Eterna catarse

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Evaldo Novelini

Dramaturgo gosta de ler deitado. "Não vou ficar me embolando com um computador na cama."

A literatura liberta. A escrita ajudou o dramaturgo e poeta paraibano Ariano Vilar Suassuna, 86 anos, a superar o maior trauma de sua vida, sofrido quando tinha 3 anos: o assassinato do pai, João Suassuna, em 1930, no calor da revolução político-popular que levaria o gaúcho Getúlio Dornelles Vargas (1882-1954) à Presidência da República. A concepção e feitura de Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta (1971) iniciaram o efeito catártico, ainda a caminho da conclusão. Por causa dessa relação tão íntima com as palavras e com o livro, o autor esconjura a ideia de um mundo sem papel, substituído pelas plataformas digitais de leitura. “Eu só gosto de ler deitado. E não vou ficar me embolando com um computador na cama”, ri. 

Na entrevista a seguir, Suassuna fala desse e de outros assuntos contemporâneos, como a administração da República pela presidente Dilma Rousseff (PT) e a Comissão Nacional da Verdade, destinada a investigar os crimes da ditadura militar (1964-1985) e que ele vê com ressalvas, argumentando que o trabalho reacende ódios há muito sepultados. “Acho meio perigoso.”

Contador de histórias nato e professor por vocação, o paraibano viaja pelo Brasil encantando plateias com a defesa do Movimento Armorial, iniciativa artística que cria arte erudita a partir de elementos da cultura popular nordestina, e ministrando suas aulas-espetáculos, que reúnem centenas de alunos. Em uma delas, em Santo André, o escritor encontrou espaço na agenda para atender à equipe da Dia-a-Dia. Confira a seguir o resumo da prosa, onde ele explica, inclusive, por que o filho do major Antônio Morais, da peça clássica Auto da Compadecida (1955), virou mulher (Rosinha, interpretada por Virginia Cavendish) na adaptação para a TV.

DIA-A-DIA – O senhor tem circulado por todo o País ministrando suas aulas-espetáculos. Que avaliação, na qualidade de professor, faz da Educação brasileira?
ARIANO SUASSUNA – Estou aposentado e não sei muito bem essas coisas. Não sou um estudioso das instituições de ensino. Sou professor. Comecei a ensinar com 17 anos e só me aposentei aos 70, forçado pela lei. Gostava de lecionar e sabia que meus alunos gostavam de me ouvir. Sentia isso porque vinha gente de fora. Nunca precisei fazer chamada para obrigar os meus alunos a irem. Vinham estudantes de fora pegar carona nas aulas. Então, sei que gostavam de me ouvir. Eu tinha vocação de ensino, e continuo a exercitar essa vocação através dessas aulas (espetáculos). Na medida do que me é possível, procuro apontar caminhos, tanto do ponto de vista da Educação como do ponto de vista político. Agora, sem colocar a arte a serviço de política, religião ou qualquer outra coisa.

DIA-A-DIA – E literatura? Nunca se vendeu tanto livro no Brasil como atualmente. As obras comercializadas seriam efetivamente lidas?
SUASSUNA – Não sei. Pelo que ouço dizer, há uma preocupação muito grande em torno disso porque estão achando que o livro vai ser abandonado. Eu confesso que não acredito. Já vivi 86 anos e, no curso desta longa vida, vi muita gente profetizar que, por exemplo, o teatro estava ultrapassado e que não iria haver mais teatro – por causa do cinema, primeiro; e depois por causa da televisão. Mais tarde, disseram que o livro ia ser também ultrapassado pela televisão e pelo computador. Outro dia um jornalista me perguntou se eu tinha o hábito da leitura. Não tenho o hábito, não, tenho paixão pela leitura. Enquanto houver gente como eu, não se vai abandonar o livro. Por quê? Porque, além de gostar de ler, gosto do objeto livro. E só gosto de ler deitado. Porque é um ato de prazer e eu não vou ficar deitado me embolando com um computador na cama. Não dá. Preciso de um livro.

DIA-A-DIA – Quando Auto da Compadecida foi adaptado para a televisão, causou estranheza o fato de o filho do major Antônio Morais ter sido transformado em filha. Esse é um tributo que a literatura tem de pagar pela popularização?
SUASSUNA – Neste caso, foi uma decisão do diretor, que é meu amigo, o Guel Arraes. Ele me pediu permissão para colocar na produção cenas de outras peças minhas. Existe, por exemplo, a cena em que aparece um avarento que manda expulsar os pobres. Aquilo é de A Farsa da Boa Preguiça, outra peça minha. Aquela história de tirar o couro das costas de Chicó é de O Mercador de Veneza, de Shakespeare. Ele me pediu licença para colocar cenas de clássicos, como Shakespeare. E eu concordei. Tem uma cena que é de Molière e outras de várias peças minhas, como O Santo e a Porca e A Farsa da Boa Preguiça. Essa surpresa eu tive também porque, no caso, era um personagem homem. Agora, eu explico uma coisa que pouca gente sabe: escrevi aquela peça para um grupo de teatro jovem, adolescente, que eu dirigia na época. Ensinava artes cênicas no colégio de Recife, o Ginásio Pernambucano, e os alunos que gostavam de teatro formaram esse grupozinho e me pediram para escrever uma peça. Eu tinha exatamente 14 atores homens e duas atrizes mulheres. Então, escrevi para esse grupo e, por isso, tem uma grande quantidade de homens mesmo. Mas acho que não atrapalhou nada o fato de o filho do major Antônio Morais virar uma filha.

DIA-A-DIA – Na época da ditadura, o senhor acolheu os perseguidos pelo regime repressor. Tem acompanhado os trabalhos da Comissão da Verdade?
SUASSUNA – De longe. Tenho visto e acho um trabalho bom que se faça, mas meio perigoso, reacendendo ódios. Não acho que se devia fazer isso, de parte a parte.

DIA-A-DIA – Qual a impressão que o senhor tem do governo da presidente Dilma Rousseff?
SUASSUNA – Tenho uma impressão muito boa. Acho que ela está fazendo o que pode. A gente sabe as dificuldades que um país como o Brasil enfrenta. Não é fácil governar uma nação como o Brasil. Mas ela está indo bem. Gosto muito de Dilma e simpatizo muito com ela, conheço-a pessoalmente e sei que ela tem as melhores intenções do mundo em relação ao nosso País e ao nosso povo, nem que fosse como herança do governo Lula, que, para mim, foi realmente um marco na história do Brasil.

DIA-A-DIA –



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