz que trouxe muito mais do que deixou em cada lugar que passou.
Disse mais: assim que os dólares acabaram, sentiu alívio. “Voltei para Nova York com a mesma bagagem de antes, ou seja, nada, mas com um Boeing 777 cheio de conhecimento”, relata. E voltou a dormir no mesmo banco do Central Park. “Todo mundo falou que eu era louco. Louco é quem não sabe que nada neste mundo é nosso. Estamos numa grande festa, que é a vida, mas os talheres, os pratos, as roupas, a comida, o dinheiro, tudo é de Deus. Ele só empresta para gente. Essa ganância de juntar grana não é nossa. Claro que é legal porque você sobrevive na festa. Mas não precisa. Tem gente que morre de câncer e o dinheiro não vale de nada. Não tenho ligação com coisas materiais.”
Quando regressou para Nova York, em 1998, encontrou novamente com a jornalista, que anunciou o seu retorno e assim voltou a ter sucesso como designer de bolsas. “Todos adoram minhas criações. Elas têm uma energia boa. Rezo muito sobre elas”. Há três anos decidiu voltar para o Brasil, visto que com a infância pobre nunca pôde desfrutar de uma vida sem dificuldades onde nasceu. Também queria passar mais tempo com a mãe, que já estava idosa e morreu há dois anos.
De vo



Diário do Grande ABC. Copyright © 1991- 2024. Todos os direitos reservados