Cultura do lixo

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Miriam Gimenes

Foto: Shutterstock

Qualquer pessoa com mais de 30 anos lembra-se do tempo em que as coisas eram feitas para durar. Esse conceito acabou. Hoje, é impossível falar de resíduos sólidos sem questionar o rastro de sujeira deixado pelas sociedades de consumo, que produzem 48 bilhões de toneladas de lixo por ano no mundo. Só no Brasil, 188 toneladas de resíduos sólidos são coletadas diariamente, de acordo com dados de 2008 levantados pelo MMA (Ministério do Meio Ambiente), sendo que 30% a 37% são recicláveis.
Segundo o mestre em Geologia Ambiental Mauricio Waldman, a Grande São Paulo é a terceira maior metrópole produtora de lixo no planeta, apesar de ter o 14° PIB (Produto Interno Bruto), o que parece um contrassenso. “Algo está profundamente errado. Estamos jogando mais coisas fora do que deveríamos”, declarou o pesquisador durante conferência. Os governos pagam o ônus da má gestão ambiental. Por ano, R$ 8 bilhões são desperdiçados no País devido à falta de reciclagem, indica o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). E o número é crescente.

De acordo com a Abrelpe (Associação Brasileira de Limpeza Pública e Resíduos Especiais), a geração de lixo urbano sofreu aumento de 6,8% entre 2009 e 2010. “O consumo de plástico cresceu 41 vezes em 40 anos. Estamos virando o planeta plástico. E o uso de cobre (utilizado em sistemas elétricos, de telefonia e na produção de tintas, entre outros) cresceu 25 vezes, saltando de 400 milhões para 10 bilhões de toneladas”, observa Waldman.

Para atenuar o problema, o governo federal aprovou em 2010, após 19 anos de tramitação pelo Congresso Nacional, o PNRS (Plano Nacional de Resíduos Sólidos), que está em vigor e estabelece prazos para a adequação de todos os setores sociais. A ideia é que cidades e regiões de Norte a Sul se ajustem e organizem projetos estaduais, municipais e conferências, como a realizada em 13 de junho na Fundação Santo André, reunindo representantes das administrações municipais, empresários e moradores da região.

As cidades que optarem por implementar planos regionais – como no caso do Grande ABC, que se organiza através do Consórcio Intermunicipal – terão prioridade no repasse de recursos advindos da União, embora também possam elaborar seus próprios planos de gestão integrada de resíduos sólidos. O prazo para a entrega de tais projetos à União expirou em agosto do ano passado, e até a ocasião apenas Santo André, São Bernardo e Ribeirão Pires haviam cumprido a meta, o que lhes facilitará a captação de recursos.

 

INCLUSÃO SOCIAL
O PNRS traz importantes mudanças. Uma delas – inovadora em termos mundiais – é a preocupação com a inclusão social. O plano fomenta a inserção de catadores de lixo na cadeia produtiva e formaliza a atividade. “O texto é ótimo. Todo o plano foi elaborado para apoiar as cooperativas de catadores, mas a prática está sendo contrária. Eles (poder público e empresas) alegam que os catadores não têm competência para fazer a coleta, e isso acaba indo para o setor privado, o que, claro, atende a muitos interesses”, diz Armando Octaviano Junior, presidente da Cooperativa Central do ABC. Segundo ele, Ribeirão Pires, Mauá, São Bernardo, Santo André e Diadema encaminham resíduos às cooperativas, mas não há subsídios. “Na realidade, fazemos o trabalho de graça. Cada catador tira em torno de R$ 400 por mês, que é o resultado da venda dos resíduos. Isso sem falar nas despesas fixas que todas as cooperativas têm. É difícil.”

O Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André) informa que, atualmente, os resíduos da cidade são levados a duas cooperativas do município: Cidade Limpa e Coopcicla, que juntas somam 54 colaboradores.

José Batista (Dedé), diretor financeiro da Cooperativa Cidade Limpa, diz que 36 pessoas sustentam suas famílias desta maneira. “A Prefeitura cede o espaço e envia os resíduos. O resto é com a gente”, revela.

O Semasa diz também que pretende dobrar os postos de trabalho nesses empreendimentos, além de buscar parcerias para a aquisição de equipamentos, a adequação dos galpões e o intercâmbio com outros departamentos da Prefeitura para garantir a formação e gestão de cooperativas e cooperados.

Já São Caetano não tem parceria com cooperativas. “Encaminhamos o resíduo para leilão, mas temos 25 pessoas em um programa para triagem dos materiais. Trabalhamos para identificar os catadores da cidade e então formar uma cooperativa. Estamos iniciando conversas com a universidade daqui para fazer estudos de viabilização do projeto. Portanto, não há como definir prazos”, afirma Vitória Garcia, responsável pela divisão de resíduos sólidos do DAE (Departamento de Água e Esgoto de São Caetano).

LIXÕES
Outra ambiciosa meta da nova política é erradicar os lixões em todo o País, objetivo já cumprido pelas sete cidades da região. Entretanto, segundo o Ministério do Meio Ambiente, 19,8% dos resíduos ainda vão para lixões. “Acredito que o governo precisará prorrogar o prazo, porque não vejo possibilidade de todas as cidades do Brasil cumprirem a meta até 2014”, afirmou Marcelo Furtado, diretor do Greenpeace, durante a Conferência de Mídia e Sustentabilidade, no Rio de Janeiro. A Dia-a-Dia questionou esta viabilidade com o ministério, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.

RECICLAGEM
O governo federal não definiu a quantidade mínima de lixo seco a ser coletada ou reciclada, mas os municípios devem estabelecer suas metas. Santo André, que recolhe 370 mil toneladas por ano, e que já reciclou 15% do lixo retornável, hoje encaminha para reciclagem apenas 8%, mas pretende ampliar para até 20% nos próximos anos. Em 2012, a cidade gastou R$ 52 milhões com coleta, tratamento e destinação final de lixo úmido.




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