O autor do povão

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AE

Miguel Falabella conta seus projetos e o que vem de novo em Pé na Cova. Foto: João Cotta/Rede Globo

Polêmico, crítico e dono de humor ácido, Miguel Falabella coleciona adjetivos. Mas o que mais se encaixa no perfil do ator e autor é ser popular. Ele afirma que costuma dar trela para todo mundo que se aproxima para uma conversinha. E é nesses bate-papos que o loiro se inspira para criar personagens e falas para a nova temporada do seriado Pé na Cova, que reestreou em 1º de outubro na Rede Globo. 
O humorístico, que terá 12 episódios novos, foi criado a partir de uma reflexão de Falabella sobre a sua finitude e sua vida útil. Nesta entrevista, o autor comemora o sucesso do programa, que já tem uma terceira temporada praticamente acertada, e principalmente o fato de o público e a emissora terem entendido seu recado. Afinal, segundo Falabella, os pobres são mais felizes e mais flexíveis, já que preconceito é coisa de emergente.
“A classe média é que não tem dignidade, porque rico está pouco se lixando, faz o que quer, e os pobres também. A classe média é que se ferra porque acredita em conceitos, em como as pessoas precisam ser”, dispara Falabella, que quer escrever até o último dia de sua vida e afirma que não teme a morte. Ele conta, inclusive, que tem um projeto de teledramaturgia que ironiza justamente a vida no céu, com um Deus que está dormindo. Confira entrevista a seguir.

Pé na Cova entra em sua segunda temporada com a terceira quase acertada. Como você vê essa recepção do público?
MIGUEL FALABELLA – Estou feliz. Acho que a emissora entendeu a proposta do programa. Pé na Cova causou estranheza quando chegou, porque eu propus uma linguagem nova, diferente do que vinha fazendo ao longo desses anos na televisão. Sempre fiz sitcons (comédias) clássicos, como Sai de Baixo e Toma Lá Dá Cá, que eram uma coisa mais direta. Desta vez, eu queria ir para um Brasil mais profundo, para os esquecidos, mas que, infelizmente, são grande maioria no nosso País.

Como é seu contato com o público nas ruas? As pessoas sempre o reconhecem?
FALABELLA – Da maneira deles, sim. Outro dia, aconteceu uma coisa engraçada: saí da academia, aí veio um homem e me disse assim: ‘Você é grande, Lulu Santos’. E ele me deu um abraço. Pensei: ‘Isso é Pé na Cova’. Os caras não sabem absolutamente nada. Vejo isso também na minha casa, com as minhas secretárias. Quando estão falando de novela, não sabem nada. Estão contando o capítulo uma para a outra, no dia seguinte, e até entendem a história, mas confundem os atores todos.

As pessoas trocam o seu nome frequentemente?
FALABELLA – Sou tudo: Sabatella, Antonelli, Dolabella... Ontem, gravamos uma cena que mostra bem isso. Essa indigência que nós vemos hoje em dia é aterradora. As pessoas escrevem de uma forma que eu acho que não fizeram sequer o primário. É um País que abandonou a Educação.

Você acha que as classes mais altas reconhecem essa falta de cidadania do povo que é retratada no programa?
FALABELLA – Eu não faço para a classe alta. Nunca fiz nada para eles. Faço televisão para o povão. E vou dizer mais: o povão entende a crítica. Eles se veem, entendendo que não deve ser assim. O Ruço, na verdade, que é o fiel da balança na história, é um observador e é um homem chocado com o mundo que o rodeia. Ele não acha bonito o filho ser um político corrupto; não acha bonito a filha tirar a roupa na internet; não acha bom a Darlene (Marília Pêra) ser uma ignorante.

O que a segunda temporada traz de diferente da primeira?
FALABELLA – Acho que é a mesma coisa. Temos um cuidado, cada vez maior, com a trilha sonora. Essa coisa de resgatar pérolas que estão no inconsciente coletivo.

Há um tempo, você tinha dito que ia parar de escrever, certo?
FALABELLA – Não. Eu disse que ia parar de atuar e vou, só que ainda não consegui, mas de escrever não. Vou morrer escrevendo no computador. Vou enjoar e dizer ‘fui’.

O que lhe faz atuar em Pé na Cova, então?
FALABELLA – Primeiro, para trabalhar com a Marília (Pêra) porque, realmente, é como jogar com (Lionel) Messi e qualquer jogador quer jogar com ele. Trabalhar com ela faz a diferença. Ela é um assombro. Eu escrevo e vejo ela reinventando a frase. É uma experiência muito prazerosa. E agora não tem mais como eu não fazer o Ruço, que já sou eu. Não dá para trocar, mas me toma um tempo medonho.

É verdade que você criou a série por ter começado a tomar consciência da sua finitude?
FALABELLA – Exatamente. Lembro que estava em casa um dia e pensei: ‘Estou com 55 anos. Quanto tempo mais me resta de vida útil e produtiva?’ Aí, eu pensei em escrever um personagem que é um homem refletindo sobre isso.

Pensa em escrever as suas memórias?
FALABELLA – Sim. Pretérito Imperfeito é um nome que acho bom. Só não vou dizer sobre ninguém que eu comi, que acho baixaria. Comi muita gente, mas não vou dar nomes (risos). Neste momento, tenho que produzir porque minha carroça é pesada. Ajudo muita gente e televisão toma tempo.

Você ajuda muita gente?
FALABELLA – Não falo sobre isso. Tenho uma carroça pesada. Acho que a gente está aqui para ajudar, senão, não tem sentido. Se vem para cá para fazer besteira, perde a viagem. A vida me mostrou que a lei do retorno é impressionante.

O que está pobre no seu ponto de vista? São as novelas?
FALABELLA – Não. Novela eu não vejo, não tenho tempo. Não posso falar de nada porque eu não vejo. Outro dia, alguém me perguntou quem era Marina Ruy Barbosa e eu não sabia. Não sei mesmo. Não tenho tempo para ver.

Como é a sua relação com a morte?
FALABELLA – Não tenho o menor problema. Vou igual a um passarinho. Morrer, a gente só tem medo da primeira vez, é igual a andar em um tobogã. A minha geração morreu inteira. Nos anos 1980, cheguei a ir a quatro enterros em um



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