Agora é que são elas

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Miriam Gimenes

Nário Barbosa
Olga Montanari de Mello foi a primeira vereadora de São Caetano, eleita em 1949

Olga Montanari de Mello, hoje com 92 anos, ia à Câmara de São Caetano defender seus projetos em uma época em que o máximo que as mulheres faziam era decidir o que seria servido no jantar. O ano era de 1949 e a autonomista – que liderou a emancipação político-administrativa do município, antes subdistrito de Santo André – era a única vereadora das 21 cadeiras do Legislativo. Por ser “atrevida”, como ela mesma se define, conseguiu eleger-se três vezes e conquistar o respeito dos colegas de trabalho. “A mulher não sabe o valor que tem”, analisa. Segundo ela, este seria um dos motivos para que, passados mais de 60 anos desde seu primeiro mandato, a disparidade de gêneros na política ainda seja tão grande em todo o País.

Os números comprovam: o Brasil ocupa o 121º lugar no ranking de participação feminina na política, entre 189 países – Iraque e Afeganistão têm mais mulheres no poder do que o Brasil. No Senado, das 81 vagas, apenas 13 são ocupadas por elas – e somente oito atuam efetivamente. Já na Câmara dos Deputados, das 513 cadeiras, 44 são femininas. Somente 10% das prefeituras têm mulheres como chefes do Executivo e, nas câmaras municipais, sua participação é de ínfimos 12% – percentual que, no Grande ABC, é ainda menor: 7%. Tudo isso em um País onde a presidente é mulher.

As recentes manifestações que ocorreram Brasil afora mostraram que o cenário político não agrada à população. Mesmo antes do povo ir às ruas, a pesquisa Mais Mulheres na Política, divulgada em julho pelo Ibope/Instituto Patrícia Galvão, realizada na primeira quinzena de abril, já apontava essa insatisfação. Do total de entrevistados, 71% consideram importante a reforma política e defendem a obrigatoriedade de que as candidaturas sejam divididas entre os dois gêneros, meio a meio. Além disso, oito em cada dez entrevistados acreditam que, sendo as mulheres hoje mais da metade da população, deveria ser obrigatória a divisão igualitária nas câmaras de vereadores, assembleias legislativas e no Congresso Nacional. Para os eleitores, só assim se exerce de fato a democracia.

Olga acredita que o resultado da pesquisa se dá por uma característica singular da alma feminina: a sensibilidade. “Deus mandou a mulher para ser mãe, lidar com os problemas, ser companheira do homem. Temos um poder extraordinário.” Sendo assim, além de ajudar a mudar o cenário político que não agrada – vide o clamor público –, as mulheres poderiam se empenhar por um hospital ‘padrão Fifa’ ou pelo fim da corrupção. Afinal, quem é que corre com o filho ao primeiro sinal de febre e confere a diferença de um pronto-atendimento de qualidade?

A exemplo de Olga, que fez leis que beneficiam até hoje a população do município – uma delas criou a GCM (Guarda Civil Municipal) de São Caetano e outra garantiu a concessão de bolsas de estudo –, as mulheres têm de se envolver mais e conquistar este espaço, já que em outros setores está mais do que provado que a causa está ganha. E para aqueles que dizem que o Brasil está do jeito que está porque é gerenciado por uma mulher, Olga dá o recado: “Ela (Dilma Rousseff) não é milagreira.” Atrevidinha, não?

RANÇO HISTÓRICO
A cientista política da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos) Maria do Socorro Souza Braga diz que a discrepância eletiva entre os gêneros é resultado do tratamento dispensado pela sociedade às mulheres. “Inclusive na América Latina, onde elas demoraram muito mais tempo para ter acesso a vários direitos políticos. Por isso, não têm tanta experiência neste ramo”, acrescenta.

No Brasil, por exemplo, só foi permitido o voto feminino e a candidatura em 1932, decisão tomada pelo então presidente Getúlio Vargas (1882-1954). Pressionado pelo movimento sufragista (que lutava pela participação política das mulheres), deflagrado inicialmente na Inglaterra e nos Estados Unidos, ele autorizou o voto, só que de forma limitada: somente solteiras, viúvas com renda própria ou casadas com a autorização do marido poderiam votar. É claro que a decisão revoltou as feministas da época, que se manifestaram e conseguiram reverter a situação. Com o decreto 1.076 de 24 de fevereiro de 1932, qualquer cidadão maior de 21 anos, de qualquer sexo, passou a ter o direito de votar.

Foi dada a largada, mas passados 80 anos, o quadro não evoluiu. Ainda hoje, as mulheres são minoria – basta analisar os números já citados. Isso porque o ingresso delas na disputa eleitoral se dá, geralmente, de duas maneiras: ou são de famílias tradicionalmente políticas ou atuam dentro de movimentos sociais, como o sindicalismo. A maioria não apresenta interesse, até por falta de conhecimento sobre o assunto. “Talvez elas não se sintam qualificadas para a disputa político-partidária. Há preconceito da sociedade. As próprias mulheres não têm tendência a votar em mulheres.” Nem a lei 9.504/97, que determina que 30% dos candidatos registrados por um partido sejam do gênero minoritário – que sempre é o feminino –, não vingou até hoje.

Também falta espaço nas siglas, embora algumas promovam cursos em prol da participação partidária feminina. A especialista em pesquisas de opinião pública e socióloga Fátima Pacheco Jordão diz que as legendas são responsáveis pela pouca representatividade da mulher. “O domínio dos caciques, das lideranças com poder econômico e as pressões de interesse dentro do partido expelem as mulheres.” Elas estão militando, mas ainda faltam oportunidades e apoio. E quem perde, na opinião de Fátima, é o povo. “A mulher sabe das demandas. Ela leva os filhos à escola, ao ambulatório, e sofre mais do que os homens no transporte. Enfim, sabe das necessidades.”




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