As cores de Tomie

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Angela Corrêa

André Henriques
Tomie se dedicou muito tempo à família e só retornou sua vocação com 40 anos

Uma rápida olhada em fotos de arquivo de Tomie Ohtake (até mesmo o Google pode ajudar na tarefa) mostra que a artista é fã do preto quando se trata das escolhas de seu guarda-roupa. Blusas, camisetas de algodão utilizadas para trabalhar, calças, casacos, sapatos e até os óculos de aro grosso têm a cor negra e se tornaram sua marca registrada, junto com os cabelinhos em corte Chanel. Mas, mesmo quem nunca teve contato com a obra da artista, além das grandes esculturas públicas – como as da Avenida 23 de Maio e do Auditório do Ibirapuera –, logo percebe que ela não abdica das cores em sua arte. Em 60 anos de produção ininterrupta, Tomie parece compensar a monocromia do próprio vestuário em sua criação pictórica e de esculturas. Do amplo estúdio localizado em sua casa modernista no Campo Belo, em São Paulo, a mulher franzina e delicada, que hoje se locomove em uma cadeira de rodas, envia obras a cidades de todo o País, inclusive para Santo André.

Em 21 de novembro, Tomie completa 100 anos. Entre as comemorações, que começaram no início de 2013, estão exposições que contemplam a produção incansável da imigrante japonesa que chegou de Kyoto para visitar o irmão e, por conta da Segunda Guerra Mundial, acabou ficando no País. Até arranjou marido. “Vim visitar meu irmão, que tinha se mudado para o Brasil. Eu tinha 23 anos. A guerra começou e eu não consegui mais voltar”, diz com o pesado sotaque ainda presente, mesmo após quase oito décadas estabelecida em São Paulo. “Foi uma grande besteira eu não ter aprendido direito o português.”

É que, apesar de ter fixado residência em reduto italiano da Capital, a Mooca, e de ter feito amizades longe dos domínios do bairro oriental da Liberdade, Tomie dedicou muito tempo à família. Quem vê os painéis de fotos em sua casa – em que a preferência pelo preto na indumentária fica ainda mais evidente nas imagens em que posa, sorridente, ao lado de gente importante no cenário artístico paulistano – não imagina que ela, na verdade, foi educada apenas para cuidar da família e do lar.

A artista teve dois filhos com o engenheiro agrônomo Ushio Ohtake: Ruy, 75 anos, e Ricardo, 69. O primogênito é um dos principais arquitetos do País e o caçula, também arquiteto por formação, ocupou cargos como secretário do Verde e Meio Ambiente de São Paulo, além de ter administrado o Centro Cultural São Paulo, a Cinemateca Brasileira e o MIS (Museu da Imagem e do Som). Hoje, dirige o instituto que leva o nome da mãe. Foi por conta da prole, e dos afazeres como dona de casa, que Tomie acabou deixando para segundo plano o chamado artístico da juventude. “Me interessava por arte, mas eu só pintava aquarelas no Japão. E no Brasil fiquei bastante tempo em função dos filhos.”

Foi só perto dos 40 anos que Tomie tomou coragem de retomar sua vocação, incentivada por amigos e encantada após comparecer a uma exposição do pintor japonês Keisuke Sugano, realizada no Museu de Arte Moderna da cidade em 1952.

Ricardo lembra-se muito bem da primeira vez em que a mãe reuniu um grupo de artistas para dar as suas primeiras e tímidas pinceladas. “Foi algo que ficou preso à minha memória, aquelas pessoas todas na sala, em frente às telas.” O cenário de infância do caçula só fez crescer ao longo dos anos. A matriarca foi imprimindo – primeiro figurativamente e depois, por sua arte abstrata – assinatura bastante própria, de formatos limpos e impactantes.

Em 1968, já naturalizada brasileira, exibiu sua quinta exposição individual em São Paulo e as duas primeiras no Exterior, em Nova York e Washington (Estados Unidos).
Além de São Paulo, suas obras públicas estão espalhadas por Guarulhos, Santos, Brasília e nas cidades mineiras de Araxá, Uberlândia e Belo Horizonte. Seu primeiro prêmio foi em 1957, no Salão de Arte da Colônia Japonesa. Em 1979 foi escolhida a pintora do ano pela APCA (Associação Paulista dos críticos de Arte). Em 1995, ganhou o Prêmio Nacional das Artes Plásticas, concedido pelo MinC (Ministério da Cultura).

No ano em que completa seu centenário, foram programadas mais de 20 mostras, entre o instituto que leva seu nome e galerias de arte espalhadas pelo País. Além das de caráter retrospectivo, muitas expõem as atividades recentes da artista. Prova de que os quase 100 anos não diminuíram a capacidade criativa.

NA CASA DOS OHTAKE
Um convite à casa modernista onde Tomie Ohtake mora, projetada por Ruy há cerca de 40 anos, é também capaz de resumir muito bem essa identidade simples e elegante que a dona exibe há tempos em seu próprio jeito de agir. Originalmente, foi construída em terreno estreito. Mas aos poucos foi ganhando mais espaço, à medida em que a família adquiria terrenos vizinhos. Não importa em que cômodo se fique em uma visita durante o dia, a iluminação natural e a ventilação são impecáveis.

As paredes têm base cinza, mas são coloridas de azul, amarelo, vermelho e branco, muitos dos tons que Tomie hoje escolhe para seus quadros, armazenados em seu ateliê sob um espesso teto de vidro que garante iluminação natural. Tudo em meio a objetos de trabalho da artista, detalhes de suas obras, recortes e presentes inusitados, como uma brasileiríssima camisa da Seleção com o nome da artista, devidamente dependurada na parte alta da parede.

Tomie trabalha ao menos três vezes por semana com a ajuda de um auxiliar. Da sua ‘oficina’, vê no quintal obras de amigos do quilate de Amílcar de Castro e José Resende.
Quem se surpreende com sua vitalidade e capacidade criativa logo conclui que trabalhar no que ama é realmente uma fonte inesgotável de bem-estar. “E ela sempre se cuidou muito bem: se alimenta bem e se protege”, atesta o filho caçula.

EXPOSIÇÃO VASCULHA ATELIÊ
Em cartaz no Instituto Tomie Ohtake até o dia 29 de setembro, a exposição Influxo das Formas revela a pesquisa que os curadores Agnaldo Farias e Paulo Miyada fizeram no ateliê da artista. Esta é a segunda mostra organizada pelo espaço em homenagem ao centenário de Tomie e tem entrada franca.

O intuito era descobrir a maneira com que a artista trabalha e como esse estilo teve início. A dupla teve acesso a esboços, reco



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