Netuno contemporâneo

Envie para um(a) amigo(a) Imprimir Comentar A- A A+

Compartilhe:

Aggnes Franco

“Não acredito em desenvolvimento sustentável. É apenas outra palavra para os negócios. Não existe, por exemplo, pesca sustentável. Os oceanos estão morrendo. É tudo uma grande mentira.”

Ano de 1977. O canadense Paul Watson, cofundador do Greenpeace, deixa a organização após arriscar a vida para salvar focas em uma ação radical. Pouco depois, funda a Sea Shepherd Conservation Society, conhecida especialmente por interceptar navios que caçam baleias no Mar Ártico. Com métodos nada usuais, que incluem jogar ácido butírico (manteiga podre) em navios pesqueiros, as ações lideradas por Watson desagradam muita gente. No ano passado, esse defensor ferrenho dos animais foi preso na Alemanha e impedido pelos Estados Unidos de agir em território norte-americano. Deixou a presidência da Sea Shepherd após 35 anos, mas continua sendo um dos mais importantes ativistas do século. E foi com largo sorriso que ele falou sobre sua missão de ‘pastor dos mares’ à equipe da Dia-a-Dia, através de videoconferência, no navio onde mora atualmente.

Aos 62 anos, Paul pode dizer que dedicou sua existência à vida marinha. Nascido em Toronto, ele cresceu nas montanhas, onde passava horas pescando, tendo apenas castores como “grandes amigos”. O mar é sua casa, já que normalmente passa mais tempo nele do que em terra. “Os oceanos são a fundação da vida no planeta. A Terra é como uma gigante espaçonave que viaja pelo espaço. Como todas as naves, tem um suporte que fornece ar, comida e regula a temperatura do ambiente. Esse sistema é comandado por uma tripulação. Nós somos os passageiros. A tripulação são as espécies que vivem neste planeta, nas árvores, nas florestas, nos mares. E o que nós estamos fazendo, como espécie, é matar esse grupo. Quanto mais integrantes morrem, menos serão capazes de cuidar do sistema de suporte que mantém a vida no planeta. Então, é essencial preservar a biodiversidade dos nossos oceanos para manter esse suporte de vida funcionando. É isso o que estamos tentando fazer: proteger os passageiros desta espaçonave chamada Terra.”

A luta de Watson para proteger as baleias não encontra muitos aliados. A Comissão Internacional Baleeira, entidade que reúne diversos países para, em tese, proteger os cetáceos e regular o comércio e a pesquisa de tais animais, aprovou em 1986 uma moratória que proíbe a caça comercial. Desde então, Islândia, Noruega e Japão já mataram cerca de 25 mil exemplares da espécie.

Oficialmente os governos – em especial o japonês – afirmam que todas as baleias são pescadas com finalidade científica e, conforme o acordo internacional, suas carnes são vendidas depois. A Sea Shepherd Conservation Society alega, no entanto, que se trata de engodo. “Ninguém realmente os enfrenta (os países que pescam baleias). E quando os enfrenta – que é o que estamos fazendo –, todos começam a cair em cima de nós, como se fôssemos piratas ou bandidos. O Japão está matando baleias e violando a moratória global, ameaçando espécies em risco de extinção, como as baleias fin, mas ninguém faz algo a respeito. Pelo contrário: estamos na lista da Interpol, que nos levará a uma corte judicial nos Estados Unidos. Existe uma lei neste mundo para as corporações e os governos, e outra legislação para os indivíduos.”

Indignado com a retaliação dos Estados Unidos, que o proibiram de interferir na caça japonesa, Watson abandonou no ano passado a presidência da Sea Shepherd. Segundo ele, o Japão tem usado diversas estratégias para atrapalhar as peripécias dos ativistas. “Eles (japoneses) usaram US$ 30 milhões do fundo (destinado às vítimas) do tsunami para nos parar. Na Antártida ouvi dos japoneses que teríamos de sair dali por decisão da corte norte-americana. Achei estranho, porque os Estados Unidos não podem decidir, em águas australianas, sobre navio e tripulação não americanos. Nada disso tem base legal”, revida o fundador da organização que, apesar de ser internacional, é independente em cada país.

Esta não foi a primeira nem será a última de suas batalhas navais. Em 2002, durante a produção do documentário Shark Water, a tripulação do navio comandado pelo capitão Watson soltou jatos de água em pescadores que caçavam tubarões de forma ilegal. “Nós não agimos imediatamente. Primeiro, avisamos o governo da Guatemala e o ministro do Meio Ambiente ordenou que eles parassem com a matança. Eles não o fizeram. Então, espirramos água das nossas mangueiras e eles cessaram. Ninguém se machucou. Nenhuma propriedade foi danificada. Mas os pescadores disseram que tentamos matá-los, o que é ridículo. Nós tínhamos 43 integrantes a bordo, duas equipes de filmagem documentando tudo, fotógrafos...”

Após mostrarem os vídeos e fotos da ação, todos foram liberados. Dez anos mais tarde, para a surpresa do homem que foi eleito pela revista norte-americana Times como um dos 20 heróis do planeta no século 20, Watson foi preso em Frankfurt, na Alemanha. “Em dezembro de 2011, o primeiro-ministro do Japão encontrou-se com o presidente da Costa Rica. Meu mandado de prisão foi reemitido uma semana depois. É o Japão agindo através da Costa Rica”, acusa o ativista.

Watson também responde a processo no Japão, onde, segundo ele, um ativista suspenso invadiu um navio, foi preso e teria assinado sob tortura que estava cumprindo ordens do capitão. “Os japoneses cortaram ao meio uma embarcação nossa avaliada em US$ 1,5 milhão (o barco Ady Gil), quase mataram seis tripulantes (há vídeos no YouTube documentando a ocorrência), e não há problemas nisso. Eu não machuquei ninguém, não danifiquei nenhuma propriedade”, argumenta.

ATLÂNTICO SUL
Em julho do ano passado, no Panamá, a Comissão Internacional Baleeira repreendeu a proposta de Brasil, Argentina, África do Sul e Uruguai para criar santuário de baleias no Atlântico Sul. Para Watson, o Japão estaria mais uma vez por trás da resolução. “Os japoneses, é claro, estão liderando tudo isso. Eles basicamente compram os votos de outros países. A proposta do Brasil foi recusada por conta deste incrível controle financeiro que as nações sofrem do Japão. Elas não questionam a informação, apenas votam do jeito



Diário do Grande ABC. Copyright © 1991- 2024. Todos os direitos reservados