O que é que o baiano tem?

Envie para um(a) amigo(a) Imprimir Comentar A- A A+

Compartilhe:

Juliana Ravelli

Celso Luiz
Desde pequeno Daniel ouvia Beethoven, Ravel, Tchaikovsky, entre outros, influenciado pelo pai

Certa vez, questionada sobre o que diria para um ator que está começando, Fernanda Montenegro orientou: “Desista. Não passe perto. Saia disso”. Segundo a grande dama do teatro e da TV brasileira, há quem confunda a arte com liberdades, glórias, paetês e retratos no jornal. Apenas quem sente profundo desassossego deve seguir em frente. Daniel Boaventura é uma dessas exceções. Sem se deixar iludir pelo efêmero glamour midiático, o ator baiano nunca perseguiu a fama. A tal inquietude exaltada pela veterana atriz – com quem ele contracenou na novela Passione, de Silvio de Abreu – foi o que o moveu, na juventude, em busca do objetivo de ser artista na mais completa definição.
A arte, que o cativou ainda na infância, nunca precisou bater à porta da família Boaventura. Sempre foi convidada de honra. Desde pequeno, o soteropolitano Daniel ouvia Beethoven, Ravel, Tchaikovsky, Rimsky-Korsakov, Camille Saint-Saëns e outros grandes nomes da música clássica, paixão do pai.

TIO SAM
Foi por causa do curso de doutorado em Educação do patriarca Edvaldo Boaventura, celebridade intelectual na Bahia, que a família mudou-se para os Estados Unidos no fim dos anos 1970, quando Daniel tinha 8 anos.

A Terra do Tio Sam, onde permaneceu até os 11, fez bem ao menino, que se encantou com o rock. “Até me lembro da primeira música que ouvi: foi Another One Bites The Dust, do Queen.” Na escola, começou a aprender trombone. Mas não sonhava ser musicista. Simplesmente, gostava de arte, e adorava desenhar.

Ao voltar para o Brasil, só retomou o contato com a música ao participar de festivais de bandas estudantis, no Ensino Médio. Foi aí que descobriu sua paixão. “Quando não estava estudando, ouvia discos. Comecei a descobrir essa intimidade e essa coragem. Sou um cara tímido, mas não tinha medo de cantar na frente de plateias. Foi isso que me levou a tentar me profissionalizar.”

Da música para a dramaturgia foi um pulo. Até que, por volta dos 20 anos, foi chamado para fazer na Bahia o musical Cinema Cantado, seu primeiro trabalho. Além da voz, tocava flauta e saxofone. “Daí em diante, teatro e música se revezaram na minha vida.”

MULTIFACETADO
A primeira metade da década de 1990 foi dominada pela axé music. Daniel achou que tocar jazz, na ocasião, era inviável. Por isso, cursou faculdade em outra área. Começou com Administração de Empresas, passou para Relações Públicas e até pensou em estudar Jornalismo. Por fim, migrou para Propaganda e Marketing. “Mas sempre tinha uma peça ou um show junto. Faltava um ano para me formar e eu tinha de escolher se trancava (a matrícula) ou viajava (com um espetáculo). Estou ‘trancado’ há 19 anos e não me arrependo da escolha.”

Daniel estreou Os Cafajestes em 1994, comédia musical em que quatro atores falavam mal de mulheres. O sucesso da peça e as longas temporadas no Rio de Janeiro e em São Paulo lhe permitiram que guardasse dinheiro e investisse na carreira de ator de televisão.

Em 1999, protagonizou o sitcom Santo de Casa, na Band, baseado no original norte-americano Who’s the Boss? No ano seguinte, atuou na novela Laços de Família, da Rede Globo. Nessa época, também fez o primeiro musical estilo Broadway: Company, de Stephen Sondheim.

Multifacetado é como muita gente o chama. Entretanto, Daniel não se sente assim. “Sou uma pessoa que tenta fazer o melhor possível nos projetos que envolvem música, interpretação e, agora, dublagem. Sou muito empírico. Gosto da tentativa e do erro, ao contrário do meu pai, que é um homem de método. Talvez seja isso. Tenho certa coragem em tentar. Se errar, é bom. Mas se acertar, falo: ‘Opa, acho que esta é uma vertente em que vou continuar’.”

Divulgação
No papel do patriarca Gomez de A Família Addams

MUSICAIS
Parece difícil acreditar que até os 30 anos Daniel sabia pouquíssimo sobre musicais. Sua vida era regida pelo Rhythm and Blues, a música negra norte-americana, que ainda o influencia. O ator conta que aprendeu a gostar dos musicais fazendo-os. Então, veio A Bela e a Fera, em 2002, marco na história da linguagem teatral no Brasil. Boaventura deu vida ao vilão Gaston, pelo qual foi elogiadíssimo. O papel, segundo ele, abriu caminhos. Em seguida, estrelou Chicago, My Fair Lady, Evita e A Família Addams, peça na qual interpretou o divertido patriarca Gomez.

Do último espetáculo, guarda excelentes recordações. “Foi um deleite. Pude trabalhar diretamente com o Jerry Zaks, que é o papa da Broadway: dirigiu Robert De Niro, Meryl Streep, e é um cara que sabe até marcar o timing da risada. Até hoje o elenco se fala por WhatsApp. Foi um projeto que ninguém sabia no que daria (nos Estados Unidos, não obteve sucesso). E foram 400 mil espectadores.”

Daniel vê com bons olhos o crescimento dos musicais no Brasil. Só tem receio de que algumas pessoas se aproveitem do momento para colocar nos palcos trabalhos ruins. “Precisa ter qualidade, porque é respeito com o público.”

Ele mesmo sonha em montar Sweeney Todd, O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet, musical de Stephen Sondheim que virou filme, em 2007, pelas mãos do diretor Tim Burton. Só não imagina ainda como viabilizaria a produção.

PERFECCIONISMO
Daniel fala inglês com espantosa fluência. É sempre assim: não gosta de nada pela metade ou malfeito. É perfeccionista e acredita que esta característica lhe assegura a sobrevivência no concorrido meio artístico. “Você tem de fazer o seu melhor sem pisar em ninguém.”

Tamanha é sua obstinação que, durante a produção do segundo CD, em italiano, contratou uma especialista no idioma para regravar todas as faixas do álbum, após ficar insatisfeito com o primeiro resultado. Questionava a professora sobre a pronúncia de cada palavra e não descansava até conseguir articular todas de modo correto. “Tem parente italiano que diz que está perfeito. Mas meu pai já mandou mensagem falando: ‘Olha, Dani, parece que naquela m&



Diário do Grande ABC. Copyright © 1991- 2024. Todos os direitos reservados